segunda-feira, 11 de julho de 2022

Governo diz sim às armas e não à Cannabis medicinal, FSP

 Patrícia Villela Marino

Fundadora e presidente do Instituto Humanitas360 e cofundadora do Civi-co, espaço de trabalho que reúne empreendedores cívico-sociais

Saúde e segurança deveriam ser direitos comuns a todos, conforme garante a Constituição, não um privilégio exclusivo da elite branca.

O Brasil está cada vez mais dividido. Vivemos uma escalada descontrolada de violência construída a partir do racismo cultural, segregador e secular, que teve origem na colonização escravagista. A população negra é a maior do país —56% dos 212 milhões de brasileiros— e também a mais vitimizada —78% das pessoas assassinadas à mão armada são negras, segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz realizada em 2019. Nove de cada dez brasileiros não possuem condições de pagar um plano de saúde, de acordo com levantamento da Ipso.

Nos últimos dois anos, sob a justificativa de que o brasileiro precisa se proteger, o Governo Federal flexibilizou a compra de armas por meio de dois decretos sucessivos, que aqueceram imediatamente o mercado.

Entre fuzis, carabinas, metralhadoras e submetralhadoras, foram importadas 1.211 armas em 2020. No ano seguinte, esse número pulou para 8.160, um aumento de 574%. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a elevação de circulação de armas interrompeu dois anos consecutivos de queda nos índices de homicídios, que nesse período subiu quase 5%.

Mesmo assim, tramita no Senado um PL (projeto de lei 3.723/2019) que flexibiliza as regras do porte e do registro de armas.

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro e a bancada evangélica impedem o avanço do PL 399/2015, que regulamenta o cultivo e a comercialização do cânhamo, nome dado a um tipo de Cannabis usado pela indústria que tem apenas 0,3% THC (tetrahidrocanabidiol, substância psicoativa da planta). É uma planta que não serve para o tráfico.

Com comprovada capacidade terapêutica, a Cannabis é responsável por um ciclo sustentável de negócio, totalmente ESG (sigla em inglês que significa governança ambiental, social e corporativa), que começa nos campos de cultivos, de onde sai como matéria-prima para diversas indústrias, como a farmacêutica, a de alimentos, a têxtil e a de construção.

São negócios que geram investimentos de impacto no mercado de ações da Bolsa de Nova York e de Toronto. Nos EUA, essa nova economia foi considerada essencial durante o lockdown provocado pelo coronavírus. Assim como supermercados e farmácias, os dispensários de Cannabis estavam na lista dos negócios com permissão para funcionar durante o período em que o mundo estava trancado em casa para se proteger da contaminação.

Os norte-americanos reconhecem o impacto positivo da Cannabis na saúde, no tratamento dos sintomas da depressão, do pânico e da epilepsia e nas dores do câncer, entre tantas outras doenças. Nos EUA, o óleo de CBD pode ser comprado com quase a mesma facilidade com que se compra um analgésico.
Infelizmente, essa não é a realidade brasileira.

Aqui, os pacientes pagam até R$ 1.200 por um vidro de 30 ml. A maioria, sem poder de compra, recorre à Justiça. Alguns para conseguir liminar para o autocultivo, outros para que o governo custeie o tratamento, que em muitos casos é o único a resolver sintomas graves de doenças raras. Ao contrário do projeto das armas, o PL 399 dá qualidade de vida.

O Brasil tem tudo para a economia da Cannabis deslanchar. É um país com vocação para o agronegócio, com extensão territorial e clima para ser líder da nova commodity.

Mesmo sem legislação específica, farmacêuticas já produzem CBD. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a comercialização de 19 produtos nas farmácias brasileiras. E o mais importante: temos uma lei pronta, resultado de um ano de pesquisa de uma comissão de deputados que viajaram pelo mundo para construir uma regulação abrangente e segura que dê mais acesso aos medicamentos de Cannabis.

Enquanto o projeto das armas tramita no Senado, o PL 399/2015 continua engavetado e ameaçado de veto pelo presidente. A boa notícia é que estamos a poucos meses da eleição, na hora certa de escolhermos legisladores afinados com as questões humanitárias e com o desenvolvimento baseado na ciência e na tecnologia.

Vamos dizer sim a vida e não a morte.

Ruy Castro - Justiça, talvez, por Tenorio, FSP

 Há dias, a Justiça da Argentina condenou dez ex-militares à prisão perpétua por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983) naquele país. Alguns desses crimes foram de sequestro, tortura e homicídio, este muitas vezes o "voo da morte" —a prática de atirar prisioneiros políticos no mar, de avião. O centro desses torturadores era uma base militar perto de Buenos Aires. Por ali podem ter passado 5.000 pessoas. Uma delas, o pianista brasileiro Tenorio Jr.


Tenorio tinha 33 anos, quatro filhos e sua mulher, no Rio, esperava o quinto. Fora uma das grandes revelações do samba-jazz e seu LP "Embalo", lançado em 1964, é um dos três ou quatro discos decisivos do gênero —a edição original, pela RGE, chega hoje a alguns milhares de reais nos leilões.

Em 1976, Tenorio era o pianista de Vinicius de Moraes e Toquinho, que se apresentavam em Buenos Aires. Na noite de 18 de março, ele saiu do hotel Normandie para dar uma volta. Deixou um bilhete na recepção dizendo "Volto logo". Mas não voltou. Foi um dos primeiros "desaparecidos" do golpe que dali a dias deporia a presidente Isabelita Perón.

Tenorio só pensava em música. Não se interessava por política. Presume-se que tenha sido preso por engano na avenida Corrientes, confundido pelos óculos e barba com um ativista que os golpistas queriam neutralizar. Levado à tortura e sem saber o que dizer, foi espancado de tal forma que, mesmo constatado o engano —confirmado, segundo dizem, por funcionários da embaixada brasileira, militantes da nossa própria ditadura—, estava machucado demais para ser devolvido. O jeito era jogá-lo do avião, não se sabe se vivo ou morto. Seu corpo nunca foi encontrado.

Há hoje uma placa com seu nome na fachada do hotel. E, agora, quase meio século depois, dez dos responsáveis por esse tipo de crime chegaram à Justiça. Têm entre 79 e 98 anos. Mas nunca é tarde para pagar.

O pianista brasileiro Francisco Tenorio Cerqueira Júnior, que desapareceu em 1976 em Buenos Aires, seis dias antes do golpe militar que derrubou a presidente Isabelita Perón, na Argentina - Reprodução

A dolorosa morte do jornalista Raul Varassin, Construindo Resistência, por Por Simão Zygband

 Muito duro e doído ter que noticiar a morte de meu grande amigo Raul Varassin, um jornalista das antigas muito querido pelos colegas. É aquele tipo de notícia que nós, profissionais de comunicação, jamais gostaríamos de dar. Mas também faz parte da profissão, mesmo sendo de pessoa tão próxima.

A morte de um grande amigo só não é pior da de uma mãe, de um pai, de um filho ou de um parente próximo. Mas dói profundamente quando esta pessoa foi praticamente seu mentor, um professor na difícil arte arte de fazer jornalismo. Ele faleceu às 11 horas deste domingo, em um hospital de Curitiba, vítima de insuficiência renal. Também apresentava quadro de Covid. Teve que ser entubado e sedado. Resistiu o quanto pode com quadro tão adverso. Seu velório e sepultamento, ocorrerá em Curitiba.(Velório: 11/07 das 7h-15h
Memorial Luto Curitiba Sala Ipê
Av Presidente Kennedy 1013 – Rebouças e sepultamento às 16h30 Cemitério do Parque Iguaçu – rua Nicolau José Gravina, 292 – Cascatinha)

Varassin, o Vareta como os mais próximos o tratavam carinhosamente, foi um dos criadores do Jornal Nacional, dirigiu o departamento de Jornalismo da TV Globo em quatro estados brasileiros (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Paraná) e teve a honra de ser contratado por Vladimir Herzog na TV Cultura de São Paulo. Foi ainda chefe de reportagem no SBT, TV Manchete e TV Record. Trabalhou no Palácio Iguaçu nos tempos do governador Álvaro Dias e foi um dos chefes da campanha vitoriosa de Roberto Requião no Paraná, em 1990.

Não gostaria de me alongar muito pois estou bastante impactado com a morte dele. Já sabia que ela ocorreria há qualquer momento, mas sempre há uma esperança. Enfim, conforme me relatou a sua filha, Alexandra, a sua morte foi serena, ele que muito dificilmente esteve sereno, pois era um jornalista pulsante, combativo, contestador, com um humor cáustico inigualável.

Conheci-o como meu chefe de reportagem no extinto Diário Popular e logo travamos intensa amizade.  O jornal era dirigido por um militar, o general Mouziul, ainda no período da ditadura, que já começava a cair. Por um motivo que não me recordo bem, Mouziul decidiu dar uma advertência ao Varassin. Ao sair da sala do diretor, ele simplesmente pegou sua pasta e foi embora dizendo indignado: “Eu não sou moleque para tomar advertência, ainda mais de um general. Passem bem”.

Quero aqui prestar minha solidariedade aos filhos do Varassin (Alexandra, Raul Jr., Isabela e Cláudia) e aos seus vários netos e desejar-lhes que tenham muita força nesta hora. Saiba que o Varassin é, foi e será um  patrimônio da nossa profissão, orgulho de quem teve o prazer de conviver com ele.

Aproveito para reproduzir um texto que o Varassin escreveu para o Construir Resistência, com certeza um dos últimos dele:

“Não é porque sou do “Sem Dinheiro Luminoso” que não pago as promessas que faço. Uma delas era escrever mais um texto para o Construir Resistência. Vou começar pela mais curta. O caso do delegado Sergio Paranhos Fleury, diretor geral do DOPS/SP – Delegacia de Ordem Politica e Social de São Paulo.

Até hoje não ficou esclarecido se foi acidente ou queima de arquivo a morte de Fleury em Ilhabela. Isso porque ele era conhecedor de segredos, não só da esquerda como da direita.
Delegado truculento, torturador, suspeito de assassinatos. odiado em muitas áreas até por policiais, e amado nos círculos mais violentos do regime militar, Sergio Paranhos Fleury costumava passar os fins de semana, quando fazia bom tempo, na agradável Ilhabela a bordo do seu iate de 27 pés, regado a boas bebidas e boas meninas.
Acontece que no dia 1 de maio de l979, já no final da tarde, quando se preparava para voltar a São Sebastião, o delegado caiu no mar e morreu afogado. Muito embora fosse bom nadador e houvesse pessoas no barco que pudessem socorrê-lo.
Em seguida, a imprensa silenciou sobre o acidente e até hoje não houve conclusão das investigações sobre o caso.
Interferência na TV Cultura
A Fundação Padre Anchieta, que abriga a rádio e a televisão Cultura do Estado de São Paulo foi criada em l968 pelo governador Roberto de Abreu Sodré. Passou pelo seu governo e pelo governo de Franco Montoro, sem interferência.
No governo de Orestes Quércia  começaram as investidas, muito embora o Conselho Curador da Fundação denunciasse e o jornal O Estado de São Paulo cobrisse.
Mas foi no governo Paulo Maluf que a Rádio e Tv Cultura passaram a ser  objetivamente assessorias de imprensa e propaganda do governador. Inclusive, cobrindo suas viagens ao exterior e os mínimos atos administrativos no interior do Estado. Coisas que outras emissoras não faziam.
Perdeu sua característica principal e passou a ser órgão de propaganda do governador. Já ele então com ambições politicas mais altas.
Seus funcionários eram monitorados pelos homens do governador no Palácio dos Bandeirantes, inclusive com punições, suspensões de quem não seguisse a linha do governador.
A coisa foi-se agravando de tal forma que no final do governo, a emissora, que já tivera uma imagem boa, comparada à BBC de Londres, passou a ficar desacreditada.
E só veio a recuperar um pouco sua credibilidade nas gestões do promotor Rui Nogueira Martins e do professor Antonio Soares Amora.
É isso! quer mais?”
Raul Varassin, Presente. Hoje e Sempre!

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