Juliana Diógenes, O Estado de S.Paulo
14 Fevereiro 2019 | 09h22
Atualizado 14 Fevereiro 2019 | 12h18
Atualizado 14 Fevereiro 2019 | 12h18
A Justiça de São Paulo pediu suspensão imediata do aumento da tarifa de ônibus na capital paulista. A decisão em caráter liminar expedida na noite desta quarta-feira, 13, atende a uma ação civil pública da Defensoria Pública do Estado.
A gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) informou que até 11h30 desta quinta não havia sido notificada. E que recebeu "com perplexidade" a notícia pela imprensa. Após ser intimada, a administração municipal precisará cumprir a decisão e reduzir o valor para R$ 4, o que pode acontecer ainda nesta quinta-feira, 14.
A tarifa praticada hoje na capital paulista é de R$ 4,30. O aumento de R$ 0,30 - ou 7,5% - começou a valer em 7 de janeiro e ficou acima da inflação acumulada desde o último aumento, em 7 de janeiro do ano passado. Com o reajuste, a integração passou a custar R$ 0,52 a mais, saindo de R$ 6,96 para R$ 7,21.
A decisão da juíza Carolina Martins Clemêncio Duprat Cardoso, da 11ª Vara da Fazenda Pública, tem caráter de mandado e foi concedida em primeira instância.
"Defiro liminar tão somente para determinar a imediata suspensão dos efeitos da Portaria SMT 189/2018, restabelecendo as tarifas anteriormente vigentes, atendendo-se, assim, o artigo 21 do Decreto-lei 4.657/42". A Prefeitura de São Paulo tem o prazo de 10 dias para apresentação de documentos solicitada pela juíza.
A tarifa cai imediatamante?
Na prática, após ser intimada, a Prefeitura é obrigada a cumprir a decisão e reduzir a tarifa para o índice anterior: R$ 4. Após baixar o valor, espera-se que a administração municipal recorra apresentando um agravo de instrumento, que será julgado em segunda instância. Um desembargador vai confirmar ou derrubar a liminar concedida pela juíza Carolina Cardoso.
Se o desembargador estiver de acordo com a decisão dela, continua valendo o valor de R$ 4 até o fim do processo. Porém, caso haja acolhimento do recurso da Prefeitura, cai a liminar automaticamente e, com ela, a tarifa voltará a ser de R$ 4,30 novamente até que o processo termine.
O que diz a Justiça?
A magistrada argumenta que "não há parâmetro legal ou contratual para o reajuste". "Como o Município não demonstrou haver embasamento contratual para o reajuste atacado, nesta fase inicial conclui-se não haver respaldo fático ou legal para se determinar os reajustes de tarifa", diz Carolina.
Ela entendeu ainda que não houve acesso prévio do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT) à edição da portaria dos estudos técnicos que embasaram o reajuste. "Referidos estudos foram publicados no Diário Oficial no mesmo dia em que a portaria objeto da lide, o que corrobora a falta de publicidade e de atendimento da norma que impôs a participação popular em se tratando de política de mobilidade urbana. Ausente, assim, requisito procedimental de validade da edição da portaria", afirma.
'Perplexidade'
Em nota divulgada às 11h30, a Prefeitura de São Paulo informou que ainda não foi notificada e que recebeu "com perplexidade" a notícia do aumento pela imprensa.
"A decisão, se mantida, obrigaria o aumento do subsídio concedido às empresas de ônibus com recursos da população da cidade. Não ajustar as tarifas de ônibus levaria a Prefeitura a retirar R$ 576 milhões da Saúde, Educação, Zeladoria e de outros serviços essenciais ao cidadão - ou mesmo a suspensão da circulação dos ônibus na cidade por até 25 dias neste ano. A decisão, por seu enorme impacto orçamentário e financeiro, desarruma severamente o planejamento orçamentário da municipalidade e trará incalculáveis prejuízos ao povo de São Paulo", diz a administração do prefeito Bruno Covas (PSDB).
Argumentos da Defensoria
O contrato de concessão para empresas de ônibus que teve início em 2003 terminou seis anos atrás, em 2013. Desde então, estava prevista a renovação do serviço na forma de aditivos. A Prefeitura realizou cinco aditivos nesse período para garantir a circulação dos coletivos na cidade.
No ano passado, porém, esgotaram-se as possibilidades de renovação por aditivo. Com isos, em julho de 2018, a Prefeitura renovou o serviço de ônibus na capital com um contrato emergencial, questionado pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).
A Defensoria apresentou dois argumentos, ambos acolhidos na decisão. O primeiro deles é a falta de embasamento contratual para o reajuste. Isso porque, segundo a defensora, o contrato emergencial assinado por Covas não autoriza aumento de tarifa sem que haja "fato excepcionalíssimo".
Autora da ação civil pública, a defensora e coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da instituição, Estela Waksberg Guerrini, diz que a Prefeitura violou lei federal e decreto municipal. "Há uma ineficiência da Prefeitura em conseguir concluir esses editais e fazer um novo contrato de concessão. Não há embasamento legal e jurídico para fazer esse reajuste enquanto não terminar a licitação e for feito um contrato novo", diz.
"É importante ter claro esse cenário de que desde 2013 não teve novo contrato de concessão ainda vigente. Isso gera custo gigantesco para a população paulistana, calculado pelo TCM em R$ 30 bilhões de prejuízo para a cidade desde então", afirma Estela.
O segundo argumento da Defensoria e aceito pela Justiça foi de que não houve participação popular no processo de discussão do reajuste. A defensora lembra que um decreto municipal prevê a obrigatoriedade de participação do CMTT em qualquer discussão sobre aumento de tarifa, "o que não aconteceu", diz ela.
Além disso, a Política Nacional de Mobilidade Urbana prevê que discussões sobre mobilidade e transporte devem ser feitas envolvendo audiência pública e consulta pública, o que, segundo a Defensoria, também não ocorreu.
Contratos emergenciais
A decisão lembra que o transporte público municipal opera com base em contratos emergenciais desde 2013. A prática de dispensa de licitação, no entanto, "se justifica em situações de flagrante execepcionalidade, tais como guerras, perturbações da ordem, calamidade pública, ou ainda em situações de emergência", conforme a Lei de Licitações.
Dessa forma, no entendimento da juíza, "não há margem legítima para que se admitam reajustes dentro do prazo dos respectivos contratos emergenciais, sem motivação suficiente a justificar a ocorrência de situação excepcionalíssima".
Para Carolina, não foi o que ocorreu no reajuste da tarifa em 2019. "Não se nega a possibilidade, em tese, de revisão de tarifas estipuladas em contratos emergenciais. Em tais situações mais que excepcionalíssimas, como requisito de validade do ato, a motivação há de ser ampla a ponto de justificar a necessidae do reajuste, caracterizando a ocorrência de fato imprevisível e superveniente à contratação que tenha impactado diretamente o custo do serviço, o que não ocorreu no caso concreto, uma vez que a portaria em questão, de dezembro de 2018, não traz qualquer motivação a embasar a necessidade de reajuste dos valores que foram objeto de contratação poucos meses antes (julho de 2018)".
Acima da inflação
O aumento, de 7,5%, ficou acima da inflação acumulada desde o último aumento, em 7 de janeiro de 2018. Corrigida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a correção teria de ser para R$ 4,15, segundo as projeções de inflação consolidadas neste ano feitas pelo Banco Central, de 3,6%.
Em 2016, a tarifa subiu de R$ 3,50 para R$ 3,80. Em 2017, ela não subiu porque isso havia sido uma promessa de campanha do então prefeito João Doria (PSDB).
A decisão da juíza, porém, não considerou o argumento de que a tarifa foi reajustada com índice superior à inflação. "Não serão objeto de análise os argumentos de ordem puramente econômica, atinentes ao acerto ou aumento abusivo de tarifas em decorrência dos percentuais adotados pela Portaria SMT 189, em comparação com a inflação do período. Importa analisar, de fato, se houve motivação suficiente no ato administrativo que os previu, em cotejo com a peculiar natureza jurídica dos contratos emergenciais", justifica Carolina.
Novos valores
Além do reajuste da tarifa, a Prefeitura deixou de complementar ainda os valores pagos por empresas para o vale-transporte. "O vale-transporte para as empresas deixará de ser subsidiado pelos impostos municipais pagos pela população. O valor a ser pago pelo empregador passará a ser de R$ 4,57. O fim do subsídio alcança apenas as empresas. Para o trabalhador, o desconto de 6% em folha, conforme define a Legislação Trabalhista, não sofrerá alteração", afirma a administração municipal.
O bilhete único da SPTrans dá direito a até três viagens de ônibus da capital paulista em um intervalo de três horas. Com o reajuste em 7 de janeiro, o estudante que paga meia tarifa passou a arcar com R$ 2,15 por viagem de ônibus. O bilhete único mensal foi reajustado de R$ 194,30 para R$ 208,90 e o bilhete único diário (válido por 24 horas) foi de R$ 15,30 para R$ 16,40.
Faturamento das empresas de ônibus
Conforme o Estado informou, a Prefeitura de São Paulo mudou regras que fizeram o faturamento de empresas de ônibus subir até 27%. Enquanto gastos com subsídios e tarifa crescem, SPTrans altera cálculos de remuneração para consórcios e ex-perueiros passam a ganhar mais em 2018.
No ano em que a Prefeitura de São Paulo bateu recorde em subsídios para ônibus, R$ 3,1 bilhões, um grupo de cinco consórcios do setor aumentou seu faturamento em níveis ao menos quatro vezes maiores do que a inflação. Todos são de antigas cooperativas de perueiros, a maioria da zona sul, que foram contratadas sem licitação. Uma delas, a Transwolff, é ligada ao ex-presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (DEM), que a defende mas nega atuação para favorecê-la.
Enquanto esses cinco consórcios, Qualibus, Transnoroeste 2, Transcap, A2 e Transwolff, receberam reajustes entre 13,5% e 27,5% em 2018, na comparação com 2017, os demais 15 consórcios em atividade na capital tiveram aumento médio de 5,2%, incluindo aqueles de empresas de ônibus comuns. O reajuste para os cinco, somado, é de cerca de R$ 130 milhões, valor equivalente a metade do aumento de gastos no ano, R$ 235 milhões.
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