terça-feira, 22 de setembro de 2020

Reinaldo Azevedo: “Mãos Limpas entregou Itália a Berlusconi, Lava Jato entregou Brasil a Bolsonaro”, OESP

 “A Lava Jato conseguiu consagrar valores que se sobrepõem ao Estado de direito. Sempre que isso acontece, a democracia está em risco. Juízes não são deuses, juízes são procuradores da ordem legal, do Estado legal, eles não têm que virar heróis. Nós temos uma degradação do espaço democrático que se dá via Ministério Público e via Poder Judiciário”

“Você entrega o país para os bandidos supostamente arrependidos, que serão beneficiados com liberdade ou redução drástica da pena e quem vai regular isso é um ente chamado Ministério Público que se transforma em um ente de razão livre de qualquer controle. E a partir daí você tem o controle do processo político pelo Ministério Público, Polícia Federal e suas facções”

“Aonde terá chegado Augusto Aras para o Delton Dallagnol ter batido em retirada? Para a Lava Jato de São Paulo ter batido em retirada? Para a Lava Jato do Rio estar fazendo genuflexão à PGR e ao governo Bolsonaro? Que ele comungue da metafísica bolsonarista, não tenho a menor dúvida. Agora, ele percebeu que a Lava Jato navega em ilegalidades flagrantes. Enquanto ele bater na Lava Jato, eu aplaudo. Enquanto apoiar as genuflexões, não”

“A Lava Jato nunca teve jornalismo investigativo. Teve jornalismo ‘vazativo’. A imprensa passou a publicar vazamentos ordenados pela Lava Jato. O MP soube e sabe ainda trabalhar a imprensa muito bem. Eu não sou contra que a imprensa publique, mas o vazamento serve a alguém, criando uma narrativa, e transforma o MP em um ente abstrato que paira acima da República e de todos os poderes e que determina o que é legitimo ou não, e vai espalhando sua esfera de influências”

“Parte da imprensa comete o erro de achar que se pode ser antibolsonarista e lavajatista ao mesmo tempo. Bolsonarismo e lavajatismo são expressões da xtrema-direita que não reconhecem direitos fundamentais”

“A Lava Jato do Rio passou a prestar serviços do ponto de vista dos resultados ao governo Bolsonaro. Eliminou um adversário à direita, o Wilson Witzel, e na segunda ação ilegal agiu contra os escritórios de advocacia que têm como eixo principal a defesa do Lula na área penal”

“Quem é o juiz bombadão? Eu chamo o Marcelo Bretas de juiz bombadão, porque faz questão de aparecer mostrando os músculos. Eu no lugar dele faria questão de aparecer mostrando a Constituição, que modéstia às favas eu conheço melhor que ele”

“Ninguém vai arrancar de mim que somos um povo bom governado por pessoas malignas. Havia um Brasil profundo que gosta de coisas muito feias. E apareceu um cara para dizer essas coisas”

“O Bolsonaro é por si uma frente de agressão à ordem democrática? Claro que é. A cada ato, a cada pensamento, a cada escolha. Bolsonaro descobriu o pobre na pandemia… Um governo reacionário, que quer fazer a sociedade andar pra trás, que discrimina. O que temos hoje é um governo boçal que faz escolhas contraproducentes, que defende madeireiros e garimpeiros. Mas há uma outra frente supostamente saneadora que é a Lava Jato. Dela não sairá nada de bom. São as frentes de ataque à democracia que precisam ser combatidas”.

Quando o Reinaldo Azevedo apareceu no Zoom para essa entrevista, de terno e gravata, chapéu de palha, óculos de armação vermelha, com um copo de single malt em uma mão e um cigarro aceso na outra, em princípio simpatizei.

Quem nos conectou foi sua esposa, que por mais de uma vez ele chamou de “marido”. Pelo que entendi, por ser ela quem de alguma maneira empresaria sua carreira, e lhe dá suporte nas coisas do dia a dia, cabendo ao próprio Reinaldo fazer o que melhor sabe.

E o que Reinaldo melhor sabe fazer é provocar. Não se poderia compará-lo a Paulo Francis, herói máximo desta dignificada linhagem jornalística, mas digamos que Reinaldo se filia a ela, embora seu repertório esteja circunscrito à política. Eu iria mais longe, evocando o velho H. L. Mencken e a devastadora iconoclastia do judeu vienense Karl Kraus.

Gente como o Reinaldo parece não se levar a sério. Ele, que vive rodeado de pets – “tenho mais bichos em um apartamento do que uma pessoa prudente deveria ter” -, brinca até com o próprio fim, dizendo fazer pouco caso, enquanto serve mais um gole do seu Glenmorangie.

Só me coube acompanhá-lo com minha singela pinga mineira, a Moreninha do Funil, produzida artesanalmente no Bairro de Funil, em Gonçalves.

E então queimamos a lenha em mais de 2 horas de entrevista. Havia muito o que conversar.

Hoje acho o Reinaldo um dos melhores cronistas políticos na ativa, se não o melhor. Mas nem sempre foi assim. Poucos anos atrás eu torcia o nariz para ele. Achava o mesmo que a Miriam Leitão, que um dia em 2014 assim se referiu a ele: “Pensamentos rasteiros, argumentos desqualificadores, ofensas pessoais, de nada servem. São lixo, mas muito rentável para quem o produz”.

Nunca fui petista, mas também achava, e continuo achando, que o epíteto “petralha”, criado pelo próprio Reinaldo, não é só reducionista como também estigmatizante, e terminaria por se
transformar em porta-estandarte de um movimento… que deu no que deu.

Foi uma época em que o Reinaldo achava também que o aquecimento global se tratava de uma falácia: “Eu fico furioso com os crentes da Igreja do Aquecimento Global dos Santos dos Últimos Dias. Desde que eles começaram mais insistentemente a anunciar o fim do mundo. Sempre faz mais frio do que antes onde quer que eu esteja. Vai ver não dou sorte: o aquecimento global vai para um lado, e eu vou para o outro, onde está o esfriamento regional”, escreveu.

Era preciso tirar essa prova – afinal, “Tio Rei”, como ele se refere a si próprio em seu excelente programa diário na BandNews – arrependia-se de algo?

E assim voltamos para o tema central desta entrevista. Conversar sobre o passado sem dúvida era o pano de fundo, mas havia uma pergunta a ser respondida: estamos (sobre)vivendo (a) uma ditadura?

A censura prévia ao Jornal Nacional, as múltiplas perseguições à classe jornalística e mesmo o processo movido pelo procurador Deltan Dallagnol contra o Reinaldo, me conduziram a esta pergunta. Encontrei nele uma boa interlocução para esta conversa.

“O Lula foi condenado sem provas. Me diga em que página da sentença do Sérgio Moro aparece a prova contra o Lula. Não há, e ninguém bateu mais no PT do que bati”

“O impeachment foi legítimo de várias maneiras combinadas, desiguais e distintas. Primeiro que houve a pedalada. Agora, o impeachment tem uma face política e outra jurídica. A face jurídica estava dada. Já na política, se um presidente tem 1/3 da Câmara e 1/3 do Senado, ele não cai. Dilma não
conseguia governar e havia a questão de ordem legal e a contribuição milionária de todos os erros que o governo petista cometeu, negando fazer correções necessárias na economia e fazendo o país mergulhar numa recessão histórica”

“A esquerda começou sendo disruptiva e depois foi a vez da direita. Quem ajudou esse governo a se eleger foram os esquerdistas que foram às ruas em 2013. Quem foi que criou a Lava Jato? Eu te digo quem foi. Foram as leis 12.846, de leniência, e a lei 12.850 de organizações criminosas, no caso a
regulação da delação premiada. São leis de agosto de 2013, apoiadas pelo PT, sancionadas pela Dilma para tentar sair do corner. (…)

“O PT tentava se impor como imperativo categórico. Eu não aceito esse processo de hegemonização da política que procura calar a divergência. Eu bati no PT pelos seus vícios, mas não disse que todo petista é petralha”

“Eu gosto mais do termo esquerdopata, que é o sujeito que a partir de qualquer coisa que acontece, vê uma distorção a partir de uma tese doentia de esquerda”

“(…) Edson Fachin, o nosso grande moralista, o nosso verdadeiro túmulo da moral”

“O Brasil já virou pária internacional. Tem que deixar de ser. Nós viramos motivo de piadas macabras”

Luciano Huck: “Precisa ter mais coragem. Há apenas duas virtudes no mundo que são intransitivas, e que eu aprecio não importa a circunstância: coragem e lealdade. Ele tem seus interesses e objetivos. Se ele quer ser presidente da República, vai ter que enfrentá-los. Acho que deixou muito a desejar nesse período da pandemia. É preciso saber apanhar e bater também”

João Doria: “Acho que o João Doria cometeu um erro fatal na campanha, que foi passar a apoiar uma linguagem de extrema-direita para ganhar a eleição. Não creio que ele vai conseguir se livrar disso”

Olavo de Carvalho: “Uma inteligência em busca de um caráter”

Diogo Mainardi: “Eu não falo mal de ex amigo. Se eu não tenho nada de bom para dizer de ex amigo, não direi nada de mal”

MBL: “Começaram muito bem, e se perderam no viés da extrema-direita. Parece que tentam se encontrar, vamos ver”

Lula: “O maior líder, realmente popular, do Brasil. Getúlio Vargas vem de uma outra extração; Lula vem de uma extração popular. Cometeu o erro de cair no culto de setores da esquerda de tentar transformar o PT no partido único. Está pagando um preço altíssimo por isso e se tornou um preso político da Lava Jato, onde foi condenado sem provas. E sim, foi uma das pessoas que eu mais critiquei como jornalista”

FHC: “Considero o maior e mais importante presidente que o Brasil já teve porque tirou o país de um atraso histórico. Representou e representa ainda um elogio à tolerância e cometeu um grave erro que eu aponto desde 1997, a emenda da reeleição”

Sérgio Moro: “Um tabaréu, alçado à condição de pensador, e pensador não é. Desde sempre teve um projeto político que agora se revela mais. Alberto Youssef fez as glórias do Sérgio Moro, fez delação premiada no caso Banestado e depois fez delação premiada no Petrolão. E nos dois casos eu não posso respeitar um juiz
que deve a sua carreira a um doleiro. Deve sim – não vai me processar né, Sérgio Moro? – porque sem Alberto Youssef ele não teria conseguido construir as narrativas”

Paulo Guedes: “(risos) É um ressentido de outros carnavais, um ressentido do real, um ressentido da era de ouro petista, e que como goleiro de fazenda na hora do pênalti, disse ‘deixa que eu chuto’, e chutou a bola para o mato. Ele é ruim, é um liberal do passado. Todas as ideias dele tiram dinheiro do pobre”

Haddad: “É uma liderança de perfil realmente social-democrata, o que lhe causa dificuldades no PT, num país em que a social-democracia se converteu à direita. Fala menos do que pensa por causa da sombra de Lula”

Ciro Gomes: “É inteligente, culto e representa uma renovação do pensamento nacionalista. Mas tem de ler o Corão para aprender a proteger-se de si mesmo”

PSOL: “É um partido pequeno e de quadros com visibilidade, mas de origens e pensamentos bastante distintos. Tem acertado ultimamente, depois de ter feito a burrada de tentar liderar as jornadas liberticidas de 2013, que pavimentaram o caminho da extrema-direita”

Reinaldo Azevedo (por ele mesmo): “Um pobre coitado que trabalha pra caralho e dorme pouco pra caralho. (…) Por que eu me considero ainda hoje conservador? Porque o conservador conserva o molde institucional e dentro do molde nós vamos quebrar o pau e vamos nos dividir em muitas tendências de centro, de direita e de esquerda. Agora, nós concordamos que essa é a ordem institucional, então eu sou um anti-disruptivo. Agora, reacionário nunca fui. Eu não mudei”


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