É preciso que as pessoas se convençam de que devemos agir 'pelo sentido do dever'
A sucessão de tragédias evitáveis que golpeou o Brasil nas últimas semanas criou um coro de cidadãos a exigir mais fiscalização. Não há dúvida de que a fiscalização é importante, fundamental em algumas áreas. Mas perdeu o juízo quem acha que basta pôr mais agentes nas ruas exigindo a obediência às normas técnicas para resolver nosso déficit de segurança.
O problema é de escala. A Vigilância Sanitária da cidade de São Paulo (Covisa), por exemplo, tem o encargo legal de fiscalizar mais de 200 mil estabelecimentos, em ramos de atividade tão distintos quanto restaurantes, lanchonetes, supermercados, hospitais, farmácias, consultórios, academias de ginástica, cabeleireiros, clínicas de estética etc. Não encontrei números recentes, mas, em 2010, quando da CPI da Covisa, o órgão dispunha de 772 fiscais e 12 veículos para cobrir isso tudo.
Até devemos contratar pessoal para melhorar a estrutura da Covisa e de outros órgãos municipais, estaduais e federais que se encontrem perto do colapso, mas, a menos que estejamos dispostos a nos tornar um país de rapas, é preciso aceitar que a fiscalização é só um ingrediente a mais numa rede maior de mandamentos legais, sanções e incentivos sociais pelos quais tentamos convencer os agentes a fazer a coisa certa. Nem sempre funciona, como pudemos constatar nas últimas semanas.
Para uma sociedade dar certo, é preciso que as pessoas se convençam de que devemos agir respeitando padrões de segurança não porque corremos o risco de ser multados —“de acordo com o dever”, se é lícito empregar o vocabulário kantiano—, mas “pelo sentido do dever”, isto é, porque essa é a posição racional a seguir, aquele que atende a nossos reais interesses.
Trocando em miúdos, se nos fiarmos apenas nos fiscais e não criarmos uma cultura de segurança de base mais orgânica, tragédias como a de Brumadinho e a do Ninho do Urubu vão se repetir.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
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