sábado, 23 de fevereiro de 2019

'Guerrilha virtual' a favor de Janaina confronta veteranos da Assembleia de SP, FSP

José MarquesJoelmir Tavares
SÃO PAULO
No celular do deputado estadual Wellington Moura (PRB) saltou uma notificação de mensagem de um grupo de apoiadores da candidatura de Janaina Paschoal (PSL) à Presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo: "Escrotão, deve mamar muito".
O deputado viu que a fala era sobre ele. Aliado do atual presidente da Casa e candidato à reeleição Cauê Macris (PSDB), Moura havia sido adicionado a um grupo de WhatsApp que fazia pressão pró-Janaina. 
"Um babaca de cueca. Palhaço", disse outro membro do grupo. "Vamos encher o celular dele de mensagem."
A pressão de militantes na internet —nas redes sociais e por email— para que Janaina comande a Assembleia tem irritado deputados que anunciaram voto em Macris no início da nova legislatura, que se inicia em 15 de março. Na ocasião, mais da metade da atual composição da Alesp será renovada.
Eleita com 2 milhões de votos, recorde histórico entre os deputados do país, Janaina se lançou à Presidência com um discurso de quebra de antigas práticas da Casa, como o acordo entre os adversários PT e PSDB para a distribuição de cargos na mesa diretora. 
Por enquanto, só tem o apoio explícito dos 15 eleitos pelo PSL (de um total de 94 deputados estaduais), incluindo ela própria, e de Arthur Mamãe Falei (DEM).
Janaina conta, no entanto, com o apoio de sua rede de seguidores que fazem postagens diárias nas redes sociais. Professora de direito penal na USP, ela ficou conhecida nacionalmente após ter protocolado o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT).
Já Macris, seu principal opositor na Assembleia, representa o governo João Doria (PSDB) e tem se unido às principais forças políticas da Casa para se manter como presidente. Ao seu lado, além do PSDB, estão diversas legendas, entre elas o PT e ao menos parte do PSB de Márcio França.
Nesta sexta (22), Janaina provocou Cauê em sua conta no Twitter. Convidou-o para um debate e disse que ele poderia indicar dia, horário, local e mediador. "Eu só peço que seja veiculado pela TV Alesp e que ele autorize transmitir por meio de lives."
Na eleição da Alesp, ainda corre por fora Daniel José (Novo) —o PSOL também definirá um candidato próprio.
Na segunda-feira (18), quando Janaina lançou a sua candidatura, começaram as mensagens pressionando os deputados. Em um grupo de WhatsApp chamado "Alesp hoje às 17:00" foram divulgadas listas com os números de telefones dos parlamentares, que foram adicionados à conversa. Os que visualizavam as mensagens e não respondiam eram cobrados por um posicionamento.
Wellington Moura e todos os outros deputados também receberam emails com pedidos de votos na deputada eleita. Ele respondeu, copiando todos os destinatários, que irá votar em Macris.
"Se eles querem guerra, vão ter guerra", afirma Moura. "Eles nos adicionam nos grupos, a gente sai, e eles adicionam de volta. Hoje é isso, amanhã é o telefone da sua esposa, depois o da sua casa, depois vão à escola dos seus filhos. É isso o que o PSL quer mostrar para o povo?", questiona.
Veteranos da Assembleia paulista que se dizem revoltados com o modo de agir da militância virtual também fizeram críticas públicas na última quarta (20). No plenário, Campos Machado (PTB), deputado desde 1987, criticou o que chamou de "vagabundos" que atacavam os parlamentares.
Machado citou, sem nomear, deputados eleitos. "Tem gente que vai assumir esta Casa e que diz nos lives: 'quer conhecer um vagabundo? Vá até a Assembleia'. Vagabundo é quem disse isso. Desacreditado é quem disse isso. Marginal é quem disse isso", afirmou.
Barros Munhoz (PSB), que teve idas e vindas na Alesp desde 1987, também criticou a militância do PSL, cujos métodos classifica de antidemocráticos. 
"Todo mundo respeita a Janaina, dialoguei muito com ela, tenho estima e consideração, mas não é sendo só presidente que a pessoa cumpre o seu mandato", diz Munhoz.
Ele compara a situação da Assembleia à do Congresso, cujas duas Casas, Câmara e Senado, são presididas pelo DEM. "O próprio líder do governo no Senado vai ser o Fernando Bezerra, do MDB", afirma.
O deputado estadual Barros Munhoz (PSB-SP) - Alesp
Reservadamente, outros deputados de diferentes partidos têm relatado incômodo com a ofensiva virtual.
Reclamam principalmente da exposição do número do celular pessoal e da inclusão, sem consulta prévia, em grupos de WhatsApp.
Já a campanha por email tem sido vista como algo mais corriqueiro, já que os endereços eletrônicos são públicos.
O PSL diz que a iniciativa é da militância, que não está incentivando as ações e que não compartilhou com apoiadores contatos dos parlamentares.
"Eu não tenho participação nessa campanha", disse Janaina. "Tenho até pedido para as pessoas não irem à Assembleia no dia 15. Tem gente querendo vir de outros estados."
"Do interior, falaram até em carreata. Eu tenho desestimulado, pois tenho muita preocupação com tumulto", acrescentou.
Líder da bancada do partido, o deputado eleito Gil Diniz afirma desconhecer a fonte dos dados dos parlamentares. "Não sei a origem. Os militantes podem conseguir isso dentro da própria Assembleia."
Para Gil, a reação à ofensiva virtual indica um estranhamento dos deputados antigos à chegada de novas forças. "É um choque de gerações."

'EFEITO DAVI'

Apoiadores da candidatura de Janaina têm apostado que pode se repetir na disputa pela Presidência da Assembleia o que ocorreu na disputa para o comando do Senado. 
Em Brasília, a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi vista como um reflexo da atuação das redes sociais. Usuários fizeram intensa campanha contra Renan Calheiros (MDB-AL), que acabou retirando o nome.
Em São Paulo, a pressão contra a candidatura de Cauê Macris e a favor da de Janaina teria como objetivo replicar a competição entre velha e nova política.
Outra ala de parlamentares, no entanto, demonstra ceticismo diante da possível repetição. 
Eles dizem que o porte da disputa em São Paulo é bem menor, que os parlamentares estaduais são menos sensíveis às cobranças das redes e que é exagerado comparar Renan, alvo de uma série de investigações e processos, a Cauê.

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