sábado, 6 de abril de 2024

E Lá Se Vão Meus Anéis

E lá se vão...

Lá se vão meus anéis diz o refrão

Mas meus dedos são dez, duas mãos

E a mulher que tu és: oh, não!

Isso não são papéis não são

Não merece os meus réis de pão

Mete os pés pelas mãos

E lá se vão meus anéis

Lá se vão meus anéis diz o refrão

Mas meus dedos são dez, duas mãos

E a mulher que tu és: oh, não!

Isso não são papéis não são

Não merece os meus réis de pão

Mete os pés pelas mãos

Todos sabem que o meu coração

É uma casa aberta não sei porque

Portas e janelas dão pra você

Dão, deram e darão

É por que a chave do meu coração

Somente o teu coração pode abrir

E lá vai meu coração por aí

Mas não perdoa não

E lá se vão meus anéis

Lá se vão meus anéis, outros virão

Nas primeiras marés encho as mãos

Mas me por a teus pés, oh, não!

Nem que fosse o que resta então

Nem que virem cruéis os bons

E fiéis os cristãos

Todos sabem que o meu coração

É uma casa aberta não sei porque

Portas e janelas dão pra você

Dão, deram e darão

É por que a chave do meu coração

Somente o teu coração pode abrir

E lá vai meu coração por aí

Mas não perdoa não

E lá se vão meus anéis

Lá se vão meus anéis, outros virão

Nas primeiras marés encho as mãos

Mas me por a teus pés, oh, não!

Nem que fosse o que resta então

Nem que virem cruéis os bons

E fiéis os cristãos

E lá se vão meus anéis

La laiá la laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

Laiá laiá laiá

La la laiá la la laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

Laiá laiá laiá

La la laiá la la laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

La laiá laiá laiá la laiá

Laiá laiá laiá

Fonte: Musixmatch

Compositores: Paulo Cesar Francisco Pinheiro / Eduardo Gudin

Letra de E Lá Se Vão Meus Anéis © Edicoes Musicais Cordilheiras

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Mauro Calliari - A arte de combater a solidão na grande cidade, FSP (definitivo)

 Cada vez mais pessoas moram sozinhas no Brasil. Em pouco mais de dez anos, o percentual de lares unipessoais aumentou de 12% para quase 16%. São 11,8 milhões no país, distribuídas em todas as idades.

Nos Estados Unidos, esse número chega a mais de 30%. Anos atrás, um comunicado do Ministério da Saúde americano alertou para a epidemia de solidão. Morar sozinho não é nem bom nem ruim, mas, seres gregários que somos, não dá para não constatar que na cidade grande, a "solitude", aquela sensação de estar bem consigo mesmo, pode muitas vezes descambar para a solidão mesmo, aquela sensação de que algo está acontecendo e você ficou de fora.

O assunto é sério, está crescendo e precisa de cidades que ajudem pessoas a se encontrarem. E aqui temos uma contradição: São Paulo oferece milhares de oportunidades de encontros, espaços públicos, cursos, lazer, até de graça. E ao mesmo tempo não facilita que as pessoas cheguem aos lugares e se sintam seguras nos seus deslocamentos.

O encontro virtual e o encontro real

A pandemia multiplicou o que fazemos em casa. A economia de tempo e a conveniência são ótimas, mas o mundo virtual tem limitações. A maior delas é justamente a supressão de oportunidades de surpresas, conversas e encontros imprevistos.

Por mais desprezado que seja, o papo furado, a conversinha fiada faz parte da vida urbana. Na fila da catraca do metrô, no caixa do supermercado ao encontrar um vizinho, sempre tem espaço para um comentário rápido, uma troca de opiniões que pode dar alguma cor ao dia. Por conta disso, alguns supermercados da Holanda estão criando algo que parece um retrocesso: o slow check-out. A ideia é oferecer oportunidades para alguma conversa enquanto as pessoas esperam pela sua vez no caixa. Débito ou crédito?

O encontro no espaço público

A possibilidade de ir a um parque e sentar na grama já traz alívio para o solitário. Nas praças mais vivas da cidade, há o ParCão e o parquinho, que estimulam a convivência ao redor de cães e crianças. Na Freguesia do Ó ou na Penha ainda há praças onde se joga dominó.

Cachorródromo na praça Buenos Aires - Danilo Verpa/Folhapress

Algumas vezes, a multidão das ruas tem um efeito oposto, o de multiplicar a sensação de solidão. Em outras, porém, acontece aquele pequeno milagre que transforma um dia: um músico na Paulista faz com que dois desconhecidos se vejam lado a lado por minutos; um cachorro fofinho gera uma conversa animada; duas pessoas decidem pegar pitangas de uma árvore que algum vizinho plantou.

Para quem se dispõe a pesquisar um pouco, os CEUs, os Sescs, o Centro Cultural, os museus e os equipamentos têm de tudo para todos os gostos, grande parte de graça.

O encontro no espaço privado

Cada cultura tem sua preferência: o pub inglês, o café francês, o boteco brasileiro. No livro "The Great Good Place", Ray Oldenburg cunhou o termo "third place" para diferenciar o que não é casa nem trabalho. Os melhores lugares são aqueles a que uma pessoa pode ir sozinha, encontrar conhecidos e voltar para casa em paz. Academias e cabeleireiros também exemplificam esses lugares que oferecem a chance de criar algum tipo de laço com outras pessoas.

O que falta

Se a cidade anda oferecendo tantas oportunidades de encontro, de surpresas, de negócios interessantes, de compras, de interações minúsculas ou significativas, o que falta?

Falta a tranquilidade de sair de casa e saber que vai chegar a um lugar com conforto. Ou seja, mobilidade com segurança. A Tarifa Zero, atualmente em teste aos domingos, tem potencial para incluir pessoas que hoje não saem de casa simplesmente porque não têm dinheiro para a passagem. Mas, sem percepção de segurança, ninguém fica disponível para uma interação com estranhos, principalmente mulheres.

Daí a importância de investir nos espaços cotidianos da cidade, calçadas, travessias, pontos de ônibus, as infames passarelas, baixios de viaduto: iluminação, proteção contra os veículos, redução do barulho, prevenção de furtos nos lugares óbvios, policiamento, árvores, bancos, fachadas ativas, uso misto etc.

arquitetura e o urbanismo fazem diferença

Uma pesquisa de 2017, em Vancouver, mostrou algo incrível: quem mora em prédios mais altos do que cinco andares tem mais dificuldade de conhecer vizinhos. Se for assim, é bem possível que a forma pouco inspirada da nossa verticalização –prédios altíssimos, estúdios minúsculos, garagens ostensivas e pouca interação com a rua– esteja jogando contra a vida na rua, que poderia ganhar densidade e vitalidade com mais predinhos baixos no lugar de casas.

Prédios ao lado do monotrilho próximo à estação Oratório, na zona Leste de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Outra modalidade de construção que pode combater a solidão são os cohousings. Começaram na Dinamarca, se espalharam por outros países e começaram a chegar ao Brasil­, com mais de 20 projetos em andamento. Num modelo mais criativo do que o condomínio tradicional, cada pessoa mora em sua casa, mas os projetos preveem uma área comum, que abriga as atividades coletivas. Nas mais de 300 comunidades nos Estados Unidos, o pessoal cozinha junto, planta horta, cuida do jardim.

Olhando para tudo isso, tanto o zoneamento como o Plano Diretor recentemente aprovados têm pouquíssimo a oferecer para a urbanidade paulistana. Todo o esforço parece estar na regulação das edificações, na verticalização pouco criativa e quase nada na criação de espaços públicos e privados que estimulem a convivência na cidade e com a cidade. A solidão também se combate com desenho urbano.


É imperativo relembrar o golpe de 1964, André Roncaglia, FSP

 O golpe militar-empresarial de 1964 no Brasil completou 60 anos em 31 de março de 2024. Por ser um dos eventos mais significativos da história brasileira, ele precisa ser lembrado, debatido e esmiuçado, sob pena de o vermos repetido.

A instauração do regime militar no Brasil foi o ápice de uma série de tensões políticas, econômicas e sociais que se acumulavam no país. O governo de João Goulart (Jango) foi um período particularmente turbulento, marcado por intensas disputas ideológicas e uma crise econômica que só fez agravar a instabilidade.

Em contexto de crescente polarização política, Jango promovia suas reformas de base, que visavam ajustar as instituições à modernização econômica deflagrada na década anterior, com Vargas e Kubitschek. As reformas agrária, educacional, bancária, urbana e tributária almejavam reduzir as desigualdades socioeconômicas e, portanto, desafiavam as estruturas de poder.

O conflito social se agravou com a abrupta desaceleração da economia em 1963 (0,6% frente a 6,6%, em 1962), combinada com o descontrole das contas públicas e a aceleração da inflação a 80% no ano. A instabilidade inibia o investimento, enquanto a inflação corroía o poder de compra da população e gerava insatisfação de alguns grupos com o governo, que ainda tinha 70% de aprovação.

A combinação desses fatores mobilizou a oposição contra Jango e criou um terreno fértil para a erupção do golpismo, que já assediava nossa jovem democracia desde 1954. O apoio internacional foi assegurado pela lei que limitava remessa de lucros das empresas estrangeiras ao exterior. A tempestade perfeita estava formada.

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Soldados perto do palanque onde discursou João Goulart, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro - C. Bosco - 13.mar.64/Acervo UH/Folhapress

O golpe de 1964 foi mais um episódio em que o desejo legítimo de promover a justiça social e a modernização do país desafiou a rígida estrutura social e provocou uma reação violenta.

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Estancieiro de origem e parte da elite pecuarista gaúcha, Jango era retratado pela imprensa como facilitador de uma "conspiração comunista". Essa narrativa disseminou o medo na população e foi habilmente explorada pelos setores conservadores e pelas Forças Armadas para justificar a intentona antidemocrática.

A semelhança com a retórica bolsonarista atual não é mera coincidência; é flagrante reincidência.

Vejamos.

Em 2014, cinco décadas depois do levante de abril, iniciava-se outro golpe contra a democracia, quando o candidato derrotado, Aécio Neves, questionou o resultado das eleições presidenciais. Como em 1964, os erros do governo exacerbaram a crise econômica e inflamaram as tensões políticas, criando um ambiente de medo e incerteza que facilitou a mobilização contra o governo de Dilma Rousseff.

Atualizado para o século 21, o golpe dessa vez germinou a partir de dentro do governo, com o auxílio luxuoso do então vice-presidente e apoio empolgado da imprensa. Fruto de "um grande acordo nacional... com Supremo, com tudo", não foi preciso qualquer ruptura da ordem constitucional.

Como em 1964, as rápidas e frágeis mudanças sociais promovidas por um governo progressista contestaram o elitismo histórico-cultural, para usar a expressão de César Calejon, no livro "Esfarrapados".

Acuadas, nossas oligarquias desataram as forças incontroláveis do reacionarismo da extrema direita –turbinadas pelas redes sociais–, levando Bolsonaro ao poder com a retórica negacionista da ciência e apologista da ditadura e da tortura. Escapamos da celebração oficial dos 60 anos do golpe e da sua reedição pelas mãos de Bolsonaro. Foi por pouco... e por ora.

Relembrar e repudiar o golpe de 1964 previnem contra a epidemia de negacionismo histórico que confere viabilidade eleitoral à extrema direita. É vacina antigolpe para reforçar a imunidade democrática.

Nas palavras de Ulysses Guimarães, ao promulgar a Constituição de 1988: "Temos ódio à ditadura... ódio e nojo!"