segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Lygia Maria Não matem o mensageiro, FSP

 Em "Vidas Paralelas", o historiador grego Plutarco relata que o rei armênio Tigranes, ao receber a mensagem de que seu inimigo estava se aproximando, ficou tão irritado que mandou cortar a cabeça do mensageiro. Daí a expressão "Matem o mensageiro!", que descreve o ato de culpar o portador de notícias indesejadas.

Sessão plenária de abertura do segundo semestre judiciário no Supremo Tribunal Federal - Rosinei Coutinho - 1º.ago.23/STF

Atualmente, a expressão remete a ataques à imprensa quando ela divulga informações desagradáveis sobre pessoas e temas com os quais o leitor tem afinidade. Esse modo passional de lidar com o jornalismo parece ser seguido pelo STF.

Na última terça (7), a corte decidiu que jornais podem ser responsabilizados por injúria, difamação ou calúnia proferida por um entrevistado.

O processo tem origem em caso que envolve o ex-deputado federal Ricardo Zarattini, já falecido. Em entrevista para o Diário de Pernambuco em 1995, o delegado Wandenkolk Wanderley disse que Zarattini era o mentor do atentado a bomba no aeroporto de Guararapes (Recife), em 1966. Inocentado em 2013, o deputado entrou com ação contra o jornal.

O relator, ministro Marco Aurélio Mello (hoje aposentado), e a ministra Rosa Weber foram vencidos na decisão. Segundo o voto de Mello proferido em 2020, jornais não podem ser culpados por falas do entrevistado, desde que não emitam opinião. Disse ainda que, por se tratar de caso de repercussão geral, o entendimento pela responsabilização "sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação".

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A decisão do STF pode gerar o "efeito inibidor" (desencorajamento do exercício legítimo de direitos pela ameaça de sanção legal), que afeta o papel de vigia do poder público conferido à imprensa, um dos pilares das democracias modernas.

Não esqueçamos que, em maio de 1992, a revista Veja publicou uma entrevista na qual Pedro Collor de Mello denunciou um esquema de corrupção envolvendo o tesoureiro da campanha de seu irmão. Sete meses depois, Fernando Collor de Mello era afastado da Presidência por um processo de impeachment.


Becky S. Korich - Brasil do Norte, Brasil do Sul, FSP

 O lampejo do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, sobre a divisão do Brasil, atiçou os defensores do "muro já". Um dia depois ele mudou o tom e disse que a sua fala foi tirada de contexto, mas, fato ou fake (é só ler a entrevista para tirar uma conclusão), a ideia do separatismo ficou no ar e produziu os seus efeitos. O primeiro deles foi a queda da popularidade do governador, que desceu para o Sul na tabela do ranking da popularidade digital.

"Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia"

A ideia é antiga, época em que ainda éramos colônia portuguesa. O lugar era o mesmo, na então capitania de Minas Gerais. Embora não fosse estritamente separatista, a Inconfidência Mineira tinha um caráter regionalista. Não alcançou imediatamente seus objetivos, mas fez nascer o Brasil que é hoje. Os idealizadores —Tiradentes, Claudio Manuel da Costa e seus consortes— defendiam a independência política da Coroa Portuguesa. Lutavam por justiça, liberdade e igualdade.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em evento de debate dos 10 anos do arcabouço jurídico anticorrupção brasileiro, em São Paulo
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em evento de debate dos 10 anos do arcabouço jurídico anticorrupção brasileiro, em São Paulo - Zanone Fraissat - 31.jul.23/Folhapress

"A novidade era a guerra entre o feliz poeta e o esfomeado"

Na mesma Minas Gerais, ressurge essa ideia "genial", cheia de aspas: a criação de uma união dos Estados do Sul e Sudeste, com base no "protagonismo" dos estados situados nessa região. Com um objetivo inverso ao da Inconfidência: menos justiça, liberdade e igualdade.

"Essa alma brasileira
Despencando da ladeira"

A integridade territorial do Brasil já resistiu a vários movimentos separatistas, mas esse em especial tem uma fundamentação "brilhante": não se pode (sic) "dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixar de lado as que estão produzindo muito". A teoria das vaquinhas, talvez tenha sido uma forma elegante de falar: de um lado os "produtivos", do outro, "os outros".

"Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão"

A verdade é que separados já estamos. Vivemos mundos diferentes, da falta de luz elétrica a cidades inteligentes, num mesmo Brasil dividido, desencontrado e desigual. Só falta construir o muro. Curioso que o Centro-Oeste foi deixado de lado no discurso: seria uma região híbrida de acordo com a produção do ano? Mas vê-se no traço do mapa separatista que Mato Grosso está inserido no bloco Sul-Sudeste, um pequeno ajuste territorial em nome da soja e do milho.

"Da força da grana que ergue
E destrói coisas belas"

Sob os aspectos políticos e econômicos, tudo estaria "resolvido". Mas teríamos que nos acostumar com acarajé sendo comida internacional no Brasil do Sul, Rita Lee sendo uma estrangeira para o Brasil do Norte. Teríamos dois times para disputar a copa do mundo: chances dobradas (ou divididas?) para vencer. E, claro, Jericoacara, Fernando de Noronha e Trancoso ficariam como enclaves do Sul e Sudeste, para os "mais produtivos" descansarem.

"O Brazil não merece o Brasil
O Brazil tá matando o Brasil"

Não é hora de mais divisões. Não é porque estamos cheios de pedaços, é que podemos nos deixar estraçalhar.

"Alguma coisa está fora da ordem."

Salve Chico, Gil, Lenine, Renato Russo, Caetano, Elis e todos os que fazem o nosso Brasil ser um.

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Brasil pode liderar em infraestrutura digital, Ronaldo Lemos, FSP

 Guarde essas três palavras: infraestrutura digital pública. Qualquer país para se desenvolver hoje precisa não só de infraestrutura física (rodovias, ferrovias, portos etc.) mas também de uma infraestrutura digital. Pergunte à Índia. O país sofre há anos com a precariedade da sua infraestrutura física. Mas foi capaz de criar uma infraestrutura digital para mais de 1,2 bilhão de pessoas que mudou o país. O pacote inclui identidade digital única e gratuita para todos os cidadãos. Um serviço de armazenamento de documentos online que elimina o uso do papel. Além de contas bancárias gratuitas e um sistema universal de pagamentos digitais.

Não é preciso ir até a Índia para ver a importância de iniciativas como essas. É só olhar para o Brasil. Não estamos atrás de outros países nesse quesito. A prova é o Pix. Ele não só revolucionou pagamentos no país, como se tornou um exemplo de infraestrutura digital pública de fazer inveja mundial, a ponto de estar sendo copiado inclusive por países desenvolvidos. Minha convicção é que o Brasil pode se tornar a maior liderança global em infraestrutura digital. Há muitas sementes plantadas para isso: o Pix, a plataforma Gov.Br, a nota fiscal eletrônica, o Datasus (que usa blockchain!), o projeto do Real digital e assim por diante.

O que falta são duas coisas. Primeiro, entender essas infraestruturas de forma coordenada, pensando seu presente e futuro com estratégia. Segundo, o Brasil precisa obedecer ao comando da música de Xande de Pilares: "ergue essa cabeça, mete o pé e vai na fé". Assumirmos para o mundo que o que já fizemos até agora nessa área é extraordinário. E colocar nosso protagonismo para os próximos três anos.

Bancos dizem que parcelado sem juros contribui para patamar elevados das taxas de juros praticado no mercado local - Gabriel Cabral/Folhapress

Há uma oportunidade única para o Brasil demarcar sua liderança sobre esse tema globalmente: a reunião do G20, encontro dos 20 países mais ricos, que acontecerá no Rio de Janeiro em 2024. A ocasião será perfeita para o país mostrar o que já fizemos e o que podemos fazer. A atual presidência do G20 é da Índia. Qual foi o tema que o país escolheu como prioritário para sua gestão? Justamente a questão da infraestrutura pública digital. A possibilidade de construir cooperação nessa área é enorme se nos prepararmos.

Vale também dizer que a palavra "pública" aqui não significa "estatal". Infraestrutura digital pública é um esforço que deve envolver vários atores, incluindo o setor privado, a sociedade civil, as universidades, organizações internacionais e assim por diante. Claro que o governo tem um papel de coordenar e participar desses esforços, mas não deve atuar sozinho. Um excelente exemplo nesse sentido é o que Portugal tem feito para atrair cabos submarinos, tornando o país a principal porta de dados para a Europa. A cidade portuária de Sines hoje é não só um hub de mercadorias, mas também de informação. Lá ficam as "cable landing stations" que conectam boa parte do Atlântico. O resultado está aí para ser conferido: o surgimento de grandes centros de dados em Portugal. O mais novo deles, em execução, vai criar 1.200 empregos de alta qualidade em Sines.

Como diz o ditado: camarão que dorme a onda leva. Sobre infraestrutura pública digital não podemos ser esse camarão.

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Já era – achar que é ok ficar o dia e a noite toda no celular

Já é – China controlando o tempo que crianças e adolescentes podem ficar em games

Já vem – China criando um "modo criança" no celular, que limita o tempo de uso de jovens e crianças a 2 horas por dia