Cada vez mais pessoas moram sozinhas no Brasil. Em pouco mais de dez anos, o percentual de lares unipessoais aumentou de 12% para quase 16%. São 11,8 milhões no país, distribuídas em todas as idades.
Nos Estados Unidos, esse número chega a mais de 30%. Anos atrás, um comunicado do Ministério da Saúde americano alertou para a epidemia de solidão. Morar sozinho não é nem bom nem ruim, mas, seres gregários que somos, não dá para não constatar que na cidade grande, a "solitude", aquela sensação de estar bem consigo mesmo, pode muitas vezes descambar para a solidão mesmo, aquela sensação de que algo está acontecendo e você ficou de fora.
O assunto é sério, está crescendo e precisa de cidades que ajudem pessoas a se encontrarem. E aqui temos uma contradição: São Paulo oferece milhares de oportunidades de encontros, espaços públicos, cursos, lazer, até de graça. E ao mesmo tempo não facilita que as pessoas cheguem aos lugares e se sintam seguras nos seus deslocamentos.
O encontro virtual e o encontro real
A pandemia multiplicou o que fazemos em casa. A economia de tempo e a conveniência são ótimas, mas o mundo virtual tem limitações. A maior delas é justamente a supressão de oportunidades de surpresas, conversas e encontros imprevistos.
Por mais desprezado que seja, o papo furado, a conversinha fiada faz parte da vida urbana. Na fila da catraca do metrô, no caixa do supermercado ao encontrar um vizinho, sempre tem espaço para um comentário rápido, uma troca de opiniões que pode dar alguma cor ao dia. Por conta disso, alguns supermercados da Holanda estão criando algo que parece um retrocesso: o slow check-out. A ideia é oferecer oportunidades para alguma conversa enquanto as pessoas esperam pela sua vez no caixa. Débito ou crédito?
O encontro no espaço público
A possibilidade de ir a um parque e sentar na grama já traz alívio para o solitário. Nas praças mais vivas da cidade, há o ParCão e o parquinho, que estimulam a convivência ao redor de cães e crianças. Na Freguesia do Ó ou na Penha ainda há praças onde se joga dominó.
Algumas vezes, a multidão das ruas tem um efeito oposto, o de multiplicar a sensação de solidão. Em outras, porém, acontece aquele pequeno milagre que transforma um dia: um músico na Paulista faz com que dois desconhecidos se vejam lado a lado por minutos; um cachorro fofinho gera uma conversa animada; duas pessoas decidem pegar pitangas de uma árvore que algum vizinho plantou.
Para quem se dispõe a pesquisar um pouco, os CEUs, os Sescs, o Centro Cultural, os museus e os equipamentos têm de tudo para todos os gostos, grande parte de graça.
O encontro no espaço privado
Cada cultura tem sua preferência: o pub inglês, o café francês, o boteco brasileiro. No livro "The Great Good Place", Ray Oldenburg cunhou o termo "third place" para diferenciar o que não é casa nem trabalho. Os melhores lugares são aqueles a que uma pessoa pode ir sozinha, encontrar conhecidos e voltar para casa em paz. Academias e cabeleireiros também exemplificam esses lugares que oferecem a chance de criar algum tipo de laço com outras pessoas.
O que falta
Se a cidade anda oferecendo tantas oportunidades de encontro, de surpresas, de negócios interessantes, de compras, de interações minúsculas ou significativas, o que falta?
Falta a tranquilidade de sair de casa e saber que vai chegar a um lugar com conforto. Ou seja, mobilidade com segurança. A Tarifa Zero, atualmente em teste aos domingos, tem potencial para incluir pessoas que hoje não saem de casa simplesmente porque não têm dinheiro para a passagem. Mas, sem percepção de segurança, ninguém fica disponível para uma interação com estranhos, principalmente mulheres.
Daí a importância de investir nos espaços cotidianos da cidade, calçadas, travessias, pontos de ônibus, as infames passarelas, baixios de viaduto: iluminação, proteção contra os veículos, redução do barulho, prevenção de furtos nos lugares óbvios, policiamento, árvores, bancos, fachadas ativas, uso misto etc.
A arquitetura e o urbanismo fazem diferença
Uma pesquisa de 2017, em Vancouver, mostrou algo incrível: quem mora em prédios mais altos do que cinco andares tem mais dificuldade de conhecer vizinhos. Se for assim, é bem possível que a forma pouco inspirada da nossa verticalização –prédios altíssimos, estúdios minúsculos, garagens ostensivas e pouca interação com a rua– esteja jogando contra a vida na rua, que poderia ganhar densidade e vitalidade com mais predinhos baixos no lugar de casas.
Outra modalidade de construção que pode combater a solidão são os cohousings. Começaram na Dinamarca, se espalharam por outros países e começaram a chegar ao Brasil, com mais de 20 projetos em andamento. Num modelo mais criativo do que o condomínio tradicional, cada pessoa mora em sua casa, mas os projetos preveem uma área comum, que abriga as atividades coletivas. Nas mais de 300 comunidades nos Estados Unidos, o pessoal cozinha junto, planta horta, cuida do jardim.
Olhando para tudo isso, tanto o zoneamento como o Plano Diretor recentemente aprovados têm pouquíssimo a oferecer para a urbanidade paulistana. Todo o esforço parece estar na regulação das edificações, na verticalização pouco criativa e quase nada na criação de espaços públicos e privados que estimulem a convivência na cidade e com a cidade. A solidão também se combate com desenho urbano.
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