terça-feira, 18 de setembro de 2018

Paralisia destrutiva que vivemos desde 2014 não pode se repetir,por Marco Aurelio Ruediger, FSP

Eleição de 2018 tem polarização combinada com fragmentação

La Fontaine, na fábula sobre o leão e a raposa, contava que certa vez o leão fez a todos saber que estava doente e logo partiria deste mundo. Chamou os animais à sua caverna para se despedirem. A raposa, tendo ido ao encontro do leão, percebeu que só havia pegadas entrando na caverna, mas nenhuma saindo. A moral é que se vê como se entra, mas como se sai não se vê. Sobreviveu.
É natural que haja grandes divisões na política. Ainda assim, a polarização atual nos leva a uma situação de insegurança com a possibilidade de candidaturas que não apenas sejam antagônicas, mas que sejam também corrosivas à possibilidade de entendimento mínimo entre campos no momento pós-eleitoral. São prisioneiras de suas próprias narrativas nesse sentido, onde o outro não é apenas um adversário a ser superado pelo convencimento e pelas urnas, mas um inimigo a ser batido e, depois, salinizado.
Tal condição repercute nos discursos e engajamentos na eleição pelas redes. Percebe-se a resiliência das campanhas bem organizadas nas redes sociais, quando em conjunção com estruturas narrativas significantes. A questão é que esses significantes atualmente apontam à repercussão de radical dissenso. Esse dissenso é fruto de visões de mundo diferenciadas, mas também, e em especial, de um profundo déficit de confiança na representação e nas instituições. Naturalmente, a confiança e a incerteza se alastram.
Comparemos alguns fatos pivotais dessa campanha e seus respectivos impactos nas redes: a “facada” e as cirurgias de Bolsonaro, que geraram 13.700 links com mais de 26 milhões de interações no Facebook. A definição da candidatura de Haddad, avalizado por Lula, que gerou 2.900 links, com 3,5 milhões de interações, aproximadamente. A afirmação de Ciro de que sairia da política se Bolsonaro vencesse: 1.709 links, com 3 milhões de interações. Síntese: Bolsonaro dispara na frente, dois candidatos de um mesmo campo disputam acirradamente. Já se cria aí um primeiro pelotão.
O caso do PSDB é mais complicado. O posicionamento restrito a um segmento do centro, mas comprometido com referenciais que apontam a fórmulas conhecidas, sem releituras, acentua uma sensação de insuficiência nas redes frente aos problemas atuais. Num cenário crescentemente bipolar, encontra dificuldades em contemplar propostas ambidestras, a fim de ampliar espaços. Mal comparando, uma inglória guerra em duas frentes e que suscita engajamento menor na internet.
Sugere-se que há uma disputa embolada entre diversos candidatos pelo segundo lugar. Afinal, quem iria ao segundo turno disputar com o atual primeiro colocado? Na verdade, não há uma disputa embolada pelo segundo lugar. Não são todos competindo com todos pelo ultimo ticket para o 2º turno. Com polarização combinada com fragmentação, candidatos lutam principalmente pelos seus polos, secundariamente pelo confronto com o seu reverso.
Hegemonias precisam ser estabelecidas ex ante. Talvez haja ainda um parcial deslocamento do espólio do centro, que altere equações. Mas é um grande talvez. Depois, sim, teremos o segundo turno. A tal caverna da fábula.
Seja o eleito de que campo for, o que mais importa agora é o eleitor considerar um mínimo de garantias de que a paralisia destrutiva que vivenciamos desde 2014 não se repetirá. Há o pós-eleição, e a governabilidade do país não pode ser mais afetada a ponto de estrangular nossa economia e desenvolvimento. O déficit de informação nesse sentido é enorme. Deve-se diminuir a tolerância com sofismas e dissimulações, pois há muito em jogo. Sofremos demais nos últimos anos. Sugiro considerar as pegadas antes de entrar na caverna.
Marco Aurelio Ruediger
É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

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