Há dois tipos de conversa muito bons. O primeiro é o franco e direto, diálogo vivo que inclua seu eu mais profundo com alguém que você ama e confia. Como é bom falar de temas densos, de questões biográficas e estruturais. É libertador abrir-se sem medo. As horas voam e você não percebe. Caso você tenha alguém assim, aproveite muito. Conversa íntima é uma vacina contra a insanidade.
O outro tipo de boa conversa pode ou não estar contido no modelo anterior. Trata-se da conversa inteligente. Você enuncia uma ideia e sua companhia complementa, redargue, aprofunda, exemplifica, ouve e se faz ouvir com bons argumentos. Um diálogo inteligente é sedutor, quase erótico, um jogo gostoso como as gavinhas de uma hera que sobe pela parede do cérebro com elegância. Dois momentos intensos de felicidade dialógica: aquela que atrai a confiança e a que seduz o intelecto. Se você tem na mesma pessoa confiança e inteligência, entrega e criatividade, quase mais nada será sentido como falta na sua biografia.
Sejamos francos: a maioria das interações humanas foge dos tipos descritos. Nossa vida é dominada pela conversa de elevador, de consultório, de táxi, de avião, de festa. No geral, são falas sociais com o desconhecido ao seu lado com temática ampla e superficial. A ilha do diálogo denso, adaptando a metáfora do doutor Simão Bacamarte de Machado, é cercada pelo oceano do comum, do raso, do anódino e do placebo retórico.
No Brasil domina a ideia de que não é educado ficar em silêncio com outro ser humano. Mesmo que você não o conheça, além da saudação formal, nossa cultura exalta o imperativo da fala. Na Terra de Santa Cruz, falar é educado, o calar é tomado por grosseria. Em grande parte da Europa, ficar em silêncio é bem-aceito.
Para enfrentar nossa sociabilidade tropical, urge aperfeiçoar o “papo-furado”. O conceito não é para amadores ou para conversadores triviais. Os iniciantes na delicada arte de falar nada com sofisticação começam pelo tempo: “Que calor, hem?”. O recurso meteorológico é técnica de debutante. Resolve o silêncio constrangedor, mas evidencia a falta de traquejo.
O erro oposto, também típico de inábeis, é tornar a conversa densa em demasia. A conversa-fiada não poderia incluir seu fluxo de consciência, suas angústias ou devaneios, nem sequer seus sonhos dourados. Tais temas assustam o ouvinte e constituem excesso de tempo e de abertura pessoal. Raso demais ou denso em exagero são arestas evitáveis.
Como na Teoria do Medalhão de Machado de Assis, há que se treinar a arte de nada dizer com certo requinte. Imagine a cena: você entra no elevador e há alguém. Impossível não notar. Um meneio de cabeça indica que houve percepção do outro. Saudamos o ocupante do meio de transporte mais seguro do mundo. Nada de encarar ou exceder o volume. Algo discreto. O celular é ferramenta nova e boa: basta acessar e ficamos blindados e livres da interação. Papo-furado sim, mas jamais insultem a arte comentando que o elevador é lento ou rápido demais. Descrição fática derruba a arte. Seja criativo. Na placa do elevador existe uma advertência legal: verificar se o mesmo está parado ali. Adoro o “mesmo”. Imagino o “mesmo” em um canto, rosnando assustado. O comentário jocoso pega bem. O interlocutor fica satisfeito, ninguém invade ninguém e o constrangimento passa. Ao sair, ele dará um tchau feliz, quase arrependido de ter de abandonar aquele espaço compartilhado com você.
No avião não existe a proteção do celular. A viagem pode durar horas. De novo um sorriso, um pedido de licença, o tempo preparatório para você afivelar-se e pronto: de São Paulo até Fortaleza serão mais de três horas. Não convém excesso de informações do tipo: “Estamos na fila 18, boa escolha para o Judaísmo” ou “O lugar 8 é de bom augúrio na China”. Por mais interessante que seja a numerologia histórica, pode irritar pelo pedantismo. Apresentar-se ajuda e a etimologia é caminho certeiro para a simpatia superficial. “Ah, você é Filipe, então você ama cavalos”; “Letícia? Você deve ser feliz”; “Cláudia, você manca?” Também existe pavonice erudita aqui, todavia, ao envolver o nome do interlocutor, o narciso dele atenuará a exibição do seu. A única coisa que perdoamos na vaidade alheia é se ela tiver por objeto a nossa. Como você vê, querida leitora e estimado leitor, há um mundo de técnica e talento na conversa rasa. Associar o nome da pessoa a uma personalidade ou santo é muito eficaz. Um homônimo de jogador de futebol famoso é terreno perigoso: pode sair do campo confortável do papo-furado para o da paixão.
Conversar é uma arte; calar é sabedoria pura. Em tempos que ninguém cala e jamais escuta o outro, conversar bem, calar e ouvir viram tripé inovador. Infelizmente, quem mais necessita não lerá a reflexão que você acompanhou. É preciso ter esperança.
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