quinta-feira, 27 de setembro de 2018

País envelhece, sofre com gargalos e experimenta retrocesso na saúde, FSP


Cláudia Collucci e Natália Cancian
SÃO PAULO E BRASÍLIA
Filas, dificuldade de acesso a especialistas, longo tempo de espera por cirurgias eletivas e emergências superlotadas. No caminho que percorre no sistema de saúde, o brasileiro se depara com situações caóticas, agravadas por problemas de organização da rede e escassez de recursos.
Área apontada em pesquisas como uma das principais preocupações da população, a saúde vive um paradoxo.
Em 30 anos, o SUS (Sistema Único de Saúde) consolidou-se como o maior sistema de saúde gratuito do mundo, atendendo a quase 75% da população do país.
A oferta de serviços, porém, é desafiada por um quadro crônico de subfinanciamento, que pode piorar nos próximos anos. Ao mesmo tempo, diante de uma projeção de aumento nos gastos, o sistema desperdiça recursos por conta da ineficiência.
Relatório do Banco Mundial indica que nos próximos 12 anos o SUS poderia economizar R$ 115 bilhões se buscasse mais eficiência na sua rede. Entre as sugestões, está a ampliação do programa ESF (Estratégia de Saúde da Família).
Recentemente, um novo ingrediente agravou ainda mais a situação: com a recente recessão econômica, mais de 3 milhões de pessoas perderam seus planos de saúde e muitos têm recorrido ao SUS.
O setor também tem registrado sinais preocupantes de retrocesso, com aumento nas taxas de mortalidade infantil e materna -e queda nos índices de vacinação.
Dados inéditos do Ministério da Saúde disparam um novo alerta: o crescimento no índice de mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas na população de 30 a 69 anos. São mortes evitáveis e prematuras.
Um estudo publicado na revista científica "The Lancet" que analisou dados da carga de doenças nos últimos 30 anos conclui que o brasileiro passou a viver mais e melhor (as expectativas de vida ao nascer aumentou seis anos e a de vida saudável, cinco), mas essas melhorias não foram suficientes para eliminar as iniquidades em saúde.
Em outro paradoxo, o país vê avanços como a melhoria de indicadores de doenças transmissíveis. Mas, ao mesmo tempo, enfrenta o risco de ressurgimento de algumas consideradas eliminadas ou que estavam neste caminho, como o sarampo e a malária.
Embora as propostas para melhorar o setor sejam razoavelmente conhecidas, o país ainda derrapa para torná-las viáveis: aumento da cobertura de atenção primária, considerada porta de entrada do usuário na rede; maior organização da gestão por meio de regiões de saúde; e melhoria na integração dos dados do setor, segundo especialistas e estudos consultados pela Folha.
Nos próximos anos, o desafios serão ainda maiores, com o acelerado processo de envelhecimento da população e o consequente crescimento na carga de doenças crônicas, que são as que mais encarecem as despesas com saúde.
A partir de 2030, pela primeira vez na história, o país terá mais idosos do que crianças. Serão 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam 29,4 milhões (14,3% da população).
Se a reorganização do sistema de saúde já era necessidade, agora se torna urgência.
DEZ GARGALOS DE SAÚDE NO BRASIL
1 - Pouco gasto público em saúde 
O SUS vive um crônico subfinanciamento, menos da metade do gasto total em saúde é público. Além de pouco, parte dos recursos é desperdiçada por ineficiência
2 - Atenção primária pouco resolutiva 
A cobertura da Saúde da Família ainda é baixa, muitas equipes trabalham em situações precárias e estão sobrecarregadas
3 - Ambulatórios e emergências sobrecarregadas 
Enfrentam sobrecarga de pacientes de baixa complexidade, fluxos desorganizados e pouca oferta de especialistas e exames
4 - Excesso de médicos nos grandes centros urbanos 
País tem dificuldade em fixar médicos em cidades menores e mais distantes das capitais e vê piorar a qualidade da formação
5 - Hospitais pequenos e pouco eficientes 
Cerca de 80% dos hospitais do país são pequenos e com baixa taxa de ocupação de leitos, o que os tornam pouco eficientes
6 - Falta de leitos em hospitais gerais 
Pacientes sem chances de cura ocupam leitos de UTI quando poderiam ser cuidados em centros médicos fora de hospitais
7 - Não há integração de dados 
Não há trabalho em rede ou coordenação do cuidado, com repetição desnecessária de exames
8 - Falta avaliação de desempenho e qualidade 
Por falta de medição e divulgação de indicadores de custo e de qualidade, não é possível remunerar pelo desempenho da assistência
9 - Gestores sem formação técnica 
A maioria dos gestores do SUS é escolhida por indicação política, ao contrário de outros países que valorizam formação técnica
10 - Falta de foco no idoso e no doente crônico 
País está envelhecendo e vive aumento da prevalência de doenças crônicas, mas falta política de saúde voltada para essa população.

Nenhum comentário: