BRASÍLIA – Às vésperas do início da propaganda eleitoral na televisão, no dia 31 de agosto, o professor de marketing da Fundação Getulio Vargas (FGV) João Matta foi questionado por uma plateia sobre os efeitos que o horário eleitoral da TV poderia ter nas eleições 2018. Matta não titubeou. Especialista nos comerciais políticos e seus impactos sobre os humores da população, o professor vaticinou que o cenário deveria mudar radicalmente. Passados 20 dias, João Matta admite: “fui pego de calças curtas”.
“Preciso reconhecer que, como grande parte dos analistas e pesquisadores, errei na previsão. Baseado em análises técnicas e no histórico do eleitor brasileiro, eu disse categoricamente que o quadro iria mudar. Realmente estamos vivendo um novo momento”, diz Matta.
A avaliação sobre o "novo momento" é compartilhada por outros analistas, como Luiz Alberto Beserra de Farias, especialista em opinião pública e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). "A televisão realmente não está dando o retorno que se poderia esperar dela, algumas candidaturas não decolaram", diz Farias. Já para Victor Trujillo, especialista em marketing eleitoral e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a TV continua tendo papel importante, mas precisa ser bem aproveitada. "Maior exposição não necessariamente significa maior preferência do eleitor", diz o professor da ESPM.
Esse “novo momento” a que os especialistas em mídia se referem atende pelos nomes de internet, redes sociais, Facebook, WhatsApp e seus derivados. Entre os estudiosos do assunto, tornou-se praticamente um consenso de que a comunicação digital, nas eleições deste ano, deixou de ser “mais uma ferramenta” para se tornar, efetivamente, um divisor de águas da propaganda eleitoral.
“O pano de fundo dessa nova realidade é que o modelo da propaganda eleitoral na TV está cada vez mais desgastado. As experiências internacionais mostram que 76% das pessoas não acreditam no que é divulgado em campanhas pelo modelos convencionais”, afirma João Matta. “As redes sociais, por outro lado, personalizaram a propaganda. Hoje eu tenho meu amigo que propaga um conteúdo, meu primo que legitima um produto, meu vizinho que endossa uma mensagem. Eu olho para aquilo e, logo, credito que está correto e passo para frente.”
Os dados falam por si. Depois de 20 dias de campanha na TV, dois dos dois candidatos à Presidência da República com os maiores tempo de propaganda eleitoral – Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB) – não conseguiram converter a exposição massiva em intenções de votos.
O candidato tucano estreou sua campanha com 44% do tempo diário do horário eleitoral, volume que é definido a partir das coligações que seu partido conseguiu fazer, mas mesmo assim perdeu eleitores. Em 20 de agosto, antes do horário na TV, o Ibope trazia Alckmin com 7% das intenções de voto. Em 4 de setembro, cinco dias depois de iniciada a propaganda, Alckmin chegou a 9%, mas não cresceu, na pesquisa de ontem, voltou para o patamar de 7%. Henrique Meirelles, que tem o terceiro maior tempo de exposição na TV, também não passou 3% nas pesquisas. Na pesquisa divulgada nesta terça-feira, aparece com 2%. No outro extremo está Jair Bolsonaro (PSL), com seus 8 segundos de vídeo no bloco principal da propaganda eleitoral. Entre 20 de agosto e 18 de setembro, saltou de 20% para 28% no Ibope.
O problema não é a TV em si, avalia Farias, professor da ECA-USP. “Erros de estratégia de comunicação e falta de empatia são cruciais para explicar o desempenho fraco de alguns candidatos. Além disso, é preciso reconhecer que há uma sensação muito grande de descontentamento no eleitorado”, comenta Farias. “Um cidadão médio tem dificuldade de entender porque um candidato tem muito tempo de exibição e outro não tem nada. Para ele, é difícil até aceitar isso, o que acaba gerando um efeito contrário para quem está exposto o tempo todo.”
Independentemente da “qualidade do produto” oferecido, afirma o pesquisador da USP, resta claro que a propaganda eleitoral na TV não tem mais a supremacia que tinha nas campanhas. "O caso do PSDB é emblemático, porque falamos de um candidato que controla a maior parte do tempo de TV e que já é conhecido nacionalmente”, comenta Farias.
Para João Matta, da FGV, o resultado está relacionado à passividade da propaganda eleitoral televisiva. “Perdem as campanhas que conseguiram mudar essa posição de indiferença do eleitor. As pessoas estão se manifestando, participando, estão no espaço onde as mobilizações são possíveis.“
Uma pesquisa realizada na última semana pelo Datafolha mostrou que metade (49%) do eleitorado brasileiro não tem interesse nenhum pelo horário eleitoral dos candidatos a presidente na TV. Os demais se dividem entre quem tem muito interesse (18%), um pouco de interesse (32%) ou não opinaram sobre o tema (1%).
Ativismo. Os especialistas chamam a atenção ainda para o “ativismo digital” proporcionado pela internet e suas ferramentas. “Sempre dissemos que o segredo do PT era a sua militância. Hoje essa força de militância está em toda a internet, que tornou muito mais fácil esse tipo de manifestação. De um lado está a campanha massificada da TV, enquanto de outro está a rede, onde eleitor é quem faz a curadoria do que recebe e quer distribuir. É isso que tem feito a diferença”, analisa Victor Trujillo, especialista em marketing eleitoral e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
A presença da internet no dia a dia da população dá ideia do impacto que está em jogo. Se por um lado o eleitorado brasileiro chega hoje a 142,8 milhões de votantes, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por outro há 120,7 milhões de brasileiros com acesso regular à rede.
Se considerado o número de celulares ativos no Brasil, que atualmente é o principal meio de acesso à internet, chega-se a 234,7 milhões de celulares ligados, ou seja, há mais aparelhos do que gente. São 112 celulares para cada 100 habitantes.
As pesquisas do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) apontam que as atividades mais mencionadas com o uso da internet continuam sendo o envio de mensagens (90%) e uso de redes sociais (77%), ou seja, os principais meios de divulgação de propaganda eleitoral.
O fato de a propaganda eleitoral na TV ter perdido força não significa que o meio televiso deixou de ser relevante, diz Victor Trujillo, da ESPM. “Sem dúvida a TV é demasiadamente importante nas campanhas dos candidatos. Os jornais são fundamentais neste processo. Por outro lado, houve um erro das campanhas em superestimar o tempo da propaganda de TV”, afirma.
As pesquisas comprovam a importância da televisão. O meio continua a ser considerado uma das principais fontes de informação para os eleitores em geral, segundo levantamento do Datafolha feito no dia 10 de setembro, com 2.804 entrevistas presenciais, em 197 municípios de todas as regiões do País.
Uma parcela de 35% dos entrevistados declarou se informar pelos programas jornalísticos da TV. As ferramentas digitais, no entanto, foram mencionadas por boa parte dos entrevistados, por conta de seu possibilidade de integrar outros meios, inclusive a própria televisão. Um total de 22% citou que acessa notícias em sites de jornais ou de revistas; 21% mencionou notícias via Facebook.
Foram lembrados ainda sites do candidato (16%), notícias no WhatsApp (11%), programas jornalísticos no rádio (10%), jornais impressos (9%), horário eleitoral no rádio (7%), notícias no Instagram (5%), notícias em revistas impressas (4%) e notícias no Twitter (3%). Uma parcela de 6% não se informa por nenhum desses meios, 3% não buscam informações sobre os candidatos e 2% não opinaram. O horário eleitoral exibido na TV foi citado por apenas 28% dos entrevistados.
“Está claro que a internet tem feito a diferença”, comenta Luiz Alberto Beserra de Farias, da ECA-USP. “Fazer todo tipo de acordo para conseguir coalização de partidos pode ajudar no aumento do fundo eleitoral e na governabilidade, mas deixou de ser essencial para ter mais tempo de TV. A realidade agora é outra e quem percebeu isso está na frente.”
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