“Wishful thinking” é um fenômeno perverso: diante de cenários alternativos, o indivíduo opta sempre pelo mais benéfico, ignorando todos os demais.
Há poucos meses, alertei nesta coluna que o mercado financeiro estava viciado nesse tipo de ilusão. Nos corredores da Faria Lima, ouvia-se o mantra de que o segundo turno seria disputado entre Geraldo Alckmin(PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL). “O PT morreu”, rezava o consenso de mercado.
Agora, aquela fantasia foi substituída por uma outra, muito alimentada pelas consultorias de risco político que operam no segmento.
Desta vez, a tese diz assim: se o ciclo eleitoral impõe volatilidade alta no curto prazo, o resultado da eleição tende a gerar estabilidade e uma trajetória positiva para o Brasil, nos próximos dois anos.
Em caso de uma vitória de Bolsonaro, a estabilidade resultante seria produto do compromisso do governo com a retidão fiscal e a busca por reformas ambiciosas. Com ou sem Paulo Guedes, o país caminharia a passos largos na direção da recuperação.
No cenário Haddad, a retomada viria de uma suposta guinada do PT para o centro. Segundo essa imagem, o petista chutaria a burocracia de seu partido para escanteio, em nome da governabilidade. A frase mais ouvida dos últimos dias é: “Haddad é um cara sensato”.
As duas hipóteses são fantasiosas.
Para o próximo governo só existem despesas obrigatórias. Todos os números mostram sinais avançados de paralisação da máquina pública. O risco de “shutdown” no ano que vem é real.
Evitar esse desfecho, no melhor dos cenários, depende da redução drástica de gastos obrigatórios e do aumento das receitas. No pior dos cenários, o Brasil segue o caminho da Argentina com a desvalorização da moeda e a volta da inflação.
Assim, o próximo governo, seja quem for o candidato vitorioso, será obrigado a produzir perdedores em grande escala. Ocorre que regras do jogo da democracia brasileira são desenhadas para inviabilizar cortes dessa natureza.
O país é o império dos grupos de interesse, que conseguem capturar o Executivo, o Congresso Nacional e o Judiciário com grande eficácia.
Isso significa que, no Brasil, todo governo reformista avança devagar, fazendo recuos constantes e comprando a anuência dos setores organizados da sociedade a peso de ouro.
Mesmo quando o presidente goza de taxas estratosféricas de popularidade e de uma economia em expansão acelerada, esse tipo de batalha tem taxas de êxito muito reduzidas.
É urgente que analistas de mercado e observadores da política considerem a possibilidade de termos pela frente mais uma década perdida.
Matias Spektor
Professor de relações internacionais na FGV.
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