Há dez anos estourou a maior crise financeira global depois da Grande Depressão.
A falência do Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008, detonou o pânico global e, no entanto, tratava-se apenas da quebra de um banco de investimento de porte médio. Na mesma situação estavam bancões comerciais, que só não foram a pique porque, logo depois, as autoridades trataram de agir para impedir o alastramento da catástrofe.
O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) ajudou não só a escorar o Citigroup e a maior seguradora financeira, a AIG, mas despejou, “de helicóptero” (como disse Ben Bernanke, o presidente do Fed), nada menos que trilhões de dólares para recomprar nos mercados ativos que ninguém mais queria, porque eram considerados “podres”. Ainda hoje o Fed tem balanço patrimonial de aproximadamente US$ 4,2 trilhões em ativos.
As grandes vítimas foram as classes médias, especialmente dos Estados Unidos, que viram derreter não só o valor de mercado de suas casas, já que uma das principais deteriorações foi a do valor das hipotecas, como enfrentaram o forte desemprego e perda de salários. O balanço da destruição, apenas nos Estados Unidos, foi a eliminação de 9 milhões de empregos e a perda, por falta de pagamento, de 9 milhões de moradias. A vida de muita gente desmoronou. O desalento, que veio em seguida alimentou outras consequências políticas de impacto. No miolo do Partido Republicano dos Estados Unidos surgiu o movimento ultraconservador do Tea Party e, anos mais tarde, a vitória de Donald Trump, cuja campanha explorou a desesperança do americano médio e seu novo ódio aos bancos, às grandes empresas e à enganação promovida por magnatas e políticos.
As autoridades reguladoras do sistema financeiro salvaram os bancos, mas, com eles, os banqueiros e toda a massa de calhordas que entupiram as próprias contas bancárias com receitas de bônus multimilionários. Apenas uma meia dúzia de figurões foi condenada por fraudes que foram amplamente disseminadas. A grande maioria está por aí, endinheirada e empoderada.
Essa impunidade produziu o movimento Occupy Wall Street e espalhou ondas sucessivas de ressentimento que continua minando corações e mentes. De repente, o tão aclamado sonho americano pareceu irremediavelmente desvanecido. Daí, também, a força do slogan “put America first”, que alavancou a campanha de Trump.
Essa reação de repúdio não se limitou aos Estados Unidos. Por toda a Europa, ganharam força os movimentos separatistas (como o Brexit e o da independência da Catalunha) e os partidos de ultradireita que alardeiam ter gente metendo a mão no seu prato de comida. Além da crise propriamente dita, concorreram para aumentar o ressentimento a ascensão das classes médias asiáticas e as exportações da China, que tiraram emprego e derrubaram salários.
A recuperação da economia mundial foi lenta e ainda não passa firmeza, porque continua sustentada pela megaemissão de moeda, tanto pelo Fed quanto pelos grandes bancos centrais.
Toda grande crise produz monstros. A Grande Depressão e a hiperinflação da Alemanha em 1923 produziram o nazismo, o fascismo e a 2.ª Grande Guerra. Afora isso, como boa parte das práticas fraudulentas voltou a acontecer e, como por toda parte, pipocam notícias de que grandes bancos voltaram a se atirar ao risco irresponsável em troca do lucro fácil, comentaristas de todas as tendências se perguntam quando eclodiria a próxima crise. Mas a questão mais importante não é essa. Consiste em saber se as autoridades aprenderam alguma coisa com as mazelas de 2008 e se estão preparadas para enfrentá-la se voltar a acontecer.
Boa parte do marasmo do Brasil tem a mesma origem. Em 2008/09, o então presidente Lula praticamente ignorou o impacto. Gabava-se de que chegaria às nossas praias só “uma marolinha”, porque, alardeava, o Brasil era o B do Bric e tinha uma economia à prova de crises.
Os governos do PT não entenderam que os tempos de bonanza e do grande boom das commodities que havia proporcionado a forte tração do PIB do Brasil nos anos anteriores estavam acabados. Como a crise não foi levada a sério, também não houve reforços para enfrentar o impacto nem ajustes para derrubar o rombo fiscal que não parou de alargar-se. As incertezas que ainda prostram a economia do Brasil, em boa parte, são consequência da leniência com que a crise foi tratada por aqui.
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