Um texto com elogios à ditadura militar no Brasil distribuído em sala de aula pelo professor associado Eduardo Lobo Botelho Gualazzi está gerando protestos na Faculdade de Direito da USP.
Segundo alunos, ele entregou o documento na aula da disciplina "Direito Administrativo Interdisciplinar”, na segunda (25). O Centro Acadêmico 11 de Agosto divulgou uma nota de repúdio às declarações em sua conta no Facebook.
Os estudantes relatam que no texto distribuído em sala o professor "denomina pobres de 'eterna minoria do submundo que se recusou a trabalhar e produzir qualquer bem', chama a esquerda de 'minorias sociais de energúmenos' e defende que grupos LGBTs '(...) não são família, mas apenas aberração' e seriam 'tarados e taradas', também afirmando que a união entre pessoas deve consistir em 'homem/mulher de mesma etnia'".
Gualazzi já havia gerado polêmica em março de 2014, quando ministrou a aula "Continência a 1964", na qual fez um discurso pró-ditadura militar. "Mais uma vez, afirmo, reafirmo, e reitero o inteiro teor de minha aula Continência a 1964, de 31 de março de 2014", diz o texto distribuído na segunda (25).
"Recebemos a notícia com uma mistura de surpresa e indignação no Centro Acadêmico. É inimaginável que um professor tenha isso como linha oficial dentro de sala em pleno 2019. Ainda mais em uma faculdade que tem histórico de luta pela democracia e contra o regime de 1964", diz Douglas Fernandes, integrante da atual gestão do centro acadêmico.
"Estamos avaliando as medidas administrativas cabíveis e planejando debates sobre esses temas com os alunos, desde a luta contra a ditadura até o discurso de ódio contra as minorias sociais", completa Fernandes.
Confira a íntegra da nota divulgada pelo centro acadêmico:
"[NOTA DE REPÚDIO ÀS DECLARAÇÕES DO PROFESSOR ASSOCIADO EDUARDO GUALAZZI]
O Centro Acadêmico XI de Agosto vem a público rechaçar as declarações dadas por escrito pelo Professor Associado da Faculdade de Direito da USP Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, em documento entregue a estudantes que estavam presentes em sala no dia 25 de fevereiro de 2019, na sua Disciplina “Direito Administrativo Interdisciplinar”, no qual reafirma seu posicionamento em favor da Ditadura Militar, denomina pobres de “eterna minoria do submundo que se recusou a trabalhar e produzir qualquer bem”, chama a esquerda de “minorias sociais de energúmenos” e defende que grupos LGBTs “(...) não são família, mas apenas aberração” e seriam “tarados e taradas”, também afirmando que a união entre pessoas deve consistir em “homem/mulher de mesma etnia”, tendo também, nesse documento, declarado voto em Jair Bolsonaro, homem que, durante sua campanha à presidência da república, endossou discursos de ódio a grupos historicamente marginalizados, tal como mulheres, LGBTs, negras, negros e indígenas.
Eduardo Gualazzi, ao reafirmar suas declarações referentes à ditadura civil-militar, ignora completamente que o golpe de 1964 representou uma mancha na história da democracia brasileira, tendo sido também um marco da repressão ideológica e consequente perseguição, tortura e morte de diversos brasileiros opositores ao regime.
O professor, ao denominar pobres de “eterna minoria do submundo que se recusam a trabalhar e produzir qualquer bem”, ignora também o passado colonial de exploração do Brasil, edificado em torno da desigualdade social e do racismo estrutural construído a partir de mais de três séculos de escravismo, que perpetua até hoje diferenças de classe gritantes na sociedade brasileira.
Além disso, chama militantes de esquerda de “energúmenos” e “baderneiros e terroristas”, discurso reproduzido atualmente por aqueles que visam criminalizar os posicionamentos ideológicos da esquerda no país.
Reafirma o discurso de ódio à população LGBT brasileira, com ideias ultrapassadas de que essas pessoas seriam “anomalias”, “aberrações” e “tarados e taradas”, ignorando que o Brasil atualmente é o país que mais mata LGBTs no mundo.
Outro absurdo encontrado no texto do professor é a referência a que casais seriam apenas aqueles formados por um homem e uma mulher da mesma etnia, em uma clara demonstração de racismo, que remonta às épocas mais obscuras de nosso país em que ideologias pseudo científicas eram utilizadas para justificar a segregação, sob o pretexto de alterar a “qualidade” racial da população.
O uso de trechos do discurso de Jair Bolsonaro para reiterar seus posicionamentos homofóbicos e racistas é mais uma reafirmação de que a eleição de Bolsonaro à Presidência da República representou a legitimação de posicionamentos que atacam as minorias sociais do Brasil, reafirmando seu discurso antidemocrático e anti-povo.
Por isso, o Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, que sempre se colocou em defesa da democracia e dos direitos humanos, compondo as trincheiras de defesa às minorias sociais brasileiras (pobres, mulheres, negros/as e LGBTs), vem a público repudiar as declarações do Professor Eduardo Gualazzi. Informamos também que será cobrado um posicionamento público da Faculdade de Direito da USP, bem como uma retratação do Eduardo Gualazzi. O Centro Acadêmico, enquanto entidade máxima representativa dos estudantes da FDUSP, estudará, em conjunto com sua comunidade acadêmica, a possibilidade de requerer que sejam tomadas medidas mais severas em relação ao comportamento reiterado do docente.
“Que a juventude destas arcadas nunca deixe de se indignar contra as injustiças, de participar das lutas de seu tempo e de sonhar e construir um mundo melhor para todos” (Centro Acadêmico XI de Agosto, 2003).
Não nos calaremos!
São Paulo, 25 de fevereiro de 2019."
Mônica Bergamo
Jornalista e colunista.
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