sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Frei Betto, Frei Tito e a enorme importância dos dominicanos, FSP

 

São Paulo

O Conjunto dos Dominicanos, na rua Caiubi, em Perdizes, perdeu sua sede histórica. Ela se transformou numa filial do colégio Pentágono, que aluga o local. Mas ainda resta a igreja de São Domingos, o convento novo e os prédios na rua Atibaia com as residências dos frades. É um ambiente tranquilo, elevado, onde se pratica a filosofia e a reflexão com uma ótica progressista.

Sempre foi assim, desde que o convento, chamado Santo Alberto Magno, foi fundado pela Ordem Dominicana, em 1938. A partir da década de 1950, a mentalidade aberta e a preocupação dos frades com as injustiças sociais transformaram o lugar num ponto de encontro e debate.

Nos tempos da ditadura, o ambiente fervia. Os dominicanos mantinham grande proximidade com o movimento estudantil. Tinham inserção na Juventude Estudantil Católica (JEC) e na Juventude Universitária Católica (JUC) e seu convento era frequentado por estudantes interessados na isenção e no discurso avançado dos freis e na independência da Igreja em relação ao regime.

Paróquia São Domingos
Paróquia São Domingos: prédio do convento de 1938 está ocupado pelo colégio Pentágono

Com o acirramento da repressão, vários religiosos começaram a trabalhar alinhados com os objetivos da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de Carlos Marighella, apoiando a luta armada. Dos frades de Perdizes os que mais se notabilizaram foram frei Betto e frei Tito.

Frei Betto, cujo nome de batismo é Carlos Alberto Libânio Christo, acaba de completar 80 anos e se tornou um escritor e pensador de sucesso. Nos tempos de militância tentava mostrar aos seus ouvintes que a ditadura era incompatível com os valores do Evangelho na medida em que tirava do povo a liberdade e a democracia.

Com essa atitude, os dominicanos demonstravam uma grande sintonia com as demandas políticas e uma vontade de lutar contra as violações dos direitos humanos.

Entrevista em maio com frei Betto sobre momento da esquerda e a conjuntura política nacional

Frei Betto aproximou-se da ANL na faculdade de Jornalismo e sem participar de operações militares dava todo tipo de apoio à guerrilha: acolhida, fuga e organização dos papéis para que os perseguidos pudessem deixar o país. No Rio Grande do Sul, frei Betto tinha um esquema para ajudar militantes a cruzar as fronteiras da Argentina e do Uruguai.

Os dominicanos foram presos numa operação chamada Batina Branca, comandada pelo delegado Sergio Fleury Filho em novembro de 1969. Frei Betto foi para a cadeia no dia 2, na Grande Porto Alegre, e frei Tito, junto com frei Roberto, frei Georgio e frei Maurício no dia 3 ou 4, em São Paulo. Alguns dos religiosos chegaram a ficar quatro anos presos.

A história de Frei Tito de Alencar Lima é trágica. No começo dos anos 1960 ele já pertencia à Juventude Estudantil Católica (JEC), três anos antes de ingressar na Ordem dos Dominicanos. Embora tivesse vocação de frade recluso, fazia parte de um grupo de seminaristas politizados e conectados com o movimento estudantil. Na USP, onde fazia cursos complementares, ele tinha contato com alunos de várias faculdades.

Frei Tito de Alencar Lima foi vítima de sucessivas sessões de tortura e suicidou-se aos 28 anos

Em seu livro "Batismo de Sangue", frei Betto conta que foi frei Tito quem conseguiu o sítio no qual se realizou o célebre congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna, em 1968, no qual foram presos mais de 700 estudantes.

Isso lhe acabou custando caro. Foi para a prisão em novembro de 1969 e passou por uma primeira sessão de torturas. Três meses depois voltou para a cadeia, por ocasião da detenção do proprietário do sítio em Ibiúna. Os torturadores tentavam fazer com que frei Tito assinasse um documento reconhecendo que os dominicanos tinham pegado em armas. Mesmo violentado de todas as formas, ele se recusou e tentou se matar, cortando a artéria do braço esquerdo com uma gilete.

As sequelas psicológicas da tortura não o abandonariam jamais e se somavam à tristeza do exílio, que enfrentou a partir de 1971. Foi para Santiago do Chile, Roma e, por recomendação médica, mudou-se para um convento em Lyon, na França. Foi ali, em 1974, aos 28 anos, que o frei tirou a própria vida. Tito agora será diplomado postumamente pela USP junto com outras 30 pessoas assassinadas na ditadura militar.

A moda 'fofa' dos pets nas campanhas políticas, FSP

 Em contraponto ao conteúdo sensacionalista e assumidamente picareta das campanhas, o cabo eleitoral da moda são os pets. No país que deu votos de protesto para uma rinoceronte e um chimpanzé —Cacareco na eleição paulistana de 1959 e Macaco Tião na carioca de 1988—, a repórter Fernanda Alves mostrou que os animais de estimação participam de agendas na rua e até de debates. E, claro, são presença incessante nas redes.

É a tática da fofura contra a da baixaria. No Rio, o candidato a prefeito Marcelo Queiroz (PP) tem na pauta animal sua maior bandeira, a ponto de promover "cãominhadas" em Copacabana. Tarcísio Motta (PSOL) é um orgulhoso pai de pets (um gato e um cão). Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) abriga quatro cachorros da raça spitz e Tabata Amaral faz questão de lembrar que adotou sete animais.

Enorme sucesso de Eduardo Dussek na década de 1980, o provocativo "Rock da Cachorra", se lançado hoje, cairia no vazio. Ou pior: Dussek —que se esgoelava cantando "Troque seu cachorro por uma criança pobre"— seria cancelado sem perdão.

No Brasil, cerca de 150 milhões de cães, gatos, peixes, aves, répteis e pequenos mamíferos vivem em ambientes domésticos. Pense nesse número transformado em votos. Há no Congresso a bancada deles, menos badalada que a da Bíblia, a da bala e a do boi, embora numerosa e atuante na defesa da causa. A regulamentação da reforma tributária prevê redução de 60% das alíquotas sobre medicamentos e de 30% para planos de saúde e consultas veterinárias.

Expor os bichinhos é uma estratégia como outra qualquer. Questionável, mas mais criativa que insistir em usar nas urnas os nomes de Lula e Bolsonaro —centenas de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador, segundo o TSE, ainda estão nessa. E mil vezes mais agradável aos olhos que o cover de Milei, com peruca e costeletas falsas, que tenta a eleição em Florianópolis.

Por que a geração Z e os millennials não atendem mais o telefone, FSP BBC News

 Yasmin Rufo

BBC News

"Olá, esta é a caixa postal de Yasmin Rufo. Por favor, não deixe mensagem, pois não vou ouvir, nem ligar de volta."

Infelizmente, esta não é a mensagem da minha caixa postal. Mas eu certamente gostaria que fosse, bem como a maior parte dos jovens da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) e dos millennials (nascidos entre 1981 e 1995).

Uma pesquisa recente concluiu que 25% das pessoas com 18 a 34 anos de idade nunca atendem o telefone. Os participantes responderam que ignoram o toque, respondem por mensagens de texto ou pesquisam o número online se for desconhecido.

Homem jovem usando celular
Cerca de 70% das pessoas com 18 a 34 anos preferem mensagens de texto a chamadas telefônicas - Getty Images via BBC

A pesquisa do site Uswitch envolveu 2 mil pessoas. Ela também concluiu que cerca de 70% das pessoas com 18 a 34 anos preferem mensagens de texto a chamadas telefônicas.

Para as gerações mais velhas, falar ao telefone é normal. Meus pais passaram a adolescência brigando com seus irmãos pelo telefone fixo no corredor, o que só fazia com que toda a família ouvisse as suas conversas.

Já a minha adolescência foi passada em mensagens de texto. Fiquei obcecada por elas desde o momento em que ganhei meu Nokia cor-de-rosa de presente de aniversário, com 13 anos de idade.

Eu passava todas as noites depois da escola redigindo textos de 160 caracteres para os meus amigos.

Eu retirava todas as vogais e espaços desnecessários, até que a mensagem parecesse um grupo de consoantes aleatórias que os próprios serviços de inteligência teriam dificuldade de decifrar. Afinal, eu nunca iria pagar a mais para escrever 161 caracteres.

E, em 2009, as ligações telefônicas do meu celular custavam uma fortuna. "Nós não demos este telefone para você fofocar com suas amigas a noite inteira", relembravam meus pais sempre que recebiam minha conta telefônica, todos os meses.

Foi assim que surgiu uma geração de pessoas que só se comunicam por texto. As ligações por telefone celular eram para emergências e o telefone fixo era usado raramente para falar com os avós.

A psicóloga Elena Touroni explica que, como os jovens não desenvolveram o hábito de falar ao telefone, "agora parece estranho, pois não é o normal".

Por isso, os jovens podem esperar o pior quando o telefone começa a tocar —ou se iluminar em silêncio, já que ninguém com menos de 35 anos de idade tem o toque configurado no seu telefone.

Mais da metade dos jovens que responderam à pesquisa do Uswitch reconheceram acreditar que uma ligação inesperada significa más notícias.

A psicoterapeuta Eloise Skinner explica que a ansiedade em torno das ligações vem de "uma associação com algo de ruim —uma sensação de pavor ou mau presságio".

"À medida que as nossas vidas ficam mais atribuladas e os cronogramas de trabalho mais imprevisíveis, temos menos tempo para ligar para um amigo, simplesmente para saber como ele está", explica ela. "Por isso, as ligações telefônicas ficam reservadas para as notícias importantes das nossas vidas, que, muitas vezes, podem ser difíceis."

Para Jack Longley, de 26 anos, "é exatamente isso". Ele nunca atende ligações de números desconhecidos, pois "ou é golpe, ou é marketing. É mais fácil simplesmente ignorar as ligações, em vez de procurar saber quais delas são verdadeiras."

Nick e Charlie, da série 'Heartstopper', fazem parte da geração das mensagens de texto - Samuel Dore/Samuel Dore

Mas não falar ao telefone não significa que os jovens não mantenham contato com seus amigos. Nossos grupos de bate-papo se movimentam o dia inteiro, com uma série de mensagens corriqueiras, memes, fofocas e, mais recentemente, mensagens de voz.

Muitas dessas conversas, agora, acontecem nas redes sociais, particularmente no Instagram e no Snapchat, onde é mais fácil enviar imagens e memes ao lado dos textos. E, mesmo com o consenso de que as ligações telefônicas são indesejadas, o uso de mensagens de voz divide as gerações mais jovens.

Na pesquisa do Uswitch, 37% das pessoas com 18 a 34 anos de idade declararam que as mensagens de voz são sua forma preferida de comunicação. Por outro lado, apenas 1% dos participantes com 35 a 54 anos preferem mensagens de voz em vez de ligações telefônicas.

"A mensagem de voz é como falar ao telefone, só que melhor", afirma a estudante Susie Jones, de 19 anos. "Você tem o benefício de ouvir a voz dos seus amigos, mas sem pressões. Por isso, é uma forma mais educada de comunicação."

Mas, para mim, é difícil ouvir mensagens de voz de cinco minutos de uma amiga contando as novidades sobre a vida dela. Elas devaneiam, as mensagens ficam repletas de palavras como "tipo" e "ahn"— e toda a história poderia ser contada em duas mensagens de texto.

As mensagens de texto e de voz permitem que os jovens participem das conversas no seu próprio ritmo. E eles podem responder de forma mais atenciosa e ponderada.

Fobia do telefone no trabalho

Mas até que ponto a fobia das chamadas telefônicas na sua vida pessoal afeta o lado profissional?

O advogado Henry Nelson-Case tem 31 anos de idade. Ele também é criador de conteúdo —e é terrivelmente fácil se identificar com sua série de vídeos sobre "millennials devastados".

As cenas incluem a angústia de enviar um e-mail para toda a empresa, como se recusar educadamente a trabalhar além do horário e, é claro, um vídeo que mostra um funcionário fazendo de tudo para evitar uma ligação telefônica.

Ele afirma que "a ansiedade associada a conversas em tempo real, possíveis constrangimentos, não ter as respostas e a pressão para responder imediatamente" fazem com que ele odeie falar ao telefone.

"As ligações telefônicas nos expõem mais e exigem um nível de intimidade mais alto, enquanto as mensagens de texto são mais distanciadas e permitem que você se conecte sem se sentir vulnerável ou exposto", explica Elena Touroni.

A advogada Dunja Relic, de 27 anos, conta que evita as ligações no local de trabalho porque "elas podem ser demoradas e atrasar as tarefas". Eloise Skinner descreve isso como o sentimento de que "poderia ter sido um e-mail".

"Existe um senso cada vez maior de proteção do nosso tempo", explica ela. "Ligar para alguém exige que a pessoa que recebe a chamada faça uma pausa no seu dia e dedique atenção à conversa - algo difícil para os multitarefas."

O empresário James Holton, de 64 anos, conta que seus funcionários mais jovens raramente respondem às ligações telefônicas: "ou eles têm uma mensagem padrão dizendo que estão ocupados, ou colocam meu número em redirecionamento, de forma que a chamada nunca é recebida".

"Eles sempre têm uma desculpa na manga", segundo Holton. "A mais comum é 'meu telefone está em modo silencioso, de forma que não vi a chamada e me esqueci de ligar mais tarde'."

Ele conta que precisou se adaptar, depois que observou que havia "uma clara dificuldade de comunicação". "Se os funcionários são mais confortáveis com textos, é minha responsabilidade respeitar a decisão deles."

Mas será que a preferência pela comunicação escrita e a tendência de trabalhar em casa estão nos fazendo perder a capacidade de manter conversas informais e não programadas?

Para Skinner, se a tendência atual continuar, "poderemos perder a sensação de proximidade ou conexão".

"Quando nos comunicamos verbalmente, nós nos sentimos mais alinhados, emocional, profissional ou pessoalmente", explica ela. "Esta conexão pode gerar maior sensação de realização, especialmente no ambiente de trabalho."

Mas a gerente de supermercado Ciara Brodie, de 25 anos, contraria a tendência. Ela diz que "adora e reconhece quando meus chefes do trabalho ligam para mim".

"É algo mais atencioso do que a mensagem de texto, pois exige um certo nível de esforço, que faz com que você realmente saiba que seu gerente valoriza sua informação", explica ela.

Ela gosta particularmente de conversar com os colegas pelo telefone nos dias em que trabalha em casa. "Pode ser solitário, de forma que é bom permanecer conectada."

Algumas pessoas podem dizer que esta nova tendência de comunicação é mais uma prova de que somos a "geração floco de neve". Mas, na verdade, estamos muito longe disso.

É mais uma questão de adaptação. É claro que, 25 anos atrás, as pessoas eram resistentes à mudança do fax para o e-mail, mas a mudança tornou a nossa comunicação muito mais eficiente.

Talvez tenha chegado a hora de reconhecer o poder do texto e, da mesma forma que aposentamos a máquina de fax nos anos 1990, podemos deixar as temidas ligações telefônicas para trás em 2024.