Num dos grandes momentos de "Garoto - Vivo Sonhando", o documentário de Rafael Veríssimo sobre o violonista Garoto (1915-1955), há um depoimento de Dori Caymmi que faz pensar. Em criança, na mansidão de um sítio de seu pai, Dorival, perto do Rio, Dori observou a tristeza de dois hóspedes: o maestro Radamés Gnattali e Garoto. E que motivos teriam para isso? Afinal, eram vastamente admirados em seu círculo --Radamés, como o arranjador, compositor e pianista que já fecundara duas gerações de músicos; Garoto, autor de "Duas Contas", o gênio do violão brasileiro.
Para Dori, eram tristes por saber que aquele círculo limitava-se aos "interessados no trabalho [no sentido de buscar a excelência, a beleza], na música, no Brasil". Uma minoria --"o resto não prestava atenção". O próprio Dori trai certa tristeza ao lembrar isso e repete a expressão "interessados no Brasil", como se ela fosse hoje uma categoria remota, quase em extinção. Foi como o entendi. É como, às vezes, ao olhar em torno, também me sinto.
"Garoto - Vivo Sonhando", no entanto, faz renascer a esperança. O diretor, Veríssimo, tem 35 anos; o diretor musical, Henrique Gomide, 32; o entrevistador, co-roteirista e quem me falou sobre o projeto quando ele ainda não passava de um sonho, Lucas Nobile, 36. Todos meninos e estreantes em cinema.
O filme tomou-lhes quase sete anos, e, para mim, o espantoso é que tenha levado só isso. Num país tão empenhado em destruir arquivos e queimar museus, eles fizeram a coisa certa: não desistiram, foram à luta. O resultado é uma riqueza absurda de registros musicais, fotos e depoimentos sobre um músico esquecido, que João Gilberto, entrevistado, definiu tão bem: "Sabe o Messi? É o Garoto".
Garoto acaba de renascer. Mais difícil será trazer de volta aquele país que, bem ou mal, ainda aspirava a se construir sobre uma plataforma de excelência e beleza.
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