quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Compensação de risco e Covid-19, Esper Kallás, FSP

 Devemos usar capacete todas as vezes que saímos de bicicleta? Por que usar cinto de segurança se o carro tem air bags? Precisamos usar camisinha em toda relação sexual com parceiro casual? Depois de tomarmos vacina, ainda teremos que nos preocupar com a Covid-19?

A discussão sobre esse assunto ganhou corpo no debate de medidas de segurança na indústria automobilística, em 1975. Naquele ano, o professor emérito da Escola Booth de Administração da Universidade de Chicago, Sam Peltzman, publicou no Jornal de Política Econômica um trabalho intitulado "Os efeitos das regulamentações de segurança em automóveis". Seu argumento ficou conhecido como efeito Peltzman e diz respeito à tendência da maioria das pessoas em se tornarem mais cuidadosas quanto maior o risco percebido.

Essa teoria da compensação de risco usa a mesma linha de raciocínio, mas na via inversa: ao se sentirem mais protegidas, as pessoas tendem a minimizar o risco à sua volta e a abandonar os cuidados que antes mantinham, com isso, reduzindo o efeito da sua proteção. Trata-se de uma discussão extremamente importante, especialmente em meio à pandemia de Covid-19.

O feriado prolongado de Sete de Setembro mostrou que muitas pessoas não estão observando as recomendações de proteção contra a infecção. Para muitos, é como se a pandemia tivesse terminado.

Esse relaxamento das medidas de segurança pode vir, por exemplo, da percepção de que a epidemia está em retração. De fato, os dados da média móvel de casos e mortes diárias pela Covid-19 no país vêm apontando uma queda progressiva, porém lenta, nas últimas semanas.

Ao saber disso, muitos podem supor que, se a pandemia está diminuindo, também está diminuindo o risco ao qual todos estamos submetidos. Assim, entendem que as atitudes de proteção não são mais necessárias. Deixam de observar os cuidados com o uso de máscaras, com o distanciamento social e com a necessidade de evitar aglomerações.

É inegável o benefício que uma vacina eficaz pode oferecer ao arsenal de combate às doenças contagiosas. Mas seu efeito poderá sofrer interferência de adaptação comportamental e compensação de risco? Receber a vacina significa receber um passe livre para que se abandone o uso de máscaras e a redução da mobilidade? Essas são questões importantes envolvidas no cálculo do impacto das vacinas contra o novo coronavírus.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que uma vacina seja considerada caso proteja, no mínimo, metade dos vacinados de ter Covid-19. Supondo que tenhamos uma vacina com 50% de proteção, isso significa que a outra metade ainda poderia desenvolver a doença, como se não tivesse tomado a vacina. Se todos estes vacinados abandonarem as recomendações de segurança poderíamos observar um aumento da infecção e adoecimento por Covid-19?

Para impedir que isso aconteça, a adoção de uma potencial vacina como política pública de saúde não deve ser instituída de forma isolada. A manutenção de outras medidas de prevenção deve fazer parte de um conceito, também empregado na abordagem de infecções sexualmente transmissíveis, conhecido como prevenção combinada.

Estamos, sem dúvida, ansiosos por uma vacina que ofereça o mais alto nível de proteção possível. Entretanto, alguma limitação é esperada, tal como é observada em todas as outras vacinas, mesmo as mais eficazes que dispomos hoje.

Embora parte da solução, as vacinas não são a solução única, como muitos imaginam. Será preciso analisar sua implementação com o devido cuidado, junto às outras formas de prevenção.

Esper Kallás

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