A varíola era doença assustadora. Os sintomas eram facilmente identificáveis, mas não se sabia como tratar o mal. Muitos morriam, mas os sobreviventes se tornavam imunes à doença. Restava apenas rezar.
Alguns passaram a inocular as crianças com o pus extraído dos doentes. Não era ainda a vacina, mas reduzia significativamente a mortalidade nos surtos da epidemia.
Dona Maria, rainha de Portugal, teve dois filhos, José e seu irmão mais moço, João. Reza a lenda que um médico propôs inocular os herdeiros. Dona Maria não concordou. Ela preferiu confiar na providência divina.
Jovem, dom João preocupou a todos ao exibir os sinais visíveis da varíola. Felizmente, ele se recuperou. Pouco depois, seu irmão mais velho, dom José, apresentou os mesmos sintomas. Dessa vez, a doença resultou em morte.
O fim dessa história é conhecido. Dona Maria tornou-se a rainha louca, obcecada com as punições do inferno. Alguns especulam o quanto a morte do primogênito teria contribuído para agravar seu sofrimento. Dom João 6º tornou-se rei de Portugal e do Brasil.
Muitos criticam a reforma da Previdência da mesma forma que dona Maria se recusou a proteger seus filhos.
Alguns defendem saídas mágicas, como a de que basta cobrar de quem está inadimplente. Esquecem-se de comentar que entre os devedores estão empresas falidas, como a Varig. Mesmo que, milagrosamente, a dívida acumulada por décadas fosse toda paga, o problema retornaria em um ano.
Outros ressaltam a menor expectativa de vida dos trabalhadores nas regiões mais pobres. Quase toda a diferença, porém, decorre da maior mortalidade de crianças e de jovens. As pessoas com 65 anos têm expectativa de vida semelhante em todos os estados do Brasil, morrendo, em média, com mais de 80 anos.
Há muito se sabe que as regras da Previdência são insustentáveis. A conta é fácil. Basta calcular quanto cada um contribuiu para a sua aposentadoria, incluindo a parte da empresa, e o quanto irá receber.
Além disso, essas regras privilegiam uns em detrimento dos demais. Os aposentados do Legislativo recebem, em média, R$ 28 mil, mais de 20 vezes o benefício médio do INSS.
Nossa Previdência consome 14% da renda nacional, acima do que gastam países com uma proporção três vezes maior de idosos, como o Japão. Com o envelhecimento da população, a conta para os nossos filhos será quase duas vezes maior.
O livro “Reforma da Previdência”, de Paulo Tafner e Pedro Nery, analisa cuidadosamente o tamanho do desafio e desmonta mitos, alguns tão desconexos da realidade que parecem obra da loucura. A retórica desvairada, porém, revela apenas o temor das corporações de perder seus privilégios.
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