domingo, 15 de janeiro de 2023

Navio fantasma pode ser considerado legítimo produto de exportação, Elio Gaspari, FSP

 A empresa MSK, que em dezembro de 2021 comprou o falecido porta-aviões São Paulo e desde agosto passado vaga com ele pelos mares, ameaçou abandoná-lo em águas territoriais brasileiras.

O casco do São Paulo foi liberado para exportação pelas repartições militares e ambientais e virou uma bomba ecológica. Ele deveria ser desmanchado na Turquia, mas foi enxotado. Voltou para o Rio e quis ir para Recife, mas nenhum dos dois portos o aceita.

A MSK já gastou alguns milhões de dólares mantendo e rebocando o navio fantasma em que se transformou o falecido porta-aviões, considerado um legítimo produto de exportação.

O NAe São Paulo (A-12) é um porta-aviões da classe Clemenceau, que esteve a serviço da Marinha do Brasil entre 2000 e 2014, tendo sido descomissionado em 2020 - Rob Schleiffert - 19.ago.22/Flickr

TEMPESTADE PERFEITA

Com todas as encrencas que estão no tabuleiro, pareceu despicienda a descoberta de uma "inconsistência" de R$ 20 bilhões no balanço das Lojas Americanas, grande e tradicional rede de comércio varejista de Pindorama. Coisa de mais de US$ 4 bilhões. Ervanário para ninguém botar defeito. As inconsistências parecem vir de longe.

A revelação deveu-se ao CEO da empresa, Sergio Rial. Ele tinha nove dias no cargo e explicou: "Tive uma Escolha de Sofia, eu falo ou não?"

Falou, e fez muito bem.

Quem prende deve pensar na hora de soltar, Elio Gaspari, FSP

 Desde domingo (8) foram presas pelo menos 1.800 pessoas em Brasília. Delas, umas 1.300 estavam no acampamento golpista diante do quartel-general do Exército. Cerca de 500 foram detidas na cena das invasões do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal e do Congresso. Muitos dos que foram presos no acampamento haviam participado das invasões e retornaram à noite.

Apesar da superposição, os dois grupos são distintos. Quem estava no acampamento pedindo um golpe de Estado não pode ser suspeito de ter praticado ato de vandalismo nas sedes dos três Poderes da República. São dois comportamentos reprováveis, porém distintos.

Soldados do exército desmontam e retiram objetos do acampamento bolsonarista em frente ao QG do Exército, após a prisão dos manifestantes golpistas que lá estavam desde o resultado do segundo turno das eleições - Pedro Ladeira - 9.jan.23/Folhapress

bem-aventurado arrastão de Brasília foi o maior da história nacional. Superou dois outros, o do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna (1968), e o da PUC de São Paulo (1977), onde jovens comemoravam a refundação da UNE (União Nacional dos Estudantes).

Quem prende deve pensar em soltar aqueles que não constituem uma ameaça imediata à sociedade.

Os arrastões de 1968 e 1977 deram-se durante a ditadura. Em Ibiúna, foram presos cerca de 1.240 jovens. Na PUC, cerca de mil.

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Seis dias depois do arrastão de Ibiúna, quase todos os detidos haviam sido identificados e soltos. Continuaram presos menos de 20 jovens, contra os quais havia mandados de prisão preventiva. Na PUC de São Paulo, depois de três dias todos os presos estavam soltos, depois de terem sido identificados. Dezenas responderam a processos.

Em 1968, antes do arrastão, grupos terroristas de direita haviam praticado seis sequestros e mais de 30 atentados com bombas, sem vítimas. Nesse mesmo período, o surto terrorista de esquerda contabilizava uma dezena de assaltos e seis mortos, entre os quais um major do Exército alemão confundido com um capitão boliviano. Em 1977, não existia mais terrorismo de esquerda.

No arrastão de 2023, aconteceram episódios inquietantes. Num regime democrático ameaçado por golpistas, manifestantes de Brasília, irresponsavelmente, levaram crianças para o acampamento. Segundo o Conselho Tutelar do Distrito Federal, às 15h de segunda-feira (9), foram atendidas 20 famílias detidas com 23 crianças ou adolescentes menores de idade. Isso significa que eles ficaram detidos por cerca de 24 horas. Precisava? Quem sabe prender precisa saber soltar. Os menores poderiam ter sido entregues a familiares em questão de horas.

Na tarde de sexta-feira (13), centenas de pessoas continuavam detidas em Brasília. Não se sabe quantas foram apanhadas no acampamento e quantas estavam nas depredações na praça dos Três Poderes. Nos arrastões de 1968 e de 1977, seis noites depois, continuavam presas menos de dez.

Aqueles que invadiram prédios, cometeram um crime específico e sofrem a pena da lentidão burocrática. Os do acampamento, a maioria entre os detidos, poderiam ter sido libertados há dias, logo depois da devida identificação e tomada de depoimento.

A burocracia das prisões explica a demora pelo cumprimento dos trâmites que incluem a tomada de depoimentos e a realização de audiências de custódia. Tudo bem, mas em outubro de 1968 (antes do AI-5) e em 1977 (às vésperas da demissão do ministro do Exército Sílvio Frota), a ditadura soltava os presos de seus arrastões com maior celeridade.

Se quem prendeu não dispunha dos meios para soltar, o problema é de quem prendeu.

Revelação da minuta do golpe é advertência às Forças Armadas, Elio Gaspari - FSP

 A minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres tem um ator oculto: as Forças Armadas. Sem elas, é puro delírio, robustecido pelos sucessivos discursos apocalípticos de Jair Bolsonaro.

Até hoje, o fator militar faltou ao núcleo das maquinações golpistas. Para os militares, a revelação da minuta é uma advertência. Permite que vejam com que tipo de gente estariam metidos.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) conversa com o então ministro da Justiça, Anderson Torres, em evento de exibição do novo documento de identificação nacional, em Brasília - Evaristo Sá - 23.jun.22/AFP

HORROR NO AGRO

Bateu o horror em alguns magnatas do agronegócio, gente que repete "o dinheiro é meu e faço com ele o que eu quiser".

Lá atrás, o cidadão tomou uma mordida de algumas centenas de reais para ajudar manifestações de golpistas. Sem perguntar para onde ia o dinheiro, ele fez uma transferência ou assinou um cheque da empresa.

Passou o tempo e o magnata percebeu que seu dinheiro pode ter ido parar na conta de quem organiza explosões em torres de energia ou outros tipos de atentados terroristas. Nos últimos dias, ele foi informado de que essas coações estão sendo rastreadas.

Pelos costumes de Pindorama, ele teria motivos para acreditar que qualquer investigação levaria meses, talvez anos, e não daria em nada.

Depois do 8 de janeiro, caíram na rede 52 pessoas e sete empresas financiadoras e foram bloqueados R$ 6,5 milhões. Com a repercussão internacional do movimento, caiu a ficha para o doutor:

Se a Polícia Federal ou o Poder Judiciário brasileiros comunicarem aos organismos internacionais que seu dinheiro financiou terroristas, suas contas, negócios e cartões de crédito poderão ser congelados, sem maiores avisos.

Nas palavras de quem entende: "O sujeito deu o dinheiro com uma transferência da conta da fazenda na qual é sócio, junto com a irmã. Ela vai às compras em Miami e a vendedora avisa que seu cartão foi cancelado".

LUANA E GORETTI

Em maio de 2021, Jair Bolsonaro mandou demitir a infectologista Luana Araújo do cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19.

Motivo: nas redes sociais, a doutora condenava a propaganda da cloroquina como remédio eficaz na pandemia.

Em janeiro de 2023, a pediatra Ana Goretti Kalume Maranhão teve sua nomeação barrada pela Casa Civil da Presidência para a chefia do novo Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde.

Motivo: "Restrição partidária."

Ganha um fim de semana em Pyongyang quem souber o que isso significa.

Ela é acusada de ter escrito mensagens louvando a Operação Lava Jato.