segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Mathias Alencastro Fogo no Brasil, silêncio em Paris, FSP

 “A nossa casa queima”, escandalizava-se Emmanuel Macron nas redes sociais um ano atrás. O estardalhaço do presidente francês deflagrou o primeiro grande embate diplomático do governo Jair Bolsonaro.

Seguiram-se algumas semanas de cotoveladas bilaterais. Com um ataque misógino a Brigitte Macron, Paulo Guedes garantiu o seu lugar de honra no time dos boçais da Esplanada.

Bombeiro do Mato Grosso combate queimada no Pantanal
Bombeiro do Mato Grosso combate queimada no Pantanal - Mauro Pimentel - 17.set.20/AFP

Todos ansiavam por um segundo round. Emmanuel Macron colocou em Brasília Brigitte Collet, uma diplomata especialista em assuntos ambientais, e o Itamaraty de Ernesto Araújo multiplicou as provocações contra a França nos salões das embaixadas e dos fóruns internacionais.

Agora, o Pantanal vira cinzas, e Macron silencia. A França fez pouco mais do que organizar umas reuniões discretas com parceiros locais e o centésimo funeral do acordo entre a União Europeia e o Mercosul.

A explicação óbvia para o silêncio é a pandemia, que obrigou os governantes a olharem para dentro. Mas outras variáveis, bem mais mesquinhas, também explicam o sumiço do paladino da ordem liberal na era populista.

Em 2019, Macron lutava para posicionar a França na liderança da Europa. O ativismo ambiental seduzia os movimentos verdes, muito influentes na composição de forças do Parlamento europeu, na altura em pleno processo de renovação.

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Tudo mudou no verão de 2020, quando Macron saiu correndo atrás do eleitor de direita e extrema direita para aumentar as suas chances de reeleição em 2022. Uma tropa de choque indicada pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy assumiu cargos-chave no governo e saturou as conversas de praça com temas insalubres como a “selvageria” da sociedade.

Figuras que habitam na interface da direita e da extrema direita, como o soberanista Phillippe de Villiers, passaram a ter acesso irrestrito ao palácio presidencial.

Maior expoente do centrismo radical, Macron repete a guinada à direita dos seus predecessores. Sarkozy começou o mandato com a política de “abertura” à esquerda e terminou lendo os discursos do ultraconservador Patrick Buisson, chamado de “hemisfério direito do cérebro” do presidente.

Depois de aprovar o casamento homossexual, François Hollande tentou angariar apoio na direita com uma lei fascizante sobre retirada da nacionalidade a criminosos e terroristas. Deu tão certo que ele renunciou à reeleição.

Mas o alívio de Jair Bolsonaro proporcionado pela fraquejada estratégica de Macron é temporário. A era populista tornou a sociedade civil, o setor privado e a comunidade internacional menos dependentes dos humores das lideranças políticas.

Uma série de instrumentos jurídicos estão sendo criados para regular de forma consistente e permanente a circulação de ativos financeiros em países governados por vândalos ambientais.

Independentemente das mudanças na Casa Branca em novembro, a reação às queimadas da Amazônia e do Pantanal irá muito além do barraco na internet na era pós-pandemia.​

Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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