quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Crise da Light antecipa debate sobre fim de concessões, FSP

 

BRASÍLIA

As ações da distribuidora de energia Light afundaram nesta terça-feira (7), em nova rodada de perdas que marcam a desconfiança dos investidores em relação ao futuro da concessão. A cotação mergulhou 13,55% no dia, fechando em R$ 2,68. Foi a segunda maior queda, atrás apenas de Americanas, que recuou 21,39%.

A Light tem inúmeros problemas bem conhecidos. Desde 2020, quando a ação chegou a valer R$ 23,23, a perda acumulada é de 88%. No entanto, não estava no radar dos gestores da área de energia um estresse desse tamanho neste começo de ano. A parcela maior da dívida, por exemplo, vence apenas em 2024.

Homem de unifrome bege, colete laranja e capacete laranja, sentado sobre uma plataforma no alto de uma torre
Trabalhador da Light inspeciona linha em Nova Iguaçu (RJ) - Antonio Scorza - 28.nov.2010/AFP

A nova rodada de perdas acionárias foi deflagrada pela própria empresa quando ficou público, no final de janeiro, que havia contratado os serviços da Laplace, conhecida por reestruturar companhias com problemas financeiros, entre elas a operadora Oi.

Tanto foi assim que, na sequência, as principais agências de classificação risco de crédito, Fitch, Moody's e Standard & Poors, rebaixam a nota da empresa.

Também contribuiu para elevar a desconfiança o fato de a Light ter entre os maiores acionistas o empresário Carlos Alberto Sicupira, também acionista de referência nas Americanas, a varejista em profunda crise. Sicupira é sócio do grupo 3G, junto com Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles.

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O empresário tem pouco mais de 10% da empresa, atrás apenas do fundo Samambaia, do investidor Ronaldo Cézar Coelho. Quem acompanha a empresa afirma que, nos últimos anos, a dupla teve influência decisiva na gestão do negócio por causa desse peso acionário.

Há quem interprete o mau humor do mercado com a Light como contágio das Americanas. Também existe quem desconfie que a companhia pode ter contratado a Laplace antecipando um movimento, porque haveria algum problema sério a ser apresentado no balanço do quarto trimestre, como ocorreu com as Americanas.

Surgiram inúmeros boatos, entre eles o de que a empresa iria pedir recuperação judicial, algo que a lei proíbe para as distribuidoras.

Para além das desconfianças e conjecturas de curto prazo, quem conhece a distribuidora por dentro afirma que a situação é delicada e emite sinais importantes para o setor de energia como um todo, que está num momento de revisão de concessões.

Pelo cronograma oficial do governo, que autoriza empresas a prestar serviços públicos, 20 concessões de distribuidoras de energia vão vencer entre 2025 e 2031. Cerca de 18 meses antes da data final, as empresas precisam se posicionar sobre a questão. No entanto, não existe nenhum sinal até agora sobre como seriam encaminhadas essas concessões pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

Gestores públicos afirmam que a indefinição sobre concessões é o pior dos cenários na prestação de serviços. As empresas costumam ficar paralisadas, seguram investimentos e vários problemas de atendimento podem surgir nesse vácuo. O mesmo vale para os investidores e bancos credores. Não mexem.

AÇÃO DE TRÁFICO E MILÍCIAS LEVA SETOR A DISCUTIR MODELO ESPECIAL PARA A LIGHT

A Light é a segunda nessa fila de contratos com data marcada para acabar. A concessão vai vencer em 2026. Mas a sua situação mais frágil no momento faz com que os credores sejam mais rigorosos.

Ela é uma das maiores distribuidoras de energia do país. Atende 4,5 milhões de usuários no Rio de Janeiro, sexto mercado consumidor nesse segmento. No entanto, 20% de sua área de cobertura está em locais dominados por narcotráfico e controle armado de milícias.

Em alguns pontos, como a zona oeste, a milícia chega a fazer ligações em seus empreendimentos imobiliários usando a energia da Light e cobrando do consumidor final como se produzisse a energia. Em áreas onde a ligação é da distribuidora, a milícia cobra taxa adicional, o que acaba incentivando o cliente a desistir do serviço oficial.

É um círculo vicioso, pois quanto maiores as perdas, maiores são os custos que precisam ser rateados entre os pagantes, elevando a conta de luz de quem paga em dia.

"A milícia parasita a infraestrutura urbana numa espécie de extrativismo", diz Daniel Hirata, coordenador do Núcleo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, que estuda o fenômeno no Rio e atesta que ele é grave.

Por causa do elevado custo com furto de energia e da inadimplência, a empresa queima caixa, como se diz, ou seja, consome mais recursos do que consegue ganhar. São cerca de R$ 800 milhões por ano.

"A gente costuma dizer que, em situação normal, ela já frita caixa", diz Ângela Gomes, da PSR, consultoria especializada em energia. "No atual momento, essa incerteza em relação à concessão é muito ruim, está destruindo valor."

A empresa registrou na demonstração financeira do terceiro trimestre que tinha uma dívida de R$ 8,7 bilhões. Gestores de fundos voltados a energia afirmaram à reportagem, com a condição de não terem o nome citados, que já seria natural os bancos não rolarem a dívida da empresa no prazo que abarcasse o pós 2026. Porém, a deterioração da credibilidade de um acionista relevante neste começo de ano, somada às perdas já conhecidas da empresa e a indefinição da concessão dificultam o diálogo desde já.

A percepção no mercado é que a atual crise tende a deflagrar a discussão sobre os destino da concessão.

As alternativas não são muitas, mas todas exigem negociação e incluem o mesmo ponto de partida: será preciso criar um modelo particular de concessão para os locais dominados pelo crime no Rio de Janeiro. A avaliação dos especialistas é que o modelo de regulação padrão não funciona, e as perdas são elevadas e consideradas insustentáveis para o investidor privado. Se a revisão disse, a LIght vai reviver crises.

Entre as sugestões avaliadas no mercado estão retirar as áreas perigosas da concessão ou compensar de alguma forma as perdas, sem transferi-las para conta de luz, pois tornariam o custo proibitivo para o consumidor.

Quem avalia a questão diz que, se os atuais acionistas quiserem permanecer, podem ser feitas mudanças regulatórias, mas não alterações contratuais, na avaliação de algumas áreas jurídicas do setor. Há entendimento que o TCU (Tribunal de Contas da União) não permite mudança em contrato de concessão vigente. Então, haveria uma limitação para os atuais acionistas. Será preciso consultar o órgão.

Eles também teriam a opção de vender a empresa para outros controladores. Nesse caso, seria preciso reduzir o preço final, ainda que houvesse revisão no modelo de concessão. Os ativos da Light valem R$ 10 bilhões, mas a avaliação é que haveria certa dificuldade para conseguir um investidor que pagasse o valor cheio por uma empresa envolvida em crise. Uma eventual relicitação seguiria o mesmo caminho.

A ideia de reestatizar a companhia, como já ocorreu no passado, está fora do radar. Nesse caso, a conta bilionária teria de ser paga pela União.

Procurada, a Light não deu retorno até a publicação deste texto.

Presidente da Marisa renuncia; grupo fará reestruturação interna, OESP

 


Marisa Lojas informou que o diretor presidente Adalberto Pereira dos Santos renunciou à presidência da empresa, sendo substituído interinamente por Alberto Kohn de Penhas, atual vice-presidente comercial e executivo. Em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a empresa informou ainda que Marcelo Adriano Casarin, membro do conselho de administração, também renunciou ao cargo.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a varejista Marisa deu início a uma renegociação de seu passivo, envolvendo um montante de cerca de R$ 600 milhões. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a ideia da companhia não é viabilizar um corte desse valor, mas alongar prazo. O evento da crise na Americanas prejudicou as condições de crédito no mercado para o varejo e, diante a vencimentos próximos, a Marisa optou por conversar com seus credores, majoritariamente bancos, disse uma das fontes. Assim como com a Americanas, a maior parte da divida dos bancos é sem garantia.

O montante envolvido na reestruturação de Marisa é pequeno face aos valores que serão renegociados pela Americanas, que está em recuperação judicial e declarou dívidas de mais de R$ 40 bilhões.

THE NEW YORK TIMES Nova forma de gelo pode ajudar cientistas planetários, FSP

 Kenneth Chang

THE NEW YORK TIMES

Agitada e resfriada —mas não mexida—, a água congelada comum se transforma em algo diferente: uma forma recém-descoberta de gelo feita de uma mistura de moléculas com propriedades únicas.

"Isso é completamente inesperado e muito surpreendente", disse Christoph Salzmann, professor de química da University College London, no Reino Unido, e autor de um artigo publicado na semana passada na revista Science que descrevia o gelo.

A água é uma molécula simples que tem sido intensamente estudada por cientistas há séculos: dois átomos de hidrogênio projetando-se em um ângulo de 104,5 graus em forma de V de um átomo central de oxigênio.

Gelo normal com bolas de aço em um compartimento foram os componentes usados por cientistas para chegarem ao gelo amorfo de média densidade
Gelo normal com bolas de aço em um compartimento foram os componentes usados por cientistas para chegarem ao gelo amorfo de média densidade - Christoph Salzmann via NYT

A nova descoberta mostra, mais uma vez, que a água, molécula sem a qual se sabe que não existe vida, esconde surpresas científicas ainda não reveladas. Este experimento empregou equipamentos relativamente simples e baratos para revelar uma forma de gelo que poderia existir em outras partes do sistema solar e em todo o universo.

Na vida cotidiana, encontramos três formas de água: um gás em forma de vapor, água líquida corrente e gelo duro e escorregadio. O gelo de nossa vida cotidiana consiste em moléculas de água alinhadas em um padrão hexagonal, e essas treliças hexagonais se empilham ordenadamente umas sobre as outras. A estrutura hexagonal não é bem compactada, e por isso o gelo é menos denso que a água líquida e flutua.

Com permutações de temperatura e pressão fora do que geralmente ocorre na Terra, as moléculas de água podem ser forçadas a assumir outras estruturas cristalinas. Os cientistas conhecem hoje 20 formas cristalinas de água. A vigésima forma de gelo foi descoberta no ano passado.

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Além disso, os pesquisadores também documentaram dois tipos de gelo com moléculas mistas, o que eles chamam de materiais amorfos. Como um dos gelos amorfos é mais denso que a água, ele é conhecido como gelo amorfo de alta densidade; o outro, com densidade menor que a da água, é gelo amorfo de baixa densidade. Gelos amorfos não são encontrados na Terra, mas podem ser predominantes no espaço sideral, em cometas, nuvens interestelares e mundos gelados como Europa, uma lua de Júpiter.

Comparação entre as estruturas moleculares do cristal de gelo normal, à esquerda, e do gelo amorfo de média densidade
Comparação entre as estruturas moleculares do cristal de gelo normal, à esquerda, e do gelo amorfo de média densidade - Michael Davies via NYT

Existe até um tipo de água que é líquida e sólida. Em 2018, os cientistas anunciaram a criação da "água superiônica", que era simultaneamente sólida e líquida.

Salzmann e seus colegas não pretendiam aumentar o catálogo de gelos de água. Em vez disso, queriam estudar cristais de gelo muito pequenos, porque pedaços minúsculos de algo às vezes possuem propriedades muito diferentes de pedaços maiores do mesmo material.

Assim, Alexander Rosu-Finsen, um cientista de pós-doutorado no grupo de pesquisa de Salzmann e principal autor do artigo da Science, começou a esmigalhar gelo. O gelo de água foi primeiro resfriado em nitrogênio líquido a -320 graus Fahrenheit (-195,5°C) e depois colocado em um recipiente junto com bolas de aço. Uma máquina então sacudiu o gelo e as bolas de aço, ainda resfriadas em temperaturas ultrafrias, de um lado para outro 20 vezes por segundo, pulverizando o gelo em pedaços minúsculos, processo conhecido como moagem de bolas.

Pense nisso como uma coqueteleira de alta tecnologia.

Então Rosu-Finsen abriu o recipiente.

"Algo completamente inesperado aconteceu", disse Rosu-Finsen, que agora é editor associado da revista Nature Reviews Chemistry.

É muito legal. O que isso nos diz é que ainda há muitas coisas que não entendemos

Marius Millot

Físico do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia

O material branco dentro parecia o que se esperaria de gelo esmagado, mas havia sido transformado.

O material agora era mais denso e grande parte da estrutura cristalina tinha sido destruída, produzindo um material amorfo. A densidade, no entanto, não correspondia aos já conhecidos gelos amorfos de alta e baixa densidade. Curiosamente, ficou no meio; na verdade, era quase exatamente a mesma densidade da água líquida. Até agora, todas as formas sólidas de gelo, cristalinas ou amorfas, eram significativamente mais densas ou menos densas que a água líquida.

Os pesquisadores o chamaram de gelo amorfo de média densidade, ou MDA.

A batida das bolas de aço aplicou uma força de cisalhamento nos cristais de gelo, o suficiente para derrubar as moléculas de água de suas posições cristalinas, permitindo que fossem compactadas com mais firmeza.

"É muito legal", disse Marius Millot, físico do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, que liderou o experimento que criou a água superiônica. "O que isso nos diz é que ainda há muitas coisas que não entendemos."

O fato de o gelo amorfo de densidade média ter quase a mesma densidade da água líquida levanta a possibilidade de que seja realmente um vidro, uma cacofonia líquida de moléculas fluindo até esfriar, desacelerar e congelar no tempo sem cristalizar, ainda desordenado.

"Essa é a pergunta chave", disse Salzmann. "O MDA é o copo de água líquida?"

Experimentos de acompanhamento podem adicionar impurezas ao gelo. "Fizemos os experimentos com gelo puro", disse Salzmann. "A próxima pergunta é: o que acontecerá se começarmos a misturar outras coisas?"

As descobertas podem ser úteis para os cientistas planetários. As temperaturas caem dentro do que é encontrado em Europa, e Júpiter exerce enormes forças de maré na lua oceânica gelada, que será visitada e estudada de perto pela Nasa e orbitadores europeus.

"Você obtém exatamente o mesmo tipo de movimento de cisalhamento", disse Salzmann. "A especulação agora é que poderia haver algum MDA no sistema solar externo."

Os pesquisadores também descobriram uma propriedade do MDA que é única entre os gelos de água. Para a maioria dos materiais, se você comprimi-lo e depois liberar a pressão, ele simplesmente volta a ser como era antes. Mas comprimir o MDA e depois liberar a pressão e aquecê-lo liberou uma grande explosão de energia.

Essa energia, liberada à medida que o gelo amorfo recristaliza, pode desencadear terremotos de gelo, por exemplo.

Isso significa que talvez a física do novo gelo possa desempenhar um papel na formação da crosta gelada de Europa e na dinâmica do gelo mais abaixo no oceano da Lua, com implicações para saber se as condições lá poderiam ser favoráveis à vida.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves