quarta-feira, 1 de setembro de 2021

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE Quem tem medo de Lula?, FSP (Impagável)

 

Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente de honra do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)

São três grandes figuras do empresariado nacional e uma louvável preocupação com o futuro do país; isto é inegável (“Nem Bolsonaro, nem Lula”; Horácio Lafer Piva, Pedro Pedro Wongtschowski e Pedro Passos - O Estado de S. Paulo, 13/8). Três mosqueteiros em busca do Santo Graal! Perdoem-me o anacronismo. Já pensaram que haviam encontrado em Luciano Huck o salvador da pátria, imaginem só. O que seria do Brasil tornado em espetáculo circense de demagogia barata? Qualquer coisa para derrotar Lula. E, com isso, acompanham as “viúvas do PSDB”.

Disseram que Lula é ignorante. Mas foi ele que criou 17 universidades, com 31 campi. Será que foi por ignorância que percebeu o quanto é importante para a juventude brasileira ver seu sonho de ascensão social realizado? Será a criação de universidades consequência da ignorância? E, no entanto, dizem que Lula é um ignorante.

Dizem que Lula nunca leu Shakespeare, que não é letrado. Ora, não foi Lula o presidente que mais atenção deu ao ensino médio? Quem mais escolas criou? Seria esta a iniciativa de quem não ​preza a educação?

Dizem que Lula foi maléfico para a indústria. Mas quem foi que revitalizou a indústria naval, a de bens de capital e até a de informática? Nunca, a não ser durante a administração Ernesto Geisel, teve a indústria brasileira tanto apoio. É isso desapreço pela indústria? E, no entanto, os empresários o acusam de atrasado.

Dizem: Lula não fala inglês, nem francês, nem sequer espanhol. Portanto não pode entender os negócios estrangeiros. Ué, pois não foi durante a sua Presidência, independente, autônoma, que teve o Brasil e sua política externa o maior prestígio internacional à nossa eficiência? Será que querem o entreguismo, o servilismo de FHC de volta? Sim, Lula não fala inglês, como dizem eles, mas é mais sagaz e mais astuto que qualquer outro estadista brasileiro do PSDB.

Lula é um imediatista, não pensa no futuro. Ora, foi durante sua administração que o orçamento da Ciência e Tecnologia mais que dobrou.

Falam eles da desigualdade. Mas não foi Lula que tirou 30 milhões de brasileiros da pobreza? Não foi ele que aumentou o salário mínimo, duplicando-o? Mas eles dizem que Lula não ajudou os pobres.
Condenam Lula, junto com Bolsonaro, por atacar as instituições. Mas ninguém respeitou mais o Congresso, o STF, as Forças Armadas. Não há ignomínia maior do que colocar Lula e Bolsonaro no mesmo saco.

Justamente esses empresários foram cujas empresas mais se beneficiaram durante a administração Lula. Ou não foram?

Sim, pela governabilidade, Lula cedeu por vezes a pressões do centrão. Mas que presidente não cedeu? Só Dilma, e viram o que aconteceu!

Então, por que têm medo de Lula? Por que comparam o mais bem-sucedido presidente do Brasil no período pós-ditadura ao facínora que está hoje no poder? Será saudosismo pelo defunto PSDB, o partido das elites? Não pode ser só isso. Talvez seja um impulso, primeiro, biológico. Rockefellers jogam golfe com Gettys e não com seus garçons. “Eles não são dos nossos.” “Um operário é um operário.” “Somos uma casta superior, nós, da elite.”

Como pode um operário presidir o Brasil? Dando ordens a nós, da elite? Eis a questão.

Tentações de romper com o equilíbrio fiscal precisam cessar, Antonio Delfim Netto, FSP

 A inflação continua a preocupar e a causar estrago no consumo e na renda das famílias, principalmente das mais pobres. Atingiu elevados 9% nos 12 meses terminados em julho, acima da meta de 3,75% para 2021.

Ainda que sobre a base deprimida do ano passado, o que tem impacto relevante (como mostrou análise recente do BIS), alguns fatores explicam a dinâmica da inflação global desde meados de 2020. Um deles é o comportamento dos preços internacionais das commodities, impulsionado pela forte demanda internacional, notadamente da China.

A “reflação” global e a recuperação da atividade deram-se em ritmo surpreendente. Esperava-se que o corte de demanda produzisse queda generalizada dos preços na pandemia, mas o que se viu foi a canalização de boa parte da demanda de serviços para bens, sem que houvesse ajuste na oferta. Setores não foram capazes de antecipar a demanda (e sua intensidade) e houve uma completa disrupção dos processos produtivos, com falta de insumos em geral, além do caos logístico, com filas de embarque e elevação monumental no preço de fretes e containers.

Trata-se, portanto, de um fenômeno de natureza global, cuja intensidade difere entre países por razões idiossincráticas. No Brasil, a elevação do preço da energia é reforçada pela maior seca dos últimos 91 anos. A extraordinária desvalorização cambial, pela turva perspectiva fiscal e política, impede que o câmbio amorteça parte da pressão vinda das commodities.

É sempre tentador culpar o Banco Central pela dinâmica inflacionária. Dado o contexto atual, os sucessivos choques sofridos e o ineditismo da situação como um todo, não parece ter havido erro crasso na condução da política monetária a partir das informações disponíveis no momento de tomada das decisões, a não ser, talvez, para aqueles que o avaliam quando o futuro já virou passado...

O padrão da inflação brasileira hoje é parecido com o de seus pares, ainda que em nível inegavelmente mais elevado. É preciso lembrar, também, que o Brasil costuma ter, com certa frequência, inflação mais alta que esses países. Uma das pistas para entender a razão está onde sempre esteve: em nosso desfavorável perfil fiscal (o que não será resolvido com a redução agressiva das metas de inflação...).

O BC, agora com autonomia “de jure”, tem todos os instrumentos para conter a disseminação do processo inflacionário e a contaminação das expectativas para os próximos anos. O que precisamos, de maneira coadjuvante, é compreender que a perspectiva de solvência fiscal é fundamental. E, para isso, os ruídos e as tentações de romper com o equilíbrio fiscal precisam cessar.

Hélio Schwartsman - Vendo o Afeganistão, dá para confiar nos EUA?. FSP

 

Não dá para dourar a pílula. Os EUA deixam o Afeganistão de forma humilhante. De que modo isso afeta o papel dos EUA como supostos fiadores de uma ordem mundial que valoriza a democracia e os direitos humanos?

Devemos começar reconhecendo que não é fácil ser a única superpotência do planeta. Se os EUA foram com razão criticados pela opinião pública mundial pela desastrosa intervenção no Iraque, não é menos verdade que, em outras ocasiões, foram conclamados por essa mesma opinião pública a guerrear por motivos humanitários, como ocorreu na antiga Iugoslávia.

O Afeganistão fica no meio do caminho. Penso que a intervenção inicial em 2001 não se justificava. É verdade que o Talibã dava abrigo a Osama bin Laden, mas nada indica que o grupo tenha participado do planejamento do 11 de Setembro. Se o objetivo era capturar e punir o líder da Al Qaeda, fazia muito mais sentido despachar comandos de forças especiais do que iniciar uma guerra do outro lado do mundo.

Foram os comandos, aliás, que acabaram encontrando e matando Bin Laden, uma década depois. É claro que, tendo a Casa Branca decidido que os EUA não poderiam deixar de movimentar sua máquina militar após os ataques terroristas, não foi difícil encontrar justificativas morais para fazê-lo. As violações sistemáticas do Talibã aos direitos humanos, em particular os de mulheres, eram reais.

O balanço dos 20 anos de intervenção, porém, não é favorável aos EUA. Eles deixam o Afeganistão nas mãos do mesmo grupo que derrubaram. No caminho, gastaram trilhões de dólares para tentar construir um Estado funcional, que ruiu sem esboçar muita resistência. Até diria que Washington cumpriu suas obrigações em relação ao país Afeganistão, mas não em relação aos milhares de afegãos que acreditaram nas promessas dos americanos e agora podem ser punidos pelo Talibã por terem colaborado. Esses foram inapelavelmente traídos pelos EUA.