quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Atraso na política existe na direita e na esquerda, afirma colunista Elio Gaspari, FSP

Leonardo Neiva
SÃO PAULO
​​Atraso pode ser de direita ou de esquerda. Conservadorismo não é sinônimo de atraso. O que é considerado atraso hoje pode mudar com o passar dos anos.
Essas foram algumas das conclusões do debate “Conservadorismo ou atraso?”, que reuniu na manhã desta terça-feira (19) os colunistas da Folha Elio Gaspari e Mônica Bergamo, no auditório do jornal.
O atraso na política existe tanto em governos de direita quanto nos de esquerda, disse Gaspari. O jornalista ponderou ainda que a análise de que uma decisão ou projeto é atrasado pode mudar com o passar do tempo.
Uma amostra inequívoca de atraso hoje são as milícias no Brasil, citou. “Na hora em que Bolsonaro e o governador do Rio de Janeiro se misturam com elas, é atraso puro. Sabe-se que milícias tomam dinheiro dos comerciantes, vendem gato, cobram bujão de gás. É como defender o tráfico negreiro no século 19.”
O FGTS, que entrou em vigor em 1967, por sua vez, seria um exemplo de projeto que se mostrou um avanço com o tempo. "O Fundo de Garantia era considerado um atraso porque acabava com a estabilidade. Após dez anos de trabalho, o empregado não podia ser mandado embora. Hoje, quem nesta sala trocaria o FGTS pela estabilidade? Levando em conta que, quando a pessoa garantia estabilidade, o patrão colocava ela para trabalhar de madrugada para ver se ia embora. Hoje não tenho dúvida de que era avanço", afirmou Gaspari.
Para Bergamo, o atraso ocorre em reação a avanços já conquistados pela sociedade, principalmente no terreno dos costumes. O conservadorismo, por outro lado, caracteriza uma visão liberal na economia, mas pode ser mais aberto quando se trata de comportamento.
O projeto Escola Sem Partido configura atraso, segundo a colunista, pois altera algo que já está consolidado, colocando professores sob constante vigilância pelos próprios alunos e criando um clima insuportável nas salas de aula.
“Pautas como essa, de costumes, podem atrapalhar a tramitação da reforma da Previdência, considerada prioritária. Além disso, o Escola Sem Partido tem muito pouca aderência na sociedade. Uma pesquisa Datafolha recente mostrou que mais de 70% da população é favorável à discussão de política nas escolas”, afirmou Bergamo.
Um obstáculo para definir o atual governo, de acordo com Gaspari, é a dificuldade de entender seu personagem central: o presidente Jair Bolsonaro. O articulista afirmou não ter ideia de quem é Bolsonaro, que no passado já declarou ser favorável ao fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso, numa época em que, segundo o colunista, ele parecia expressar o que realmente pensava.
Gaspari apontou a inconsistência de posicionamentos do presidente sobre a reforma da Previdência, tendo recentemente declarado como idades mínimas 62 anos para mulheres e 65 para homens, sendo que havia defendido mínimo de 57 para mulheres e 62 anos para homens.
“O próprio Bebianno [ex-ministro da Secretaria-Geral, exonerado na segunda-feira (18) após a crise dos laranjas] achava que existia um Bolsonaro, agora viu que não tem. Não se sabe muito bem quem é o presidente, talvez nem ele mesmo saiba”, declarou.
De acordo com Bergamo, porém, não se pode dizer que os eleitores do atual presidente são apenas aqueles que defendem pautas caracterizadas pelo atraso. Sua base eleitoral abrange uma parcela muito maior da população. “Há um pouco de atraso sim, mas também muito de conservadores liberais e até progressistas em busca de mudanças, além de franjas do próprio lulismo no Nordeste”, completou a colunista.
Respondendo a uma pessoa da plateia que afirmou que a imprensa brasileira trava uma “guerra santa” contra o presidente, os dois colunistas discordaram da colocação. Ambos dizem que não há muita diferença em relação às críticas a governos feitas no início de gestões anteriores.
“O que vejo, na verdade, é uma adesão explícita ao governo por alguns veículos, como a Record. Há uma parte da imprensa bastante amigável ao presidente”, disse Bergamo.
Presente no debate, o advogado Paulo Sérgio Coelho, 27, disse ter ido com a expectativa de que discutisse o governo Bolsonaro e a crise dos laranjas do PSL.
“Os grandes casos do país, como a entrevista do mensalão, agora o caso dos laranjas, o aeroporto do Aécio, foram todos revelados pela Folha. O jornal segue bem o que o Millôr Fernandes falava: 'imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados'”, disse Coelho.
A estudante de jornalismo Laís Marques, 19, que também acompanhou o debate, afirmou que a conversa ajudou a enriquecer sua visão sobre política e conservadorismo.“Sempre li a Mônica Bergamo, o Elio Gaspari e a Daniela Lima [mediadora do debate]. Concordei muito com eles. O Elio Gaspari é demais, conhecê-lo pessoalmente foi incrível. É a primeira vez que estou pisando na Folha, estou até emocionada.”
O debate integra a programação de eventos nesta semana em comemoração dos 98 anos do jornal. Na quarta-feira, às 11h30, será a vez do debate "O Brasil voltará a crescer?", com os colunistas Delfim Netto e Marcos Lisboa, com mediação da editora de Mercado, Alexa Salomão. O evento acontecerá no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar - Campos Elíseos). As inscrições podem ser feitas no site Folha Eventos. ​

Nenhum comentário: