Miguel de Almeida
A chegada de John Kennedy à Presidência dos Estados Unidos, em 1961, jogou luzes sobre vários novos intelectuais —a começar por Gore Vidal e seu “sparring”, Norman Mailer. Em geral, é assim que funciona: dentro do grupo político se destacam alguns pensadores. Ronald Reagan, em 1980, aumentou a potência de alcance do fero conservador William Buckley. No Brasil de JK, em 1956, houve a consagração de Celso Furtado e Helio Jaguaribe. Sob o derradeiro governo militar, apesar do chefe, vale dizer, brilhou José Guilherme Merquior. Na bagagem de FHC, em 1994, havia o filósofo José Arthur Giannotti.
Em 2019, com a assunção de Jair Bolsonaro, em seu alforje vieram os intelectuais anônimos do Facebook, além do horoscopista Olavo de Carvalho e de pensadores como Ricardo Vélez e Ernesto Araújo. Para não ser acusado de misógino pela turma do #Metoo, poderia incluir Damares Alves, porém, ela ainda não ostenta uma obra com H maiúsculo.
Não se julga um governo apenas por seus atos (ou ausência deles). Muito do que ele provoca também integra seu corpo. A redemocratização de 1945 resultou no otimismo da bossa nova e na renovação do teatro brasileiro, ambos na década de 1950. Ou na glória suprema de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, de 1956.
O Brasil do PT, de longos 13 anos, teve uma partida inicial com galeria lindamente ilustrada por Aziz Ab’Saber e Paulo Freire, entre outros. Ao final e ao cabo, sobrou Gleisi Hoffmann e José de Abreu. Valha-me, Deus.
A pauta conservadora da atual gestão se equipara a uma missão evangelizadora, à semelhança da Companhia de Jesus. Como no Brasil Colonial, quando os jesuítas buscavam converter os gentios em cristãos e escravos, os intelectuais de turno orientam seus rebanhos sob a convicção pia de que suas ideias indicam o caminho ao paraíso —depois do dízimo.
A coligação “posts do Facebook e pastores” avança sobre os hábitos contemporâneos com uma sanha capaz de envergonhar os milicos de 64. Por certo o mundo andou muito rápido. Na década de 1970, discutia-se a chegada do divórcio ao Brasil (sob forte oposição da Igreja Católica). Hoje, fala-se da adoção de crianças por casais homossexuais com papel passado em cartório (duas vias autenticadas com testemunhas…).
A nova malta intelectual põe em cena apenas o passado, ou a reinvenção do lampião. É creditado ao marxismo cultural a destruição da família. Até o papa Chico está em outra. E quem fala em fim da família, como o presidente Bolsonaro, encontra-se em seu segundo casamento (ao contrário de Haddad) e já se gabou de suas peripécias para “comer gente”, entre seus casamentos. Sexo não seria só para reprodução? Magoou.
Os posts ou lives dos novos intelectuais lutam por restaurar um mundo já em desuso. A retórica contra o comunismo escande oportunismo. Nunca antes neste país os bancos ganharam tanto como à época do petismo.
A malta bolsonarista necessita ressuscitar os fantasmas do passado (mortos por própria incompetência) para buscar sobrevida. É como Trump, o ídolo deles: luta para construir o muro, só que sobre o muro continuarão passando os “bites” e "bytes" —estes, sim, inexoráveis e sediciosos.
Miguel de Almeida
Escritor e diretor dos documentários "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos" e "Tunga, o Esquecimento das Paixões"
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