Bianka Vieira
SÃO PAULO
Se estivesse na pele do ministro Paulo Guedes, o que faria Delfim Netto no caso de a reforma da Previdência não ser aprovada? "Que mal eu te fiz para você me desejar essa pergunta?", respondeu Delfim, provocando risos.
A hipótese foi cogitada por uma pessoa da plateia durante o debate “O Brasil vai voltar a crescer?”, que reuniu na manhã desta quarta-feira (20) os economistas Delfim Netto e Marcos Lisboa, ambos colunistas da Folha, no auditório do jornal em São Paulo.
Na avaliação deles, a reforma previdenciária é um passo fundamental para que o país estabeleça equilíbrio fiscal e previsibilidade, características propícias a um “espírito de crescimento”, capaz de atrair investimentos. Mas não basta ficar nisso.
“Ainda que a reforma seja absolutamente necessária, ela não é suficiente”, avalia Delfim, para quem são necessários ajustes no salário mínimo, na remuneração de funcionários públicos e no “manicômio fiscal” construído nos últimos anos. “A política tem que libertar a iniciativa e estimular a criatividade dos indivíduos”, disse.
Na mesma linha de pensamento, Marcos Lisboa comparou a reforma da Previdência a um paraquedas cuja função seria reduzir a velocidade de uma queda em meio a um sem-número de problemas fiscais. “Reforma da Previdência não vai resolver o problema dos estados, que é a folha de pagamentos. Ou vamos rever essa concepção que criamos de direitos adquiridos no Brasil ou não vai ter saída. Os estados estão com 80% dos seus gastos comprometidos com folha de pagamento, de ativos e inativos. E má notícia: os ativos estão envelhecendo e estão se aposentando”, afirmou.
Delfim Netto arriscou dizer que o problema maior do Brasil não está na economia, mas no mecanismo político para implementar soluções. “Nessa eleição, ele não se aperfeiçoou. A ideia de que você obedecendo as mídias sociais pode produzir um governo razoável me parece absolutamente falha. Há uma superestimação da facilidade com que serão resolvidos esses problemas.”
Ao ser questionado sobre as previsões para 2019, Lisboa destacou que, quaisquer que sejam as estratégias para o desenvolvimento econômico, não se pode esperar uma melhora expressiva de imediato. “Crescimento, para mim, acontece em dez anos. A gente pode ter um ano bom, mas está todo mundo revisando [as perspectivas] para baixo—e com razão. Havia um certo otimismo que eu não sei de onde saía."
Em sua avaliação, uma agenda para a recuperação do crescimento pede por mudanças na tributação, na abertura comercial e também por colaboração conjunta de diversos setores. "Tem que acabar com a distribuição de pequenos privilégios e benefícios em que cada grupo organizado da sociedade fala 'vamos fazer reforma, mas começa com os outros'. É preciso uma sociedade um pouco mais generosa na qual todos colaborem para superar os problemas."
Uma outra pergunta da plateia foi sobre a ausência de entidades empresariais, como a Fiesp e a Fiergs, na interlocução com o governo em prol do crescimento. O que justificaria o afastamento? “Deram muito conselho errado", respondeu Delfim.
Já para Marcos Lisboa, parte do problema do Brasil está justamente na excessiva abertura do governo ao setor privado. "Economia de mercado funciona bem quando tem concorrência, quando as empresas buscam ganhar mercado porque estão sendo mais produtivas, porque inovaram. Não é para conseguir um subsídio em Brasília. Nós criamos uma sociedade totalmente distorcida do 'olha, não consigo competir, então me dá uma proteção, impede a importação'. Não tem que ter favor."
Delfim emendou: "E quando alguma coisa está funcionando bem, o governo ou o Congresso não aguenta e vai lá criar regras".
A empresária Franca Maria Berra, 62, acompanhou o debate porque gosta da clareza de Delfim. Leitora da Folha há 40 anos, ela acha que o jornal está sendo crítico demais com o governo Bolsonaro. "O presidente está sendo muito perseguido, estão querendo atrapalhar o trabalho dele", disse.
O estudante de economia Miguel Lian, 18, foi ao evento interessado em ouvir Marcos Lisboa, colunista que acompanha assiduamente. "Eu gosto da Folha para introduzir alguns temas, para buscar o que não estou entendendo muito bem", afirmou.
O debate integra a programação de eventos nesta semana em comemoração dos 98 anos do jornal. Na quinta-feira, às 11h30, será a vez do debate "Ser mulher em tempos de #MeToo", com as colunistas Ilona Szabó e Manoela Miklos. O evento acontecerá no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar - Campos Elíseos). As inscrições podem ser feitas no site Folha Eventos.
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