Grupo que relembra dom Paulo Evaristo Arns tem 5 ex-ministros de FHC e 1 de Lula
Anna Virginia Balloussier
SÃO PAULO
Vinte intelectuais com quilometragem na área dos direitos humanos se uniram para servir como rede de proteção numa época, para eles, de “graves violações” a minorias como indígenas, negros, LGBTQs e mulheres.
Eles pretendem oferecer sua expertise numa luta para a qual dedicaram décadas de suas vidas. Pois mais do que nunca é hora de agirem para garantir que nenhuma minoria seja deixada para trás, afirmam os membros da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos dom Paulo Evaristo Arns —ou só Comissão Arns.
São cinco ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso (José Carlos Dias, José Gregori, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Paulo Sérgio Pinheiro e a colunista da Folha Claudia Costin) e um da era Lula (Paulo Vannuchi) no projeto, que será lançado na quarta-feira (20), na Faculdade de Direito da USP.
O núcleo não à toa leva o nome do arcebispo que criou em 1972 a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, que acolheu perseguidos pelo regime militar.
A repórter especial da Folha Ana Estela de Sousa Pinto (esq.), Maria Beatriz Bonna Nogueira, Prudence Kalambay Libonza e Camila Lissa Asano durante o seminário "70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos", realizado na segunda-feira (26), no auditório da Folha, em São Paulo /Reinaldo Canato/Folhapress
Três anos depois, em mais um ato visto como afrontoso à ditadura, Arns (1921-2016) conduziu ao lado do reverendo James Wright e do rabino Henry Sobel um ato ecumênico para Vladimir Herzog —jornalista que o governo dizia ter se suicidado na cela, versão que os religiosos não compraram.
A presidência da Comissão Arns é de Paulo Sérgio Pinheiro, 75, ex-secretário de Direitos Humanos de FHC e membro da Comissão Nacional da Verdade, instalada em 2011 pela ex-guerrilheira e ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para trazer à luz crimes praticados durante a ditadura.
“A comunidade de ativistas dos direitos humanos de certa maneira se dividiu após o impeachment da Dilma. Diante desse desafio, era muito importante refazer essa unidade”, afirma Pinheiro.
Por desafio entenda a eleição de Jair Bolsonaro, alguém que, para ele, em um mês de governo já deu sinais de retrocesso nesse campo.
Um exemplo, diz Pinheiro, foi a limitação da Lei de Acesso à Informação, com data de nascimento gêmea à da Comissão da Verdade: 18 de novembro de 2011.
A cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, 72, vê um “papel pedagógico” na comissão. É preciso bater na tecla de que “direitos humanos são para todos os humanos, coisa que uma parcela da sociedade tem dificuldade em assimilar”, afirma ela.
Para Maria Hermínia, ela e os outros integrantes têm “tradição de luta pela democracia”, e daí vem “uma certa força moral” para “dialogar toda vez que identificarmos um problema na área dos direitos civis”.
A pasta de Direitos Humanos estar a cargo da pastora Damares Alves é um ponto que a preocupa. Para a professora —e aqui ela diz falar por si, e não em nome da comissão—, fica “a impressão, pelas declarações [da ministra], que existe uma percepção muito limitada do que seja o rol dos direitos assegurados pela Constituição de 1988”.
Não passa batido aos fundadores da Comissão Arns que falar em direitos humanos, hoje, pode desagradar um quinhão da sociedade que enquadra o tema à esquerda.
Professor emérito da USP, Fábio Konder Comparato afirma que “a caracterização dessa nossa iniciativa como ‘agenda esquerdista’ teve o evidente objetivo de desmoralizá-la como manobra política”.
Para o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, que foi secretário de Segurança do governo de Orestes Quércia (PMDB) nos anos 1990, “a sociedade brasileira, infelizmente, está mostrando às claras a sua face autoritária, discriminatória e intolerante. A sua noção de democracia é seletiva. Liberdade de opinião apenas para quem pense igual a ela”.
O diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Oscar Vilhena, diz que a Comissão Arns, “formada por algumas personalidades que adquiriram enorme autoridade moral”, quer amparar “os próprios grupos que monitoram e denunciam as violações e que poderão ser atacados”.
A ideia é trabalhar em rede com organizações sociais e pessoas que, quando detectarem algum direito violado, tenham suporte para fazer a denúncia pública e encaminhá-las a órgãos do Judiciário e organismos internacionais, além de promover ações com a classe política e a sociedade.
Diz Vilhena: “O regime que se contrapõe aos diretos humanos é normalmente totalitário, de esquerda ou de direita. A ideia de que os direitos humanos devem ser reservados aos humanos direitos não faz nenhum sentido. Quem fala isso está na verdade buscando encobrir uma tentação autoritária de poder definir que religiões poderão ser professadas, que discursos poderão ser feitos, quem merecerá ser devidamente julgado”.
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