domingo, 10 de julho de 2022

Mortes: Fã de miojo com leite, foi avó, mãe e melhor amiga dos netos, FSP

 


SÃO PAULO

Sofia Horbatow Gregorio tinha personalidade forte e carregava o modo imperativo na fala, mas seu grande coração abrigava a família, os amigos e todos aqueles que necessitassem de amparo.

"Passei por um término de relacionamento e tive que morar sozinho. Foi ela quem me esticou a mão para ajudar. As pessoas pouco chegavam nela para pedir ajuda, ela era proativa e se prontificava. Ela soube ser aquela pessoa que acalenta as dores", conta o relações-públicas Tiago Horbatow, 32, um dos netos.

Marcaram sua vida as boas palavras, o talento para a escrita e a culinária, a doçura e a generosidade.

Sofia era a terceira de cinco filhos de dois imigrantes que fugiram da guerra —a mãe deixou a Polônia, e o pai, a Ucrânia.

Sofia Horbatow Gregorio (1935-2022)
Sofia Horbatow Gregorio (1935-2022) - Arquivo pessoal

Natural de Curitiba, no Paraná, passou a maior parte da vida na Vila Maria, zona norte de São Paulo. Para trabalhar antes de atingir a maioridade, seu pai a registrou como se tivesse nascido dois anos antes, em 1933.

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Sofia se casou com menos de 20 anos e teve três filhos. Antes passou por diversas gestações que não vingaram. Ela perdeu oito bebês.

Aos 30, perdeu o marido, que teve um aneurisma cerebral.

A primeira profissão oficial foi com cartonagem. Sofia atuou no universo das tecelagens e se aposentou como tecelã.

O talento no campo da escrita podia ser observado diariamente nas folhas das agendas anuais que ela redigia ouvindo Gil Gomes ou os contos bíblicos narrados por Cid Moreira.

A corrida de São Silvestre, no último dia do ano, era um evento à parte dentro do apartamento onde morava na avenida São João, no centro paulistano. Ela recebia a família para todos acompanharem a corrida e fazia chuva de papel picado para celebrar os maratonistas.

Excelente cozinheira, Sofia fazia uma massa frita semelhante ao bolinho de chuva. A guloseima é famosa na família até os dias atuais.

A galinhada era o prato dos domingos. A canja com arroz esquentava as noites frias. A combinação miojo com leite tornou-se uma paixão.

Ao temperar a vida, Sofia experimentava pitadas de irreverência.

Dolly, do refrigerante, deu nome à gata que foi sua companheira por quase 20 anos.

Sofia morreu dia 24 de junho, aos 87 anos, após sofrer uma parada cardiorrespiratória. Deixa três filhos e três netos.

"Mãe, irmã e amiga generosa, ela foi sustentação, base e furacão na vida dos seus. Avó amada e presente, acompanhou não só a infância, mas a adolescência e a fase adulta de seus três netos muito de perto. Foi avó-mãe-melhor amiga de todos nós", ressalta Tiago.

Existem mulatos?, Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo

Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo

10 de julho de 2022 | 03h00

Muita gente leu, no Ensino Médio, O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Menos pessoas leram um texto anterior do maranhense: O Mulato.

A estética da obra é o Naturalismo. As coisas são apresentadas de modo mais cru do que o público estava acostumado. O ambiente é o Maranhão no fim do Império. Raimundo é o mulato, filho de uma mulher negra escravizada e de um português. O menino vai estudar no exterior e volta à província, para a casa do tio. Seu pai fora assassinado. Lá se apaixona pela prima, Ana Rosa. As críticas ao preconceito são duras, e a análise das hipocrisias tem tom ácido. Ao pedir a mão da amada, encontra uma dura recusa. O motivo? “Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é filho de uma escrava! – O senhor é um homem de cor! – O senhor foi forro à pia, e aqui ninguém o ignora! – O senhor não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!”

Não contarei mais para não dar spoiler de uma obra de 1881... 

O capítulo 14 contém a dor da consciência do preconceito, no século que criou o racismo como sistema: “Raimundo, ali, no desconforto do seu quarto, sentia-se mais só do que nunca; sentia-se estrangeiro na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo. ‘E tudo, por quê?... pensava ele, porque sucedera sua mãe não ser branca!... Mas do que servira então ter-se instruído e educado com tanto esmero? Do que servira a sua conduta reta e a inteireza do seu caráter?... Para que se conservou imaculado?... para que diabo tivera ele a pretensão de fazer de si um homem útil e sincero?...’ E Raimundo revoltava-se”.

A dor de Raimundo, mais culto e ético do que aqueles que o desprezavam, era originada de um não pertencimento à terra que lhe negava plena cidadania. O racismo criava uma exclusão estética, política e social. Sobre o sistema escravista, diz o doutor humilhado em São Luís: “E ainda o governo tinha escrúpulo de acabar por uma vez com a escravatura; ainda dizia descaradamente que o negro era uma propriedade, como se o roubo, por ser comprado e revendido, em primeira mão ou em segunda, ou em milésima, deixasse por isso de ser um roubo para ser uma propriedade!”. Argumento jurídico irrefragável! 

Capa do livro
Capa do livro 'O Mulato', de Aluísio Azevedo Foto: Reprodução/Editora Atica

Vamos a um ponto fora do espectro analisado pelo autor ludovicense. O termo mulato tem origem em mula. A mula é o cruzamento da égua com o jumento. Estéril por natureza. Ainda na Idade Moderna, o termo foi sendo associado aos filhos de negra com branco. O tom é depreciativo. Os militantes do movimento negro condenam a palavra. 

Volto no tempo. Nosso célebre jesuíta colonial, padre Antonil, disse que “o Brasil é inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e das mulatas”. Além da origem pejorativa, os mulatos eram vistos como beneficiados do sistema, sedutores, malandros, erotizados. O padre ainda advertiu para que se cuidasse em não alforriar as mulatas, pois, mesmo livres, seriam a perdição de muitos. O mulato teria a inteligência do branco e a esperteza do negro. Era um perigo!

A escola do jesuíta vingou. Os postais das praias do Rio, na minha juventude, ostentavam nádegas de mulatas em biquínis ousados, convidando os turistas ao deleite das belezas disponíveis. O show que Osvaldo Sargentelli promovia pertencia ao mesmo campo. O corpo da mulata era território livre. 

O termo (repito) tem origem pejorativa. Além disso, é uma maneira de dividir os negros em categorias mutuamente excludentes e rivais entre si. Os argumentos seriam suficientes para eliminar o uso da palavra?

Caetano Veloso seguiu outro caminho. Seu pai era mulato. Ele, Caetano, acha um purismo excessivo evitar a palavra. O baiano ainda diz que, mesmo se for derivado de mula, ele não tem nada contra o animal. 

Vou ao campo pessoal. Tenho uma norma: mesmo que a mim não soe ofensivo o nome ou o grupo em que eu coloco alguém, o uso é determinado pela pessoa. Dúvida de gênero? Consulte a pessoa. A língua é viva e incorpora conceitos culturais. Na minha infância, nenhuma pessoa com Down era chamada assim. Não havia uma aluna plus size ou alguém com identidade não binária. Os termos eram sempre ofensivos e brutais. A língua incorpora cuidados, sabendo que palavras ofendem, deprimem e até matam. A violência começa na fala e abre portas. 

“Hoje em dia tudo é ofensa, é muito mimimi.” Quando alguém diz isso, sei que há uma chance grande de ser branco, hétero e homem. Não se trata de politicamente correto, ainda que a palavra correto não possa ser atacada, pois, afinal, é correta. Para mim, trata-se de humanidade. Eu tenho direito a pensar qualquer coisa. No trato social, eu devo evitar ofensa. Isso se chama humanismo, mas não politicamente correto. Eu já errei no campo das palavras. Quero aprender e mudar sempre. Vivo das palavras e sei do seu poder. Quero ser crítico e nunca ofensivo. Tenho esperança de que todos entendam o poder do que é dito ou escrito. 

P.S.: Agradeço a leitura crítica prévia de Djamila Ribeiro.

 

Elio Gaspari Andar de cima do Brasil quer ser único no mundo com terminal VIP em Guarulhos, FSP

 A concessionária do aeroporto de Guarulhos anunciou um investimento de R$ 80 milhões para a construção de um terminal VIP.


Em dinheiro de hoje, o freguês pagará R$ 800 e chegará de limusine, um mensageiro carregará sua bagagem e será acompanhado por um anfitrião durante o check-in. Numa área de 5.100 metros quadrados, terá onde repousar, chuveiros de alta pressão, restaurante, engraxate e passadeira.

Terminal VIP no aeroporto de Guarulhos que deve ser inaugurado em 2023 - Divulgação

Segundo a empresa que administrará o negócio, esse terminal será o primeiro da América do Sul e "o maior do mundo do gênero".

Em grandes aeroportos do mundo quem cuida desse conforto são as empresas de aviação. Não há nada desse tamanho nos aeroportos de Londres, Nova York ou Amsterdam.

O andar de cima brasileiro batalha para ser o único do gênero no mundo.

Eremildo tem uma pergunta: Os usuários do terminal VIP terão atendimento exclusivo na fila de passaportes?​