domingo, 10 de abril de 2022

Lula falou do aborto, e fez bem, Elio Gaspari, FSP

O Curupira é um garoto de cabelos vermelhos com os pés voltados para trás. Vive no mato e quem se aproxima dele perde a noção de rumo. Há um Brasil enfeitiçado pelo Curupira e ele se mostrou com as reações a uma fala de Lula sobre o aborto.

O ex-presidente disse o seguinte: "Aqui no Brasil não faz [aborto] porque é proibido, quando, na verdade, deveria ser transformado numa questão de saúde pública, e todo mundo ter direito e não ter vergonha. Eu não quero ter um filho, eu vou cuidar de não ter meu filho, vou discutir com meu parceiro. O que não dá é a lei exigir que ela precisa cuidar".

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Lula já se manifestou dezenas de vezes pessoalmente contra o aborto. Sua fala foi noutra direção, a do reconhecimento de que é um direito da mulher decidir interromper uma gravidez. Toda vez que a política brasileira é envenenada pela satanização desse assunto, uma coisa é certa: alguém chegou perto de um Curupira e está sem rumo.

Ex-presidente com a mão na cabeça e vestindo roupas pretas
O ex-presidente Lula, durante evento no Rio - Mauro Pimentel - 30.mar.22/AFP

O direito constitucional das mulheres decidirem interromper a gravidez foi reconhecido pela Corte Suprema dos Estados Unidos em 1973. A decisão foi explicada no voto do juiz Harry Blackmun (republicano) e até hoje divide o país.

Nações de maioria cristã como a Itália, França, Argentina, Chile, Uruguai, Portugal e Espanha deram esse direito às mulheres, muita gente continua contra, mas os países não se dividiram. O que se discute é o direito. Só aborta quem quer, respeitando algumas limitações.

Em 1990, o jurista americano Laurence Tribe publicou um livro definitivo, cujo título dizia tudo: "Abortion, the Clash of Absolutes" (Aborto, o Choque de Absolutos). Para ele, o nó da questão estava no choque de duas ideias, "o direito de um feto à vida e o direito da mulher decidir o seu próprio destino". Tribe mostrou que qualquer outra discussão é secundária e nenhum lado pode provar que tem razão. Esse é o debate civilizado. No Brasil, o Curupira envenena-o.

Oito anos depois da decisão da Corte americana o Brasil viu no filme "Pixote" o aborto de Marília Pêra com uma agulha de tricô. Hoje, o aborto tornou-se uma questão de saúde pública pelos casos parecidos com os de "Pixote" e pelo progresso da medicina.

Em 1973, o mesmo ano da decisão da Corte americana, surgiram pílulas abortíferas que hoje são vendidas nos camelódromos de cidades brasileiras. Estima-se que as internações anuais de mulheres por causa de complicações decorrentes do uso dessas drogas passam da casa dos 250 mil.

É disso que se trata, pois o fármaco abortífero é usado como anticoncepcional de última instância. Às vezes ele causa infertilidade, infecções, sangramentos e em alguns casos mata.

Nunca será demais repetir o ensinamento de Mário Henrique Simonsen: O problema mais difícil do mundo, bem enunciado, um dia será resolvido. O problema mais fácil do mundo, mal enunciado, jamais será resolvido.

Genocídio ou crime contra a humanidade? Hélio Schwartsman, FSP

 "East-West Street", de Philippe Sands, me foi recomendado por uma amiga querida. Comprei, mas o deixei na pilha de livros a ler, que cresce em ritmo mais assustador que o preço da cenoura. A guerra na Ucrânia me fez voltar à pilha e enfrentar a obra. Não me arrependi.

Annette Schwartsman

Sands é especialista em direito internacional. Anos atrás, foi convidado a dar uma palestra na Universidade de Lviv, na Ucrânia. Aceitou, por razões profissionais e pessoais. Lviv, que já se chamou Lwów (nome polonês), L’vov (russo) e Lemberg (alemão), é onde seu avô materno, Leon Buchholz, nascera.

O livro é a história dessa viagem e das investigações que se seguiram. Pesquisando sobre a cidade, Sands encontrou outras coincidências. Na região de Lviv, que "mudou de país" oito vezes entre 1914 e 1944, também nasceu e estudou Hersch Lauterpacht. E ali estudou, mas não nasceu, Rafael Lemkin.

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Lauterpacht e Lemkin eram advogados. Não eram amigos nem inimigos. Provavelmente nunca se encontraram, embora conhecessem os escritos um do outro. Estavam do mesmo lado, já que eram judeus, que perderam a maior parte da família no Holocausto, e participaram dos esforços para responsabilizar os nazistas, no Tribunal de Nuremberg. Mas foi ali que eles "se enfrentaram". Lemkin criou o conceito de genocídio, no qual queria enquadrar os nazistas. Lauterpacht não gostava nem um pouco desse tipo penal, que via como pouco prático (é difícil provar a intenção de exterminar um grupo) e politicamente perigoso. Desenvolveu o conceito de crimes contra a humanidade (que trata de indivíduos, sem lidar com a ideia de grupo). O problema ecoa até hoje nas guerras culturais, aparecendo nas divisões entre identitaristas e universalistas.

Sands costura maravilhosamente bem as biografias desses e de outros personagens, incluindo a do nazista Hans Frank, com a revelação de segredos de família e reflexões sobre filosofia do direito.


Empresas de ônibus fretado se reúnem em associação para defender modelo, FSP

 SÃO PAULO

Na esteira da velha queda de braço entre as empresas tradicionais de ônibus que acusam as startups de fazer concorrência desleal e não seguir regulação, as companhias que trabalham com fretamento vão se reunir em uma nova associação para defender sua visão do mercado.

O grupo lança nesta segunda (11) a entidade batizada de Abrafrec (Associação Brasileira de Fretadores Colaborativos), que inicia as atividades com mais de 200 associados.

A meta é dobrar o número de associados nos próximos seis meses e chegar a uma frota de 5.000 ônibus, segundo Marcelo Nunes, presidente da associação.

Rodoviária de onde saem ônibus fretados pela plataforma Buser, em São Paulo - Rivaldo Gomes - 06.dez.2019/Folhapress

São companhias que prestam serviços para agências de turismo e plataformas como Buser e FlixBus, que avançam no mercado brasileiro.

Nunes diz que a principal pauta da associação será a livre concorrência no mercado de transportes rodoviários, e que já tem conversado com representantes dos governos federal e estadual sobre o assunto.

"Os donos do monopólio dos ônibus rodoviários dizem que não é possível que as linhas rodoviárias concedidas convivam com as plataformas de venda de fretamento colaborativo. A associação está se organizando para mostrar que só queremos liberdade de trabalho", diz.

Nunes defende que há demanda reprimida pelo serviço das empresas de fretamento colaborativo. "Eu entendo que a linha rodoviária tem seu valor, mas a realidade é outra. Os jovens querem o aplicativo, não querem ir para a rodoviária", afirma.

Segundo ele, a ideia também é promover compras coletivas de peças para os veículos e óleo diesel, para reduzir custos principalmente para as pequenas empresas, além de garantir um seguro cooperado para os associados.

Joana Cunha com Andressa Motter