sexta-feira, 14 de março de 2025

Augusto Aras blindou Jair Bolsonaro, e o STF virou fiscal da lei, FSP

 A polêmica sobre o papel assumido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes como xerife da República, diante da radicalização do bolsonarismo, passa ao largo da omissão do ex-PGR Augusto Aras.

Aras desmontou as forças-tarefas da Lava Jato, militarizou o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e não investigou o ex-capitão. Dias Toffoli, que não viu golpe em 1964 e nenhum ato antidemocrático de Bolsonaro, rejeitou o pedido de investigação de Aras por prevaricação.

Como sugeriu o advogado e escritor Luís Francisco Carvalho Filho, o ex-capitão já deveria ter sido preso pelo que fez em outros Carnavais.

Procurador-geral da República, Augusto Aras, abraça o presidente Jair Bolsonaro
O ex-procurador-geral da República, Augusto Aras, e Jair Bolsonaro - Adriano Machado - 1.nov.2022/Reuters

Algumas avaliações remetem ao mensalão, comparando a atuação dos relatores Alexandre de Moraes e Joaquim Barbosa.

A denúncia do mensalão, oferecida pelo PGR Antonio Fernando de Souza, é considerada tecnicamente superior à do PGR Paulo Gonet.

A denúncia contra Bolsonaro apresenta termos condicionais (teria sido, possivelmente...) e lapsos.

Imputa 8 de janeiro de 2023 como dano ao patrimônio público. A condenação de vários participantes a penas de prisão expressivas pode reforçar a causa da anistia. Atestaria que naquele dia não houve golpe.

Faltou destacar a biografia do ex-capitão, defensor do golpe de 1964.

Em favor de Gonet, a denúncia do mensalão era menos complexa. Os tipos penais não eram novos e as provas eram mais fáceis de serem levantadas.

Barbosa obteve apoio do colegiado em todas as tentativas de afastá-lo. Quebrou o sigilo da ação penal e foi didático.

Sérgio Rodrigues escreveu que "a linguagem clara do PGR Gonet tem valor cívico".

"O fato de estar expressa em linguagem de gente, aquela que brasileiros alfabetizados entendem, reforça a autoridade moral de uma denúncia devastadora contra a organização criminosa."

Wilson Gomes escreveu que, por temor de adoração futura, críticos atacam preventivamente a imagem de Moraes.

"Fora os bolsonaristas, todos entendem a importância do ministro Moraes, nos anos de radicalização do bolsonarismo, inclusive durante a eclosão da tentativa de golpe no infame 8 de Janeiro."

"Um exemplo clássico foram os ataques a Joaquim Barbosa depois do julgamento do mensalão, quando a muitos parecia que um novo herói político nacional estava sendo forjado no STF", diz Gomes.

"O Supremo só foi descoberto pelos brasileiros com o julgamento do mensalão", escreveu Ivar Hartmann, professor da FGV-Rio, em 2016. Para Hartmann, o papel de herói que a população atribuiu a Joaquim Barbosa e a Sergio Moro não é saudável.

Os ministros do STF sabem que condenar e prender um ex-chefe da Casa Civil e abrir processo contra um senador e o presidente da Câmara não cria instabilidade institucional, dizia ele.

Alguns procuradores criticaram Antonio Fernando por não ter incluído Lula na denúncia do mensalão.

O procurador Celso Tres diz que Antonio Fernando foi cirúrgico. "A Lava Jato ignorou um standard precioso para não desviar-se", diz Tres.

No mensalão, toda a investigação foi da PGR. A Polícia Federal cumpria diligências requeridas. A investigação sobre a tentativa de golpe foi realizada pela PF sob o comando de Moraes.

Nasceu no mensalão a Assessoria de Pesquisa Perícia e Analise, a inteligência do MPF, com cerca de 400 fontes de pesquisa simultânea.

Aras firmou acordo com a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que sucedeu ao SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura militar, para ensinar ao MPF como produzir relatórios de inteligência.

Quem assinou o acordo pela Abin foi o delegado da PF Alexandre Ramagem, que chefiou a segurança de Bolsonaro na eleição de 2018.

Ramagem é acusado pelo crime de organização criminosa armada, tendo feito orientações pessoais a Bolsonaro sobre a alegada fraude nas eleições de 2018.

"Qualquer demora ou leniência contra praticantes de atos e crimes notórios, no caso ex-presidente da República denunciado e a zombar de imediato decreto de prisão poderá conduzir este a uma covarde fuga e nós, o povo, mais a PGR, à insuperável vergonha", diz o escritor e desembargador aposentado Caetano Lagrasta.

"Sempre se pode descobrir algo melhor ou mais digno antes de escorregar um Poder no lodo: lembro a figura de Sydney Sanches quando de forma escorreita presidiu o STF e o processo de impeachment de Collor. E, ao depois, recusou quaisquer acenos ou convites de ilusórias virtudes ou miseráveis vitórias".

quinta-feira, 13 de março de 2025

Lula pode reverter mau momento e ampliar chances da esquerda em 2026, Marcos Augusto Gonçalves - FSP

 O mau momento do presidente Lula, aferido por pesquisas de opinião, tem animado a direita, seja a moderada ou a populista radical. Em alguns círculos, já se elucubra sobre a suposta evidência de que a esquerda não teria mesmo mais discurso e projeto para a sociedade brasileira contemporânea. Esta, finalmente, teria em seus segmentos populares se rendido ao culto da prosperidade e ao empreendedorismo —alguém falou autoengano?—, num sinal de aprovação de concepções liberais.

Compreende-se a aflição dos antipetistas, uma vez que, no primeiro quarto deste século, o Partido dos Trabalhadores venceu cinco das seis disputas presidenciais. Nesse período, a direita dita civilizada surfou na derrubada de Dilma Rousseff e no governo protogolpista de Temer, o mais impopular da história; a seguir, com o fiasco das terceiras vias, associou-se à aventura bolsonarista, que prometia com o pinochetista neoliberal Paulo Guedes uma espécie de nova revolução americana nos trópicos; por fim, restou a abstenção ou engolir a contragosto a "frente ampla" lulista.

Um homem com cabelo grisalho e barba branca, vestindo um terno escuro e uma camisa azul clara, está olhando para cima com uma expressão pensativa. Ao fundo, há uma pessoa vestindo um terno escuro e uma gravata rosa, parcialmente visível
O presidente Lula durante lançamento de programa para facilitar o acesso a empréstimos bancários para trabalhadores no Palácio do Planalto, em Brasília - Evaristo Sá - 12.mar.2025/AFP

Lula e o PT têm cometido erros em série neste terceiro mandato, mas também acertos. Tenho minhas reservas sobre a análise de que a queda da popularidade do presidente seria estrutural.

Há, sim, uma fadiga com a longevidade do líder petista, com seus arroubos verborrágicos e sua personalidade autocentrada. Talvez o país —isso é só uma impressão— preferisse algo diferente.

Ocorre que há uma chance plausível de o mal-estar ser, ao menos em parte, dissipado, e a perspectiva de um novo mandato da esquerda se ampliar.

Seria preciso considerar pelo menos dois fatores. O primeiro é o que parece ser a causa primordial do mau humor —a inflação de alimentos. Não há quem resista à disparada de preços na mesa da classe média, pobres e remediados.

Existe, contudo, uma expectativa de diminuição da conta nos próximos meses, três, quatro, seis, quem sabe. Ao mesmo tempo, não podem ser desconsiderados, mesmo que desvanecidos pelos sustos nas gôndolas, o aumento de emprego e renda e o significativo crescimento do PIB em 2023 e 2024, contrariando as bolas de cristal de "especialistas".

O outro fator a levar em conta é a ausência de lideranças claras e fortes na direita. Bolsonaro pode ser considerado candidato fora do baralho —e a fantasia da anistia não ajuda muito. Sua criatura mais vistosa é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. É o atual "darling" da direita e do mercado, cujas incansáveis bandeiras são ajuste fiscal com cortes de gastos sociais e privatizações encabeçadas pela Petrobras —ideias por si pouco atraentes para o grande eleitorado. Tarcísio, todavia, com apoio de seu demiurgo, teria atrativos a acrescentar para rebanhos mais amplos.

Só que não se sabe se está disposto a contrariar Bolsonaro e se correria o risco de sair do cargo em abril de 2026, abandonar uma reeleição estadual garantida e enfrentar o grande animal político-eleitoral do Brasil, mesmo que ferido, com a máquina governamental na mão. A resposta parece ser não.

Escrevi aqui, em maio do ano passado, que o projeto de Lula para 2026 estava subindo no telhado. De fato, mas ainda pode descer e voltar à rampa do Planalto. O jogo está longe de ser definido.