Cláudia Collucci e Natália Cancian
SÃO PAULO E BRASÍLIA
Filas, dificuldade de acesso a especialistas, longo tempo de espera por cirurgias eletivas e emergências superlotadas. No caminho que percorre no sistema de saúde, o brasileiro se depara com situações caóticas, agravadas por problemas de organização da rede e escassez de recursos.
Área apontada em pesquisas como uma das principais preocupações da população, a saúde vive um paradoxo.
Em 30 anos, o SUS (Sistema Único de Saúde) consolidou-se como o maior sistema de saúde gratuito do mundo, atendendo a quase 75% da população do país.
A oferta de serviços, porém, é desafiada por um quadro crônico de subfinanciamento, que pode piorar nos próximos anos. Ao mesmo tempo, diante de uma projeção de aumento nos gastos, o sistema desperdiça recursos por conta da ineficiência.
Relatório do Banco Mundial indica que nos próximos 12 anos o SUS poderia economizar R$ 115 bilhões se buscasse mais eficiência na sua rede. Entre as sugestões, está a ampliação do programa ESF (Estratégia de Saúde da Família).
Recentemente, um novo ingrediente agravou ainda mais a situação: com a recente recessão econômica, mais de 3 milhões de pessoas perderam seus planos de saúde e muitos têm recorrido ao SUS.
O setor também tem registrado sinais preocupantes de retrocesso, com aumento nas taxas de mortalidade infantil e materna -e queda nos índices de vacinação.
Dados inéditos do Ministério da Saúde disparam um novo alerta: o crescimento no índice de mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas na população de 30 a 69 anos. São mortes evitáveis e prematuras.
Um estudo publicado na revista científica "The Lancet" que analisou dados da carga de doenças nos últimos 30 anos conclui que o brasileiro passou a viver mais e melhor (as expectativas de vida ao nascer aumentou seis anos e a de vida saudável, cinco), mas essas melhorias não foram suficientes para eliminar as iniquidades em saúde.
Em outro paradoxo, o país vê avanços como a melhoria de indicadores de doenças transmissíveis. Mas, ao mesmo tempo, enfrenta o risco de ressurgimento de algumas consideradas eliminadas ou que estavam neste caminho, como o sarampo e a malária.
Embora as propostas para melhorar o setor sejam razoavelmente conhecidas, o país ainda derrapa para torná-las viáveis: aumento da cobertura de atenção primária, considerada porta de entrada do usuário na rede; maior organização da gestão por meio de regiões de saúde; e melhoria na integração dos dados do setor, segundo especialistas e estudos consultados pela Folha.
Nos próximos anos, o desafios serão ainda maiores, com o acelerado processo de envelhecimento da população e o consequente crescimento na carga de doenças crônicas, que são as que mais encarecem as despesas com saúde.
A partir de 2030, pela primeira vez na história, o país terá mais idosos do que crianças. Serão 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam 29,4 milhões (14,3% da população).
Se a reorganização do sistema de saúde já era necessidade, agora se torna urgência.
DEZ GARGALOS DE SAÚDE NO BRASIL
1 - Pouco gasto público em saúde
O SUS vive um crônico subfinanciamento, menos da metade do gasto total em saúde é público. Além de pouco, parte dos recursos é desperdiçada por ineficiência
O SUS vive um crônico subfinanciamento, menos da metade do gasto total em saúde é público. Além de pouco, parte dos recursos é desperdiçada por ineficiência
2 - Atenção primária pouco resolutiva
A cobertura da Saúde da Família ainda é baixa, muitas equipes trabalham em situações precárias e estão sobrecarregadas
A cobertura da Saúde da Família ainda é baixa, muitas equipes trabalham em situações precárias e estão sobrecarregadas
3 - Ambulatórios e emergências sobrecarregadas
Enfrentam sobrecarga de pacientes de baixa complexidade, fluxos desorganizados e pouca oferta de especialistas e exames
Enfrentam sobrecarga de pacientes de baixa complexidade, fluxos desorganizados e pouca oferta de especialistas e exames
4 - Excesso de médicos nos grandes centros urbanos
País tem dificuldade em fixar médicos em cidades menores e mais distantes das capitais e vê piorar a qualidade da formação
País tem dificuldade em fixar médicos em cidades menores e mais distantes das capitais e vê piorar a qualidade da formação
5 - Hospitais pequenos e pouco eficientes
Cerca de 80% dos hospitais do país são pequenos e com baixa taxa de ocupação de leitos, o que os tornam pouco eficientes
Cerca de 80% dos hospitais do país são pequenos e com baixa taxa de ocupação de leitos, o que os tornam pouco eficientes
6 - Falta de leitos em hospitais gerais
Pacientes sem chances de cura ocupam leitos de UTI quando poderiam ser cuidados em centros médicos fora de hospitais
Pacientes sem chances de cura ocupam leitos de UTI quando poderiam ser cuidados em centros médicos fora de hospitais
7 - Não há integração de dados
Não há trabalho em rede ou coordenação do cuidado, com repetição desnecessária de exames
Não há trabalho em rede ou coordenação do cuidado, com repetição desnecessária de exames
8 - Falta avaliação de desempenho e qualidade
Por falta de medição e divulgação de indicadores de custo e de qualidade, não é possível remunerar pelo desempenho da assistência
Por falta de medição e divulgação de indicadores de custo e de qualidade, não é possível remunerar pelo desempenho da assistência
9 - Gestores sem formação técnica
A maioria dos gestores do SUS é escolhida por indicação política, ao contrário de outros países que valorizam formação técnica
A maioria dos gestores do SUS é escolhida por indicação política, ao contrário de outros países que valorizam formação técnica
10 - Falta de foco no idoso e no doente crônico
País está envelhecendo e vive aumento da prevalência de doenças crônicas, mas falta política de saúde voltada para essa população.
País está envelhecendo e vive aumento da prevalência de doenças crônicas, mas falta política de saúde voltada para essa população.
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