quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Deirdre Nansen McCloskey - Orwell, o liberal, FSP

 Você já leu "Revolução dos Bichos" (1945) e "1984" (1949), de George Orwell. Se não leu, faça isso imediatamente, em português ou, se seu inglês for muito bom, no original em inglês. Orwell (1903-1950) foi o mestre moderno da escrita inglesa. Leia seus ensaios e seus textos de jornalismo também e você aprenderá como escrever eticamente em qualquer idioma.

Os livros são textos fundamentais contra o autoritarismo. Orwell os escreveu na noite mais profunda do comunismo e fascismo.

A primeira noite acabou parcialmente em 1945 e finalmente em 1989. Mas hoje o autoritarismo de esquerda e de direita está em marcha outra vez, tendo sido derrotado por margem estreita alguns meses atrás no Brasil e nos EUA, correndo solto na Rússia, sendo implementado com eficiência medonha na
China e assim por diante pelo mundo afora.

O escritor britânico George Orwell, em foto sem data - Reprodução

Mesmo o estatismo ordinário de Lula e Biden, por exemplo, anda se aproximando pouco a pouco de "todo o poder ao Estado".

Autores antiliberais na língua inglesa em voga no momento, como Mariana Mazzucato, Daron Acemoglu, James Robinson e mesmo Paul Krugman, mas também de fora da anglosfera, acham ótimo que cada vez mais decisões sejam tomadas em Brasília, Washington, Bruxelas e Roma. Nossos senhores nesses lugares são tão inteligentes, honestos e previdentes que nós não passamos de crianças
sob seu comando.

George Orwell se descrevia como socialista. Mas, dada sua experiência com socialistas e, especialmente, com comunistas na última década de sua vida breve, ele estava se aproximando do verdadeiro liberalismo. Não o falso liberalismo dos fascistas do Partido Liberal ou dos social-democratas do Partido Democrata. Ainda em 1940 ele disse que "boa parte do pensamento de esquerda é uma espécie de brincar com fogo por parte de pessoas que nem sequer sabem que o fogo é quente".

Orwell previu nos anos 1940 aquilo que Jair Bolsonaro almejava e que Xi Jinping está realizando: a supressão da liberdade humana, o fim do movimento pela liberdade iniciado no século 18, nossa subordinação à "ordem" e o fim do "progresso".

O’Brien, o representante do Partido descrito por Orwell em "1984", explica, com entusiasmo tenebroso, que "se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisoteando um rosto humano —para sempre".
"Há algo de errado em um regime que requer uma pirâmide de cadáveres a cada poucos anos", Orwell destacou. A Ucrânia em 1932-33. E também em 2022. Não embarquemos nesse trem.


Mariliz Pereira Jorge - A necessidade do óbvio, FSP

 "Permitam-me, como primeiro ato como ministro, dizer o óbvio, o óbvio que, no entanto, foi negado nos últimos quatro anos", disse o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, num dos trechos do discurso de sua posse. Ele se referia ao reconhecimento da existência e valorização de minorias marginalizadas no governo Bolsonaro.

Almeida está certo ao acenar a este público e ao mostrar a importância de reafirmar o óbvio. Por um tempo, não sei avaliar quanto, será necessário dizer o óbvio, o axiomático, o indubitável, o inequívoco, o insuspeito. Como país, precisamos devolver ao óbvio o seu lugar incontestável, resgatar valores, compromissos e avanços civilizatórios que passaram a ser negados ainda que nos parecessem indiscutíveis.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, durante seu discurso de posse, na Esplanada dos Ministérios - Gabriela Biló/Folhapress

O último governo substituiu o óbvio pelo terraplanismo político e científico. Instalou a república da barbárie, regida por um misto de insanidade e negligência. Juntamente com a democracia, temos que restabelecer o óbvio. Para isso, temos que olhar para nossas feridas profundas, encarar nossos piores defeitos e enfrentar nossas diferenças. Me parece óbvio que a formação de um ministério tão diverso foi um bom primeiro passo.

Obviamente, diversidade tem limite. A ministra do Turismo, conhecida como Daniela do Waguinho, tem vínculos com a família de um ex-PM, condenado e preso sob acusação de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense. E isso não é novidade para ninguém. Deveria ser óbvio que não adianta chamar Bolsonaro de miliciano e manter a sombra da milícia carioca no Planalto.

Óbvio, também, que é cedo para falar em reeleição, como fez o ministro da Casa Civil, Rui Costa, em entrevista ao Roda Viva. Tanto não é óbvio que nesta terça (3), o secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto, repetiu a aposta. É óbvio que o Brasil precisa de um projeto de país. As declarações a essa altura soam apenas como projeto de poder.

Hélio Schwartsman - EUA podem tentar modelo Netflix para desenvolver novos antibióticos, FSP

Não é só a Covid-19. Já estamos vivendo uma outra pandemia, mas, como ela transcorre em câmera lenta, acaba não recebendo a devida atenção. Refiro-me ao problema das bactérias resistentes a antibióticos. A combinação das leis da evolução darwiniana com um uso não muito responsável de drogas antimicrobianas faz com que infecções resistentes já cobrem um alto preço em vidas. Um estudo do governo britânico estima que cepas resistentes já provoquem, em escala global, 700 mil mortes por ano. E, se nada for feito, projeta-se, para 2050, 10 milhões de óbitos anuais.

Lidar com isso exigirá várias medidas em várias frentes. Um dos problemas centrais é que se investe pouco no desenvolvimento de novos antibióticos. E isso ocorre porque essa é uma área onde as chamadas falhas de mercado correm soltas. Lançar uma droga nova é estupidamente caro, algo em torno de US$ 1 bilhão. Parte importante desse custo são as despesas com os estudos que permitirão o licenciamento. E aqui não faz muita diferença se a droga é um antibiótico, um antidiabético ou um anticancerígeno.

Uso indiscriminado de antibióticos aumenta resistência de cepas - Callum/Adobe Stock

Para a indústria, portanto, o mais lógico é buscar remédios contra doenças de alta prevalência e que exijam uso contínuo, por toda a vida. Antibióticos, tipicamente usados por uma ou duas semanas, largam em desvantagem. Pior, quando uma nova classe de antimicrobianos é lançada, a tendência dos médicos é reservá-la como recurso final, o que prejudica ainda mais as vendas.

Se quisermos ver novos antibióticos, precisamos resolver essas falhas de mercado. Uma das propostas em discussão nos EUA é a Lei Pasteur, a Netflix dos antimicrobianos. Se ela for aprovada os laboratórios não seriam mais remunerados por vendas, mas receberiam uma verba fixa do governo federal para fornecer as drogas nas quantidades que forem necessárias.

Não deixa de ser irônico que tenhamos de chamar economistas para salvar a medicina.