Na semana em que se comemora o 15º aniversário do Facebook, resolvi empreender uma profunda reflexão sobre o 15º aniversário da minha ausência do Facebook.
Nesta década e meia eu não assinalei publicamente a minha mágoa pela morte do Prince, não exibi o meu excelente repúdio pela guerra na Síria e não dei a conhecer a minha opinião sobre a cor daquele vestido que podia ser dourado mas também podia ser azul.
Estou a viver à antiga, como se fosse 2003. Se um amigo faz anos, dou-lhe os parabéns com a boca, artesanalmente. Eu falo, os sons propagam-se no ar, e ele ouve. Tudo sem a intermediação de quaisquer bonecos amarelos. Em vez de 5.000 amigos, tenho uns 10. Às vezes discutimos, mas não em público, com desconhecidos a ver e a comentar a discussão. De vez em quando encontro pessoas que já não via há muito, mas é na rua. Cumprimento-as e depois retomamos as nossas vidas, cientes de que, se tínhamos perdido o contato, por alguma razão foi.
Só pelas perguntas bobas que faz, o Facebook denuncia a idade que tem. São dúvidas de criança: quem você seria se fosse uma pedra? E uma flor? E um animal? E uma figura do passado? Além da pergunta permanente, que não lhe sai da cabeça: em que você está pensando?
O Facebook ainda não tem idade para compreender que a condição fundamental para o bom funcionamento da vida em sociedade é nós não revelarmos uns aos outros aquilo em que estamos pensando.
Por não estar no Facebook, nunca tive de fazer diplomacia de likes: se puser um like nesta publicação irei indispor outras pessoas? Por outro lado, se não puser irei indispor esta?
Não sei quais são as dez melhores praias que tenho de conhecer antes de morrer. Nunca li o que Abraham Lincoln disse sobre os perigos da internet. Só comuniquei a um grupo muito reduzido de pessoas onde estava, com quem, e com que estado de espírito. Até porque em princípio estava em casa, sozinho e a sentir-me amorfo, como sempre.
Quando me indignei, que terão sido três vezes nos últimos 15 anos, fiquei irritado durante algum tempo e depois fui fazer outra coisa. Nunca fiz refresh para ver se o meu comentário tinha respostas ou likes. Mantive as fotografias das minhas férias dentro de álbuns que ninguém vê —nem mesmo eu— que é o lugar delas.
Vou tentar sobreviver outros 15 anos.
Ricardo Araújo Pereira
Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
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