segunda-feira, 11 de julho de 2022

Marcha para Jesus escancara negligência da esquerda com evangélicos, FSP

 

SÃO PAULO

A Marcha para Jesus acontece desde 1993. Todos os presidentes que o Brasil teve depois desse ano de estreia foram convidados para se juntar a seus idealizadores, o apóstolo Estevam Hernandes e a bispa Sonia Hernandes.

Fernando Henrique Cardoso (PSDB) não quis. Lula (PT) chegou a instituir o Dia Nacional da Marcha para Jesus, mas em oito anos de Presidência nunca deu as caras no maior evento do calendário evangélico do continente. Dilma Rousseff (PT) também não foi. Michel Temer (MDB) ficou pouco tempo no cargo e não o usou para marchar com o casal Hernandes.

Em 2019, no primeiro ano de seu mandato, Jair Bolsonaro (PL) se tornou o primeiro inquilino do Palácio do Planalto a comparecer ao evento conduzido pelos fundadores da Renascer em Cristo, mas que mobiliza dezenas de igrejas num país cada vez mais pentecostal.

Marcha para Jesus em São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

O presidente passa longe da unanimidade no segmento, como mostra pesquisa Datafolha de junho que o coloca só um pouco à frente da maior pedra no seu caminho rumo à reeleição. Tem 40% do eleitorado evangélico com ele, contra 35% que declaram voto em Lula. Esse bloco cristão responde por 27% da população adulta brasileira.

Mas evangélicos ainda são uma trincheira de popularidade para o chefe do Executivo federal, dando-lhe números mais generosos do que a média geral. O escândalo no Ministério da Educação que envolveu dois pastores não pareceu escangalhar sua imagem perante esse público.

Em compensação, Bolsonaro vem intensificando sua participação em atos religiosos, inclusive em versões regionais da Marcha para Jesus. Neles, martela a narrativa do "bem contra o mal". Coloca-se, claro, no lado nobre da causa.

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caminhada que lotou avenidas de São Paulo com centenas de milhares de fiéis neste sábado (9) esbugalha o avanço da direita sobre os evangélicos. Uma bem-sucedida tentativa de monopolizar o imaginário evangélico nacional, como se apenas os políticos de direita se importassem com os crentes.

É a reprise de um discurso que entrou na moda neste quadriênio bolsonarista: o de que um cristão de verdade jamais é de esquerda. A fórmula tem adesão de líderes influentes, como o bispo Edir Macedo e o pastor Silas Malafaia. Que tenham os dois apoiado o PT no passado é uma amostra de como o campo progressista deixou escorrer por suas mãos um diálogo que já conseguiu estabelecer com a cúpula pastoral do país.

Resta ver se é uma batalha perdida ou a guerra toda. Uma eventual vitória lulista, hoje a hipótese mais provável segundo as pesquisas eleitorais, deixará mais claro se o distanciamento entre PT e evangélicos é definitivo ou se ainda há margem de manobra para evitar um repeteco de 2018, quando todos os grandes pastores do Brasil respaldaram Bolsonaro.

Estevam Hernandes, é verdade, não compactua com a premissa de que o verdadeiro cristão não pode se reconhecer esquerdista.

"Acho que isso não tem nada a ver do ponto de vista espiritual", diz à Folha. "Primeiro porque a Bíblia fala que Deus não faz distinção de pessoas. As pessoas têm suas opções. Agora, não quer dizer que porque o cara é de esquerda Deus vai riscar ele do céu, que ele não possa estar na igreja."

Mas também não esconde a mágoa com governantes que por anos esnobaram o evento que idealizou três décadas atrás, após ter tido o que chama de sonho profético. "É uma falha muito grande", afirma sobre a ausência de FHC, Lula, Dilma e Temer em edições anteriores.

"Por exemplo, nós, no governo Lula, insistimos porque ele assinou a lei da Marcha. Eu orei por ela [Dilma]." Nessa hora, bispa Sonia interrompe o marido: "Foi antes de ela se candidatar, ela estava com câncer".

E nada de Dilma na marcha nos cinco anos e meio em que chefiou o Planalto, até sofrer um impeachment apoiado por muitos desses mesmos evangélicos que antes fizeram campanha por ela —como o ex-senador Magno Malta e o deputado Marco Feliciano, os dois presentes na caminhada de 2022.

"Bolsonaro, nós convidamos e ele veio", finaliza Estevam. Veio e levou uma penca de aliados, como a deputada Carla Zambelli, o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e seu apadrinhado para o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Em cima do trio elétrico, amigos do presidente sugeriram mais "quatro anos", uma nada discreta alusão à sua busca pela reeleição.

Bolsonaro e Tarcísio de Freitas na Marcha para Jesus em SP - Caio Guatelli/AFP

Claro que o bailado eleitoral não se resume a pastores ressentidos com a pouca atenção dispensada por progressistas. Há todo um jogo de interesses políticos, e também afinidades ideológicas, na mesa. As chamadas pautas identitárias não por acaso ganharam músculos na mesma década em que lideranças evangélicas foram se afastando de candidatos de esquerda.

Mas, se quer voltar a ter relevância num grupo religioso que se diferencia dos demais pelo alto engajamento de seus membros, não faria mal à esquerda ocupar mais os espaços de fé.

Acertadamente, células cristãs progressistas vão à Parada LGBTQ+ para reforçar que nem todos os evangélicos são contrários à comunidade. Cadê eles na Marcha para Jesus, para mostrar que muitos crentes não andam juntos com o bolsonarismo? Não é esse o recado que desejam passar?

Deu para ver, aqui e acolá, demonstrações solitárias de apreço pela causa lulista, como um punhado de fiéis que fez o "L" de Lula quando Bolsonaro entrou no palco. Ainda assim, nenhuma representação mais institucional da esquerda estava lá, como não esteve em anos prévios.

Lula tem dito que quer se enturmar com os evangélicos da base, sem necessariamente recorrer aos pastores que hoje torcem o nariz para ele. O ex-presidente acerta ao lembrar que essa base está também nas pequenas igrejas de periferia. São elas que formam boa parte da malha evangélica, até mais do que denominações maiores, como a Universal, abertamente antipática à candidatura petista.

Acontece que esses fiéis vão à Marcha, seguem megapastores em redes sociais, veem a Record do bispo Edir Macedo. Se encontram apenas a direita ali, como vão se convencer de que a esquerda se importa com eles? Enquanto isso, Bolsonaro declara para uma multidão a perder de vista: "Você sabe, vivemos num país laico, mas o seu presidente é cristão".

Relação de Rodrigo Garcia e Ricardo Nunes se desgasta por definição de vice, FSP

 Guilherme Seto

SÃO PAULO

As eleições têm desgastado a relação do governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato à reeleição, com o prefeito Ricardo Nunes (MDB). O principal motivo é a indefinição sobre o vice de Garcia.

Nunes entende que existia um acordo em que ele escolheria o nome, e ele já apontou Edson Aparecido (MDB) para a vaga.

Já Garcia tem dito que o acerto era com Bruno Covas (PSDB), que morreu em 2021, e não vale para seu sucessor. O ex-prefeito apontaria um nome que não colocaria barreiras à sua intenção de disputar o Governo de SP em 2026.

Governador Rodrigo Garcia
Governador Rodrigo Garcia: indefinição sobre o vice tem desgastado relação com o prefeito de SP, Ricardo Nunes - Divulgação/Governo de São Pau

O desacerto tem gerado farpas. Aliados relatam um telefonema em que Nunes ouviu de Rodrigo Maia (PSDB), que participa das articulações políticas de Garcia, que a decisão final do vice ficaria para mais adiante. Respondeu então que a decisão final de seu apoio também virá depois.

O prefeito tem dito que Garcia foi insistente em ouvir uma indicação sua para a vice e agora tergiversa na conclusão. Nunes levou quatro nomes para o governador, entre eles os de dois prefeitos, o da secretária de Cultura Aline Torres e Aparecido, que finalmente foi o escolhido.

O governador analisa alternativas ao nome do ex-secretário de Saúde, possivelmente alguém da União Brasil.

Ricardo Nunes (MDB), prefeito de SP, durante entrevista à Folha
Ricardo Nunes (MDB), prefeito de SP, durante entrevista à Folha em seu gabinete - Karime Xavier15.jun.2021/Folhapress

A campanha do governador está dividida sobre como encaminhar a relação com Nunes. Alguns aliados defendem o distanciamento, pois dizem que as críticas à zeladoria da cidade e a rejeição ao prefeito podem colar em Garcia.

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Em encontro de membros da campanha, o emedebista foi identificado como um dos possíveis pontos frágeis do tucano na disputa eleitoral.

Outros dizem que ele comanda a estrutura da prefeitura, e por isso terá peso importante. Nas últimas semanas, Nunes protagonizou dezenas de agendas que tiveram envolvimento com pautas do governo do estado.


JERSON KELMAN - Precisamos de um mercado de carbono?, FSP

 

Jerson Kelman

Engenheiro, professor e doutor em hidrologia, dirigiu duas agências reguladoras federais (ANA e Aneel) e três concessionárias de serviço público (Light, Enersul e Sabesp)

Uma pessoa rica em geral aceita incorrer em algum custo imediato, sem maiores consequências para o seu padrão de vida, em troca de menores custos futuros. Por exemplo, faz check-up preventivo para aumentar a expectativa de vida.

Já uma pessoa miserável, sofrendo provações, não tem como sacrificar o presente em benefício de um futuro melhor. Seria colocar em risco a própria existência do futuro. No contexto do exemplo, não economizaria o dinheiro das refeições para pagar o check-up preventivo. Em termos econômicos, o rico e o pobre tomam decisões, ainda que inconscientemente, utilizando taxas de desconto respectivamente pequena e grande.

A mesma diferença separa as nações ricas das pobres. É natural que os países ricos, preocupados com os efeitos da mudança climática, estejam mais propensos a pagar o "green premium" (custo extra) embutido em produtos e serviços descarbonizados do que os países pobres. Ou seja, tendem a aceitar retardo no crescimento econômico, ainda que não para sempre. Têm a expectativa de que as inovações tecnológicas não apenas diminuirão o "green premium" como criarão um ciclo econômico de maior produtividade, permitindo que mantenham a liderança mundial.

Já os países pobres têm dificuldade de se preocupar com desastres climáticos anunciados para as próximas décadas enquanto parcela significativa da sua população vive no presente sujeita a toda sorte de insegurança, inclusive alimentar.

Como o Brasil está mais para pobre do que para rico, temos que responder à seguinte pergunta: Faz sentido imitar os europeus, engajando a economia na descarbonização e pagando o correspondente "green premium"?

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A resposta é... "Depende!". Se houver oportunidade de uma ampla parceria com os países desenvolvidos, tomando partido das complementaridades, para a retomada do desenvolvimento econômico e aumento da produtividade do país... ótimo! Por exemplo, contratos de longo prazo para exportação de hidrogênio verde produzido com energia renovável injetada no Sistema Interligado Nacional. Porém não seria sensata a criação de um mercado de carbono no Brasil descontextualizado da agenda de maior inserção no mercado mundial.

Dito isso, ainda que não haja ambiente para nos beneficiarmos da preocupação das nações desenvolvidas com as mudanças climáticas, devemos perseguir a nossa própria agenda, subordinada à meta da retomada do desenvolvimento e do combate à pobreza. É nosso interesse, independentemente da pressão internacional, eliminar a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa do Brasil —o desmatamento ilegal— porque se trata de um processo que desperdiça recursos naturais. Também devemos investir em nichos nos quais temos chance de liderar inovações tecnológicas. Por exemplo, veículos elétricos que usem etanol como fonte primária de energia.