O Supremo é um poder analógico num mundo digital. São tantas as regras e costumes internos que o tribunal parece encapsulado num tempo remoto.
O ministro novato não pode ultrapassar os demais a caminho do plenário —ele é o bucha de canhão, o último da fila. Nas sessões plenárias, o lugar é marcado. Quanto mais antigo no tribunal, mais o ministro se senta perto da cadeira da presidência. Por muito tempo, no intervalo dos julgamentos, na hora do café, uma mesa retangular era especialmente diagramada para acomodar os ministros em função de sua antiguidade. Rituais, capas pretas, contribuem para reforçar o poder simbólico do tribunal. Mas esses insumos de poder não são mais suficientes para impor sua autoridade num mundo tuiteiro.
Em dezembro último, o MBL projetou em laser na fachada envidraçada do tribunal na Praça dos Três Poderes a mensagem: “Vergonha, STF”. Na sessão para escolha do novo presidente do Senado, senadores justificaram a pressão das redes sociais para fazer letra morta da decisão do presidente Dias Toffoli, que determinara (sim, sozinho!) que a votação transcorresse secretamente.
O STF está sob ataque. Até agora era vítima de uma saraivada de 170 toques, memes e postagens. Como se o inimigo fosse um Pac Man inofensivo no mundo real. Isso mudou. O STF abriu várias frentes nos últimos anos. Algumas são desdobramentos da própria maturidade institucional do tribunal, que, em sintonia com uma maré mundial, viu seus poderes expandidos, criando arestas com o Legislativo e Executivo. Outras zonas de conflito decorrem de uma direção errada tomada pelo STF. Excesso de decisões individuais em casos relevantes, falta de respeito aos precedentes e vontade de legislar catalisaram as reações.
Diante do avanço das falanges tuiteiras, de parlamentares movidos pelo desejo de retomar do Judiciário a agenda de costumes, de indiretas da primeira-família, da ameaça de uma CPI, de uma revisão da idade de aposentadoria proposta por aliados do Planalto (que mandaria mais cedo para casa vários ministros), o STF precisa dar uma resposta analógica a todos.
Reação analógica significa (a exemplo do sinal eletrônico) transmitir uma mensagem contínua, linear e estável no tempo. Reagirá com menos velocidade aos instantâneos inputs sociais. Mas com o fluir dos anos uma direção clara estará estabelecida.
Nessa tarefa, um presidente do Supremo deve distribuir o peso da institucionalidade do tribunal para contribuir para o equilíbrio geral da sociedade. Não deve levá-lo para os extremos, sob pena de o sistema todo cambar. Moderação, no entanto, não é uma panaceia nem deve se confundir com submissão.
Para se blindar contra ataques, o STF deve se anabolizar de institucionalidade, passando a agir como um grupo coeso, mais transparente, com respeito aos precedentes, sem casuísmos. Muitas decisões serão contrárias às redes. Mas serão aceitas se os atores políticos entenderem que essas são apólices, seguros de vida, para quando uma nova troca de poder ocorrer em Brasília. Essa geração de parlamentares tuiteiros e facebuqueiros será um dia substituída por uma nova safra de políticos com novos aplicativos e seguidores.
Oferecer o STF a pactos com os demais Poderes não garantirá a autoridade legitimidade do tribunal ou o tornará imune a ataques. O resultado de um pacto sem reformas internas, sem uma autorreflexão, pode ser tão somente uma paz de Chamberlain – temporária e antessala para um ataque devastador. Ao voltar da Alemanha, onde celebrara um acordo com Hitler, em 1938, o então primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain ouviu de Churchill: “Entre a desonra e a guerra, escolheu a desonra. E terá a guerra”.
Luiz Weber
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.
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