domingo, 20 de setembro de 2020

Alta do sebo de boi leva fabricantes de sabonete a pedir intervenção do governo, FSP

 

SÃO PAULO

Depois dos supermercadistas e da indústria de material de construção, agora são os fabricantes de sabão e sabonetes que buscam o Ministério da Economia para alertar sobre a alta de custos no setor.

O sebo de boi, principal matéria-prima dos sabonetes consumidos no país, registra aumento de preços de cerca de 80% no ano. A alta se deve a uma combinação de redução do abate de bovinos e aumento da demanda por sebo no setor de biodiesel, em meio ao avanço dos preços do óleo de soja, com as exportações do grão aquecidas.

Com dificuldade para repassar custos e margens comprimidas, os fabricantes pedem ao ministro Paulo Guedes (Economia) que intervenha de alguma forma, para que o insumo seja destinado preferencialmente ao setor de higiene e limpeza.

Linha de produção de sabonetes em fábrica da Sinter Futura em Monte Mor (SP)
Linha de produção de sabonetes em fábrica da Sinter Futura em Monte Mor (SP) - Divulgação

Os empresários argumentam que os sabões e sabonetes são parte essencial do combate à Covid-19 e que a população não teria condições de arcar com alta de preços proporcional ao aumento de custos do setor.

“Cerca de 80% do custo da massa base, principal matéria-prima do sabonete em barra, é o sebo. Nesse ano, a massa base já subiu aproximadamente 60%”, relata Breno Grou, presidente da Sinter Futura, fabricante de sabonetes e massa base com unidades em Monte Mor (SP) e Ouro Fino (MG).

“É muito difícil para os fabricantes repassar isso para os clientes. Imagine, em meio à pandemia, o sabonete aumentando 20%, 30%, 50% para a população, quando o pessoal já não tem dinheiro para comprar o sabonete em alguns locais do Brasil. Isso iria reduzir o consumo de um produto que é crítico para o combate ao coronavírus.”

Massa base, matéria-prima do sabonete em barra, feita a partir do sebo de boi na maioria dos sabonetes utilizados no Brasil
Massa base, matéria-prima do sabonete em barra, feita a partir do sebo de boi na maioria dos sabonetes utilizados no Brasil - Divulgação

Luis Gustavo da Cruz, proprietário da H-Max Cosméticos, fabricante de amenities para hotéis –os kits de produtos de higiene oferecidos gratuitamente aos hóspedes–, enfrenta uma dificuldade adicional: seus clientes fazem parte de um dos setores mais combalidos pela pandemia. Com isso, a produção da H-Max está 50% menor do que no início do ano.

“Os hotéis estavam fechados e agora começaram a reabrir em parte, ainda não estão operando 100%. Tivemos que entrar com um aumento de preços, dobrou o valor do sabonete e não estamos conseguindo repassar, não tenho mais margem para trabalhar.”

Conforme a Scot Consultoria, especializada em cotações do agronegócio, desde janeiro, o preço do sebo do boi subiu 79,6% no Brasil Central e 83,1% no Rio Grande do Sul, as duas principais regiões produtoras da matéria-prima.

No Brasil Central, o preço médio do sebo foi de R$ 2,85 o quilo em janeiro para R$ 4,77 em setembro. No Sul, o valor saltou de R$ 2,95 a R$ 5,06.

“O que deu essa impulsionada no período mais recente foi o preço alto da soja, principal matéria-prima para a produção de biocombustível. O sebo tem sido muito utilizado como substituto”, explica Thayná de Andrade, zootecnista e analista de mercado da Scot.

A elevada demanda do setor de biodiesel, em meio à exportação recorde de soja devido ao câmbio depreciado e forte demanda da China, não pressiona apenas o mercado de sebo. Também o óleo de palma, conhecido na Bahia como azeite de dendê, está em falta no país.

Sofrem as baianas de acarajé, mas também a indústria saboeira, que utiliza o produto em sabonetes de base vegetal. “Temos uma linha de produção de massa base vegetal, que usa o óleo de palma como principal componente. Com a falta do óleo no mercado, estou parando linha de produção por falta de matéria-prima”, relata Grou, da Sinter Futura.

Outro fator para a disparada de preços do sebo, explica a analista da Scot Consultoria, foi a redução no abate de bovinos este ano. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foram abatidos 14,6 milhões de bovinos no primeiro semestre de 2020, queda de 8% em relação a igual período de 2019.

Conforme Thayná, a retração se deve à redução de jornadas e adoção de medidas de distanciamento nos frigoríficos em meio à pandemia, após milhares de trabalhadores do setor serem contaminados pelo coronavírus. Outro fator, diz a analista, é que este é um ano de retenção de fêmeas, quando os produtores poupam esses animais do abate para produção de bezerros, cujos preços estão em alta no mercado.

O preço do sabonete não acompanhou a carestia do insumo. Segundo o IBGE, o produto de higiene acumula alta de 3,66% no ano, bem acima da inflação acumulada de 0,7% no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), mas nem de longe próximo aos cerca de 80% de avanço dos preços do sebo.

Diante deste cenário, a Abisa e a Abipla, associações da indústria saboeira e de produtos de limpeza, enviaram no último dia 10 um documento, endereçado ao ministro Paulo Guedes. As entidades pedem para que o governo intervenha para que, em meio à pandemia, o sebo seja destinado preferencialmente aos dois setores, em detrimento do segmento de biodiesel.

As associações também esperam ser recebidas em reunião no ministério.

“Para nós, o sebo é a principal matéria-prima, representando até 60% da composição do sabonete. Para o biodiesel não é o principal. Por isso solicitamos ao ministro Paulo Guedes, que, nesse momento de pandemia, o sebo seja direcionado mais ao nosso setor e menos para o biodiesel, porque no momento precisamos mais”, diz Zoé Morés, executiva da Abisa.

Procurado, o Ministério da Economia informou que a Sepec (Secretaria de Emprego, Produtividade e Competitividade) recebeu a carta enviada pelas entidades, está analisando o pleito e deve se reunir com representantes, ainda sem data marcada.

O setor de biodiesel também critica a inação do governo diante da disparada de preços das matérias-primas, em meio às exportações recordes.

“Falta uma adequada gestão da retenção de matérias-primas brasileiras para as necessidades internas do mercado nacional. Se há alguém que seria responsável por políticas de gestão para o abastecimento, é o governo”, avalia Juan Diego Ferrés, presidente da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene).

“Isso não está sendo feito e os efeitos são visíveis, não apenas na excessiva exportação de soja, mas também de outros produtos primários”, afirma, citando a redução emergencial de tributos para importação de arroz, em meio à disparada de preços do alimento.

Ele destaca que algumas medidas já foram adotadas para tentar mitigar o problema, como a redução da mistura de biodiesel no diesel de 12% para 10% em setembro e outubro. Além disso, o governo estaria estudando autorizar a importação excepcional de matérias-primas para fabricação de biodiesel, algo que seria inédito no país, que restringe as compras externas para essa finalidade específica.

No entanto, Ferrés avalia que as medidas são insuficientes. “A importação episódica nem sempre resolve. Melhor seria praticar políticas de compensação, que levassem em conta desequilíbrios globais, para que nosso comércio continuasse neutro. Qualquer país moderno faz isso no seu comércio exterior, planejando seu abastecimento interno.”


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