sexta-feira, 25 de setembro de 2020

As vantagens da reeleição, FSP

 24.set.2020 às 23h15

Lucas Gelape

Mestre em ciência política pela UFMG e doutorando na USP, foi pesquisador visitante na Universidade Harvard

No artigo “Reeleição e crises”, publicado em 6 de setembro nos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aceitou o que a seus olhos seria uma culpa sobre a instituição da reeleição no Brasil. Hoje, FHC vê a reeleição como algo negativo, uma vez que “imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”.

O argumento fez eco pelo país. Uma PEC proibindo a reeleição de chefes do Executivo nos três níveis foi apresentada e há relatos de líderes partidários apoiando essa proposta no Congresso.

A teoria e as evidências, porém, pedem cautela. Os argumentos mobilizados parecem se guiar pelos chamados “estelionatos eleitorais” (como as manobras cambiais de FHC ou a guinada ortodoxa de Dilma Rousseff). Contudo, não é evidente que essas experiências possam ser usadas unicamente como argumentos contra a reeleição.

Cientistas políticos ressaltam a importância de políticos terem incentivos para a reeleição, pois ela permite induzir os representantes a agir segundo os desejos do eleitorado (responsividade). A vitória apertada de Dilma pode ser lida como uma sinalização de que apenas a manutenção das políticas adotadas até 2014 seria insuficiente para um segundo mandato bem-sucedido. Somado aos constrangimentos econômicos, o recado das urnas parece ter cumprido seu papel.

Em um cenário otimista, cidadãos premiam bons governantes. Não por acaso, Angela Merkel lidera a Alemanha desde 2005. No México, a reeleição para cargos legislativos foi introduzida em 2014 sob esse argumento. Em um cenário pessimista, eleitores não os premiariam nem mesmo por bons governos. Estes, sabendo que serão inevitavelmente punidos nas urnas, utilizariam seus mandatos para extrair benefícios do cargo (lícitos ou ilícitos).

No Brasil, é difícil generalizar somente a partir de dois de um universo de três presidentes que concorreram a reeleição. Por outro lado, pesquisadores aproveitaram esse novo instituto para estudar a reeleição em disputas para prefeitos, contando nesse caso com centenas de pleitos país afora.
Dentre esses trabalhos, Leandro de Magalhães mostra que grupos similares de prefeitos eleitos e segundos colocados têm probabilidade semelhante de concorrer e vencer futuramente —cerca de 30% no ciclo eleitoral 1996-2000. Já Mauricio Izumi aponta que não são observadas diferenças significativas no patrimônio futuro de pares semelhantes de vencedores e perdedores após o mandato (em municípios de até 200 mil eleitores).

Também vemos eleitores utilizando as urnas para punir prefeitos, como demonstraram os trabalhos de Claudio Ferraz e Frederico Finan com base em auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU).
Existem sim evidências de que a possibilidade de reeleição pode levar a resultados adversos em políticas públicas. Dentre elas: aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia em períodos eleitorais e menor fiscalização de atendimento a critérios do Bolsa Família. Elas devem ser levadas em conta, mas não contradizem o argumento da responsividade.

Encontramos ainda defensores de limites à reeleição para cargos legislativos. Aqui, a discussão ganha novos contornos. A vantagem eleitoral dos cargos tem corroboração empírica. Além disso, a eleição não se mostra um instrumento tão eficaz na punição desses mandatários.

Por outro lado, experiências internacionais sugerem a importância de Legislativos fortes, construídos também pela experiência acumulada por congressistas. E, como debatido após as eleições de 2018, a renovação pode ter vários significados, por vezes indesejados entre seus defensores.

O mea-culpa de FHC seria mais pertinente caso tivesse como alvo a entrada em vigor da regra imediatamente após a sua promulgação. Ao deslocar-se o início da vigência para o futuro, diminuem-se os incentivos para que agentes usem alterações de regras em benefício próprio ou com fins imediatos.
Podemos também ser mais criativos nas propostas de mudança: é necessário vincular a proibição de reeleição a todos os cargos eletivos no Executivo? Quais as vantagens e desvantagens de limites no Legislativo?

É preciso cautela para analisar esse fenômeno. Afinal, não se pode ignorar os bons argumentos e as evidências robustas que revelam aspectos positivos da reeleição.

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