Rolos dos Bolsonaros, salário mínimo e revolta da viúva podem sabotar reforma
O governo vaza pelos jornais que seu plano de reforma da Previdência vai dar em economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Suponha-se que essa conta esteja certa.
O governo de Michel Temer previa que sua reforma economizaria R$ 802 bilhões, tal como foi proposta em 2016 (atualizados alguns valores básicos). Em cinco meses de emendas e lipoaspiração no Congresso, a economia baixou a R$ 611 bilhões.
A reforma andava já mal das pernas quando Temer caiu no grampo de Joesley Batista, morreu politicamente e levou a Previdência consigo para a cripta.
A reforma de Bolsonaro também deve ser lipoaspirada pelo Congresso. Tanto mais será reduzida quanto mais mexer com temas sensíveis e quanto mais sensível estiver o governo a crises.
Antes de falar de política, alguns números de importância sociopolítica: a economia da reforma Temer chegaria a mais de R$ 1 trilhão caso o salário mínimo fosse reajustado apenas pela inflação (sem aumento real). Seria, pois, uma poupança adicional de R$ 200 bilhões —note-se a relevância do assunto.
Bolsonaro terá de definir até abril, no meio do debate da reforma, uma nova regra de reajuste para o salário mínimo. Na Previdência, terá de definir quais benefícios vão valer pelo menos um salário mínimo.
Isso tudo tende a dar rolo, assim como a tentativa de pagar menos de um mínimo para idosos e deficientes muito pobres, de mexer na Previdência rural e em pensões de viúvas e órfãos. Derrotas nessas frentes vão diminuir a economia da reforma em centenas de bilhões de reais.
Mexer com esses benefícios é problema até para governos de anjos que vestem Prada e habitam o universo da razão. Não é o caso dessa turma. A reforma corre mais risco devido aos problemas criados pelas chineladas políticas dos Bolsonaros, essa persona de várias cabeças e poucas razões que ocupa a Presidência. O pé de chinelo, como se viu em foto presidencial recente, é um símbolo deste governo, exibido com orgulho.
Uma crise que poderia ter sido apenas espuma se tornou mais um passivo no armário do governo. A chinelada dos Bolsonaros em Gustavo Bebianno será uma crise latente, que pode se desdobrar ou reaparecer em surtos, a depender de humores do ministro massacrado, de policiais, procuradores e parlamentares.
Por bons e maus motivos, presidentes conseguem se desvencilhar de crises em seus partidos, como foi o caso de FHC e Lula. Os Bolsonaros, porém, resolveram se enforcar em uma laranjeira do PSL e fazer mais um inimigo íntimo, Bebianno.
Além disso, a família que ocupa a Presidência tem no armário o caso de Flávio Bolsonaro, suas contas estranhas e sua familiaridade com milícias, o dormente caso do caixa dois de Onyx Lorenzoni e rolos de outros ministros menos cotados.
Qualquer começo de governo é enrolado, embora não necessariamente cheio de rolos. Os generais e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, tentaram conter os danos das chineladas bolsonarianas, entre eles o estrago nas reformas. Não rolou. Por quê?
Economia é um dos muitos temas de desinteresse de Bolsonaro, que fez apenas um casamento de conveniência com a frente ultraliberal comandada por Paulo Guedes. Políticas públicas e administração são uma aula chata que o presidente gostaria de cabular.
Na tarde de sexta-feira (15), ele estava feliz no recreio do parquinho ideológico, o Núcleo Chinelão ou Arquivos X de seu governo, alardeando com o aiatolá do MEC uma “Lava Jato da educação”.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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