Márcia De Chiara , O Estado de S. Paulo
24 Setembro 2018 | 03h00
Apesar de a inflação nos últimos meses ter batido recordes de baixa a ponto de terminar agosto com resultado negativo de 0,09% – a menor taxa em 20 anos para o mês –, muitos brasileiros, especialmente os de menor renda, não têm sentido esse alívio no bolso. Além do desemprego continuar alto, o que reduz a renda, o elevado reajuste das tarifas ampliou os gastos das famílias com despesas obrigatórias, como energia elétrica, gasolina, gás, passagem de ônibus, entre outras. Com isso, uma parcela crescente do orçamento, que já passa de 25%, vem sendo comprometida com esses gastos, sobrando menos recursos para outras despesas.
Em 2018, pelo segundo ano seguido, os preços administrados, aqueles cujos reajustes são determinados pelo governo e independem da oferta e da demanda, estão subindo muito acima da inflação geral e também dos preços livres, não regulados. De janeiro a agosto, os administrados aumentaram 6,64%, mais que o dobro da inflação geral de 2,85%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e superaram o avanço dos preços livres (1,55%). No ano passado, os administrados tinham subido 5,08% entre janeiro e agosto e fecharam o ano em 8%. Economistas calculam que os preços administrados repetirão a alta de 8% neste ano.
Diferenças entre a inflação das tarifas e dos preços livres também são gritantes no período mais longo de 12 meses até agosto. Dados do IPCA mostram que os administrados aumentaram 9,59%, enquanto a inflação geral subiu 4,19% e os preços livres avançaram 2,40%. Dos dez itens que mais contribuíram para o aumento da inflação nesse período entre os cerca 400 que compõem o IPCA, quatro são administrados: gasolina, energia, plano de saúde e gás de botijão. Essas quatro tarifas responderam por 50% da inflação geral do período.
“Há dois mundos muito diferentes dentro da inflação”, afirma o economista da LCA Consultores, Fabio Romão. Ele se refere à diferença de cinco pontos porcentuais neste ano entre alta das tarifas e a inflação dos preços livres. As tarifas estão em alta porque são pressionadas pelo dólar e pela política de paridade da cotação internacional do petróleo adotada pela Petrobrás. Já a inflação dos preços livres está rebaixada pelo efeito da fraca atividade que não permite grandes reajustes.
Bem-estar
A inflação das tarifas provoca um grande estrago no orçamento das famílias porque diz respeito a preços de produtos e serviços – como energia elétrica, gasolina, gás – que são difíceis de serem substituídos ou cujo consumo não pode ser evitado. “O fato de as pressões de preços estarem concentradas em bens e serviços de difícil substituição ou postergação do consumo provoca uma redução da sensação de bem-estar das pessoas, a despeito de a inflação geral estar bem comportada e abaixo do centro da meta de 4,5%”, afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Fabio Bentes.
A disparada das tarifas impacta a todos, mas os efeitos são um pouco mais severos sobre as famílias de menor renda, que usam mais serviços básicos e não têm poupança para bancar eventuais aumentos de despesas. No mês passado, por exemplo, as famílias com renda mensal de até R$ 4,7 mil gastaram 2,17% com gás de botijão, 4,71% com a conta de energia e 5,16% com ônibus, aponta o INPC. Já para os mais ricos, que recebem até R$ 38,1 mil mensais, essas despesas pesaram 1,35%, 4,03% e 2,72%, respectivamente.
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