Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista
22 Fevereiro 2019 | 03h30
Há momentos em que me questiono e passo a ter dúvidas quanto à minha capacidade de entender determinadas situações. A minha avaliação sobre o significado dessas situações, suas causas e consequências e as respectivas soluções a serem adotadas me parecem de uma clareza meridiana.
Essa minha avaliação, contudo, se põe na contramão da predominante na opinião pública, que, por sua vez, é reflexo de um discurso propagado pelas autoridades e por parte significativa da imprensa.
Claro que há os que pensam como eu. Porém constituímos a minoria. A análise global que fazemos dessas situações parece ser de uma obviedade ululante. No entanto, prepondera a opinião contrária.
É claro que a contrariedade ao meu pensamento põe em dúvida o seu acerto. Passo então, em nome da honestidade intelectual, a repensar, sopesar, comparar, ir a fundo, chego até a colocar-me do outro lado, ao lado dos contrários. Esforço-me para captar as razões opostas. Porém nada muda. Ao contrário, cristalizam-se as minhas ideias. Adquiro a certeza da correção daquilo que penso.
Bem, está na hora de dizer o porquê das minhas indagações e da declaração de acerto que fiz, talvez um pouco presunçosa, mas sincera e bem avaliada. Trata-se do angustiante problema da criminalidade, fenômeno de crescente intensidade e ao qual até hoje não se deu enfoque adequado e muito menos se encontraram caminhos apropriados para minimizar sua incidência e suas consequências.
Em primeiro lugar, e essa é a grande divergência, as vozes oficiais, que encontram eco na sociedade e em parte da imprensa, têm um único e exclusivo discurso voltado para os efeitos do crime, com desprezo absoluto pelas suas causas.
Deseja-se a prisão com obsessão, sendo ela sempre e sempre mais rigorosa. Havendo o encarceramento, parece que o crime possa existir. Que haja o crime, mas seguido da punição, ou melhor, acompanhado do castigo, da vingança, do sofrimento impingido nos termos da lei, sem a lei ou contra a lei.
Não se pensa e muito menos se age para evitar o delito.
Os apologistas da prisão como única resposta ao crime e de sua utilização sem critérios balizadores, com desprezo não só pela gravidade do delito, como por suas causas e pelas condições pessoais do criminoso, não se lembram de que o Brasil tem quase 800 mil presos. O que mais causa estupefação é a falta de percepção de que essas prisões em massa não diminuem os índices de criminalidade. Quanto mais se prende, mais o crime aumenta. Algo nessa equação está errado. O paradoxo não foi desvendado.
Eles também não percebem, ou fazem por não perceber, que a prisão não interfere na criminalidade. Não percebem que, ao contrário do que apregoam, com mais punição, com o endurecimento do sistema penal, com a sistemática imposição de dificuldades para o exercício do direito de defesa, estão operando contra os seus declarados propósitos de combater o crime.
Está na hora de cessar a ilusória pregação de que, ao adotar um desenfreado rigor penal, estão “combatendo o crime”.
Não, não estão. Prisão não é instrumento de combate ao crime. Não se impede o crime com o encarceramento. Quando se prende, se retira das ruas o acusado, mas não o crime. Este permanece porque as suas causas não foram removidas.
A prisão é realizada após a consumação do crime. Ela, pois, não evita a sua efetivação.
Não se está pregando a impunidade. Mas não se pode continuar a insistir em algo que, mais do que ilusório, é falacioso: atribuir à sanção penal o efeito de evitar o crime.
É preciso, é imprescindível, é impostergável que se enfrentem as causas do crime. É óbvio que a hora é esta. Tardia hora, dirão, mas sempre é hora.
O erroneamente chamado pacote anticrime deveria ser denominado pacote pró-punição. O seu escopo não é causar impacto nos índices de criminalidade. Uma vez aprovado, vai, sim, aumentar o número de encarcerados.
Aliás, encarcerados que um dia sairão das prisões. Como estas não oferecem condições mínimas de ressocialização, claro que deixarão o cárcere com uma carga criminógena bem mais elevada do que aquela que portavam quando lá entraram. Não existe nenhuma preocupação em preparar o preso para o regresso à vida social. Aliás, o Estado investe no encarceramento, construindo novos presídios, não investe na liberdade. Parece que sua missão dentro do sistema prisional se exaure com a prisão. A sociedade se satisfaz porque o castigo foi aplicado.
Não vou, neste espaço generosamente cedido pelo jornal O Estado de S. Paulo, discutir o projeto. Ele está sendo analisado por entidades de classe dos advogados e de outras categorias profissionais.
Quero apenas reiterar que as minhas eventuais dúvidas foram dissipadas. Estou absolutamente convicto de que se está trilhando um caminho desviante quanto ao fenômeno criminal. Não se está combatendo o crime. Ele não está sendo evitado. Limita-se a punir cada vez mais, e só.
É preciso ainda ter presente que, por ser o crime um fenômeno social, potencialmente qualquer um de nós poderá vir a cometê-lo. Em verdade, ninguém poderá afirmar que jamais cometerá um delito. E mais, não se está isento de uma acusação infundada ou mesmo mais grave do que a real responsabilidade do agente. Inocentes também são processados, autores de delitos de pequena gravidade igualmente o são, injustiças acontecem, até como decorrência da falibilidade humana. Assim, é preciso ter em mente que as cadeias não abrigam apenas facínoras e corruptos, nós também poderemos ser lançados na vala comum das prisões.
Evitar o crime, é óbvio, atende integralmente aos interesses sociais. Já a punição é uma prática que contém riscos para o punido e para a própria sociedade como um todo.
*ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA É ADVOGADO CRIMINALISTA
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