As ações da distribuidora de energia Light afundaram nesta terça-feira (7), em nova rodada de perdas que marcam a desconfiança dos investidores em relação ao futuro da concessão. A cotação mergulhou 13,55% no dia, fechando em R$ 2,68. Foi a segunda maior queda, atrás apenas de Americanas, que recuou 21,39%.
A Light tem inúmeros problemas bem conhecidos. Desde 2020, quando a ação chegou a valer R$ 23,23, a perda acumulada é de 88%. No entanto, não estava no radar dos gestores da área de energia um estresse desse tamanho neste começo de ano. A parcela maior da dívida, por exemplo, vence apenas em 2024.
A nova rodada de perdas acionárias foi deflagrada pela própria empresa quando ficou público, no final de janeiro, que havia contratado os serviços da Laplace, conhecida por reestruturar companhias com problemas financeiros, entre elas a operadora Oi.
Tanto foi assim que, na sequência, as principais agências de classificação risco de crédito, Fitch, Moody's e Standard & Poors, rebaixam a nota da empresa.
Também contribuiu para elevar a desconfiança o fato de a Light ter entre os maiores acionistas o empresário Carlos Alberto Sicupira, também acionista de referência nas Americanas, a varejista em profunda crise. Sicupira é sócio do grupo 3G, junto com Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.
O empresário tem pouco mais de 10% da empresa, atrás apenas do fundo Samambaia, do investidor Ronaldo Cézar Coelho. Quem acompanha a empresa afirma que, nos últimos anos, a dupla teve influência decisiva na gestão do negócio por causa desse peso acionário.
Há quem interprete o mau humor do mercado com a Light como contágio das Americanas. Também existe quem desconfie que a companhia pode ter contratado a Laplace antecipando um movimento, porque haveria algum problema sério a ser apresentado no balanço do quarto trimestre, como ocorreu com as Americanas.
Surgiram inúmeros boatos, entre eles o de que a empresa iria pedir recuperação judicial, algo que a lei proíbe para as distribuidoras.
Para além das desconfianças e conjecturas de curto prazo, quem conhece a distribuidora por dentro afirma que a situação é delicada e emite sinais importantes para o setor de energia como um todo, que está num momento de revisão de concessões.
Pelo cronograma oficial do governo, que autoriza empresas a prestar serviços públicos, 20 concessões de distribuidoras de energia vão vencer entre 2025 e 2031. Cerca de 18 meses antes da data final, as empresas precisam se posicionar sobre a questão. No entanto, não existe nenhum sinal até agora sobre como seriam encaminhadas essas concessões pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Gestores públicos afirmam que a indefinição sobre concessões é o pior dos cenários na prestação de serviços. As empresas costumam ficar paralisadas, seguram investimentos e vários problemas de atendimento podem surgir nesse vácuo. O mesmo vale para os investidores e bancos credores. Não mexem.
AÇÃO DE TRÁFICO E MILÍCIAS LEVA SETOR A DISCUTIR MODELO ESPECIAL PARA A LIGHT
A Light é a segunda nessa fila de contratos com data marcada para acabar. A concessão vai vencer em 2026. Mas a sua situação mais frágil no momento faz com que os credores sejam mais rigorosos.
Ela é uma das maiores distribuidoras de energia do país. Atende 4,5 milhões de usuários no Rio de Janeiro, sexto mercado consumidor nesse segmento. No entanto, 20% de sua área de cobertura está em locais dominados por narcotráfico e controle armado de milícias.
Em alguns pontos, como a zona oeste, a milícia chega a fazer ligações em seus empreendimentos imobiliários usando a energia da Light e cobrando do consumidor final como se produzisse a energia. Em áreas onde a ligação é da distribuidora, a milícia cobra taxa adicional, o que acaba incentivando o cliente a desistir do serviço oficial.
É um círculo vicioso, pois quanto maiores as perdas, maiores são os custos que precisam ser rateados entre os pagantes, elevando a conta de luz de quem paga em dia.
"A milícia parasita a infraestrutura urbana numa espécie de extrativismo", diz Daniel Hirata, coordenador do Núcleo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, que estuda o fenômeno no Rio e atesta que ele é grave.
Por causa do elevado custo com furto de energia e da inadimplência, a empresa queima caixa, como se diz, ou seja, consome mais recursos do que consegue ganhar. São cerca de R$ 800 milhões por ano.
"A gente costuma dizer que, em situação normal, ela já frita caixa", diz Ângela Gomes, da PSR, consultoria especializada em energia. "No atual momento, essa incerteza em relação à concessão é muito ruim, está destruindo valor."
A empresa registrou na demonstração financeira do terceiro trimestre que tinha uma dívida de R$ 8,7 bilhões. Gestores de fundos voltados a energia afirmaram à reportagem, com a condição de não terem o nome citados, que já seria natural os bancos não rolarem a dívida da empresa no prazo que abarcasse o pós 2026. Porém, a deterioração da credibilidade de um acionista relevante neste começo de ano, somada às perdas já conhecidas da empresa e a indefinição da concessão dificultam o diálogo desde já.
A percepção no mercado é que a atual crise tende a deflagrar a discussão sobre os destino da concessão.
As alternativas não são muitas, mas todas exigem negociação e incluem o mesmo ponto de partida: será preciso criar um modelo particular de concessão para os locais dominados pelo crime no Rio de Janeiro. A avaliação dos especialistas é que o modelo de regulação padrão não funciona, e as perdas são elevadas e consideradas insustentáveis para o investidor privado. Se a revisão disse, a LIght vai reviver crises.
Entre as sugestões avaliadas no mercado estão retirar as áreas perigosas da concessão ou compensar de alguma forma as perdas, sem transferi-las para conta de luz, pois tornariam o custo proibitivo para o consumidor.
Quem avalia a questão diz que, se os atuais acionistas quiserem permanecer, podem ser feitas mudanças regulatórias, mas não alterações contratuais, na avaliação de algumas áreas jurídicas do setor. Há entendimento que o TCU (Tribunal de Contas da União) não permite mudança em contrato de concessão vigente. Então, haveria uma limitação para os atuais acionistas. Será preciso consultar o órgão.
Eles também teriam a opção de vender a empresa para outros controladores. Nesse caso, seria preciso reduzir o preço final, ainda que houvesse revisão no modelo de concessão. Os ativos da Light valem R$ 10 bilhões, mas a avaliação é que haveria certa dificuldade para conseguir um investidor que pagasse o valor cheio por uma empresa envolvida em crise. Uma eventual relicitação seguiria o mesmo caminho.
A ideia de reestatizar a companhia, como já ocorreu no passado, está fora do radar. Nesse caso, a conta bilionária teria de ser paga pela União.
Procurada, a Light não deu retorno até a publicação deste texto.