O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta publicou suas memórias do poder. O livro chama-se “Um Paciente Chamado Brasil”. Seria mais preciso denominá-lo “Dois Pacientes Chamados Bolsonaro e Mandetta”.
Mandetta ficou 16 meses no Ministério da Saúde, teve um desempenho estelar durante a pandemia e acabou demitido por suas virtudes e por defeitos alheios. Como em todo livro de memórias, fala bem de si e escolhe aqueles de quem fala mal: Bolsonaro, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni, nessa ordem.
Sua análise do comportamento do capitão diante da pandemia é exemplar. Médico, ele pensou em ser psiquiatra e cursou um ano dessa matéria, até se decidir pela ortopedia. Diante da Covid, Bolsonaro passou por três fases de manual. Primeiro a negação (“uma gripezinha”), depois a raiva do médico (Mandetta), finalmente, o milagre (a cloroquina). É um retrato perfeito no qual o médico ministro tenta mostrar ao presidente o tamanho do problema, não consegue ser ouvido e entra num desastroso processo de fritura. Quando ele avisava que poderiam morrer mais de 100 mil pessoas, os áulicos contavam ao presidente que essa conta era exagerada. Seria coisa de quem queria derrubar o governo. Quem? O embaixador chinês.
O paciente Bolsonaro está exposto com precisão. Já o paciente Mandetta precisa ser decifrado pelos leitores. O ministro Mandetta endossou todos os procedimentos corretos para o controle do vírus, já o ex-deputado Mandetta (DEM-MS) foi temerário, metendo-se onde se meteu.
Ele entrou para um governo que prometia um ministério técnico, livre de quaisquer influências. Mandetta tinha duas semanas na cadeira quando foi informado que o palácio queria a cabeça de quatro de seus colaboradores. Vá lá que houvesse motivo, mas ele informa: “Quem articulou as exonerações e impôs os novos nomes mirava o controle de mais de oitenta por cento do orçamento do Ministério da Saúde.” Basta.
Mandetta conta que em 2016 o deputado Onyx Lorenzoni gravou uma conversa de parlamentares na casa de Rodrigo Maia. Deve-se a ele essa revelação, indicativa dos métodos do atual ministro da Cidadania. Pela sua narrativa “ele tirou o celular do bolso e me disse: ‘Ouve isso’”.
“Você gravou escondido a reunião?, perguntei. Ele respondeu que havia gravado sem querer.”
Tudo bem, mas por que chamou-o para ouvir o grampo? Mandetta guardou essa história por quatro anos. Lorenzoni estava com o deputado num passeio de barco no final de 2018 quando o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, obteve de Flávio Bolsonaro a promessa de que ele seria o ministro da Saúde. (Os filhos de Bolsonaro são mostrados no livro como patronos do Gabinete do Ódio, mas pode-se dizer tudo deles, menos que tenham radicalizado suas ideias só depois da eleição do pai.)
O livro de Mandetta é o primeiro retrato da disfuncionalidade do capitão na Presidência e vai além. Mostra Paulo Guedes tonitruante contra o adiamento da remarcação do preço dos remédios (“não admito tabelamento”), sem saber que os fármacos são tabelados. O bate-boca dos dois ministros é um dos bons momentos do livro.
Feitas as contas, Mandetta entrou mal no ministério e saiu bem.
Seu sucessor, Nelson Teich, cometeu o mesmo erro, mas conseguiu sair melhor porque foi-se embora em apenas 28 dias.
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