quarta-feira, 10 de março de 2021

Lula diz ser possível frente de esquerda contra Bolsonaro, pede para Ciro se reeducar e responde a Huck e militares, FSP

 Joelmir Tavares

SÃO PAULO

Em sua primeira entrevista após ter suas condenações anuladas e sido autorizado a disputar eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ser possível uma frente de esquerda para derrotar Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022, mas que é preciso paciência para discuti-la e construi-la nos próximos meses.

Lula falou sobre o tema ao enaltecer seu vice de 2003 a 2010, o empresário José Alencar. O petista também disse que ainda é cedo para pensar em candidatura própria do PT ou dos demais partidos de esquerda. "Vai ser bem pra frente que a gente vai discutir."

O ex-presidente lembrou que o PT polariza nas eleições desde 1989, citando as disputas seguintes, e que isso deve ocorrer novamente em 2022 entre esquerda e direita —citando o presidente Bolsonaro.

Questionado, Lula respondeu às recentes críticas de seu ex-ministro Ciro Gomes (PDT), também pré-candidato ao Planalto. Segundo o petista, "Ciro precisa se reeducar e aprender a respeitar as pessoas".

O ex-presidente ainda se disse chateado com a declaração do apresentador Luciano Huck, segundo o qual o petista será uma figurinha carimbada nas eleições de 2022.

O ex-presidente Lula em fala em São Bernardo do Campo
O ex-presidente Lula em fala em São Bernardo do Campo - Marlene Bergamo/Folhapress

Ainda na entrevista, voltou a atacar a Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, responsáveis por suas condenações que o deixaram 580 dias na prisão entre abril de 2018 e novembro de 2019.

[ x ]

Lula disse que não pode levar a sério as manifestações recentes de clubes militares, mas admitiu sua preocupação com a postagem do general Eduardo Villas Bôas, em 2018, para pressionar o STF (Supremo Tribunal Federal) a mantê-lo preso. "Não é correto um comandante do Exército ter feito isso".

Em recente livro, o general da reserva disse que a publicação de um tuíte em 2018 para pressionar a corte um dia antes do julgamento que levou à prisão do ex-presidente Lula (PT) foi elaborada por ele junto com “integrantes do Alto-Comando” das Forças Armadas.

Lula acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril, foi preso e levado para Curitiba. Deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segunda instância.

Sobre as reações do mercado à sua candidatura, chamou isso de especulações, já que pretende priorizar o investimento produtivo e a geração de emprego, caso seja eleito presidente em 2022.

Na última segunda-feira, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a anulação de todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato.

Lula, 75, tinha sido condenado em duas ações penais, por corrupção e lavagem de dinheiro, nos casos do tríplex de Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP).

O ministro do STF entendeu que as decisões não poderiam ter sido tomadas pela vara responsável pela operação e determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.

Assim, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele pode se candidatar nas próximas eleições, em 2022. Lula estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, já que ambas as condenações pela Lava Jato haviam sido confirmadas em segunda instância.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) já decidiu recorrer contra o habeas corpus de Fachin. A informação foi confirmada por assessores do procurador-geral Augusto Aras.

Lula foi solto em novembro de 2019, após 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba, beneficiado por um novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos.

Como mostrou a Folha nesta quarta-feira, candidato ou não a presidente em 2022, Lula começa sua jornada à eleição no ano que vem buscando fugir do que o PT vê como uma armadilha: ser considerado pelo eleitorado um polo tão extremo quanto Jair Bolsonaro (sem partido).

O tema tem sido discutido por aliados do líder petista desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, restaurou seus direitos políticos ao anular condenações da Operação Lava Jato.

Há um consenso de que a polarização com Bolsonaro tem de ser modulada pelo óbvio: não alienar nem o eleitorado que abraçou o antipetismo de 2016 para cá, mas que antes apoiou Lula, nem os agentes financeiros.

Isso não significa, contudo, uma reedição da famosa Carta ao Povo Brasileiro, documento de 2002 em que Lula beijava a cruz do mercado prometendo manter a política liberal do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).

Deu certo, e o namoro entre mercado e governo do PT só começou a sofrer abalos reais a partir das gestões de Dilma Rousseff (2011-16), que amplificou políticas instituídas nos dois anos finais das administrações de Lula.

Agora, contudo, petistas de alto escalão avaliam ser dispensável um compromisso —ao contrário, basta se colocar retoricamente como uma alternativa racional, urbana, à turbulenta gestão de Bolsonaro.

A primeira reação dos mercados à liberação de Lula foi negativa, com um misto de repetição do temor que o PT provocava nos anos de crise de Dilma com a expectativa de que Bolsonaro inclinará seu governo para uma gestão mais populista e autoritária prevendo o embate com o petista.

Lula tem sido aconselhado a vestir um figurino de estadista mais sereno, fazendo a defesa institucional de aspectos que considera positivos de seu governo.

Sua proverbial agressividade de palanque ficaria, se o cenário se confirmar, para itens incontestáveis de crítica a Bolsonaro —como seu manejo da pandemia, que já tem mais de 260 mil mortos no país.

ORGANIZAÇÕES COBRAM VETO TOTAL A PL DE RECONHECIMENTO FACIAL NO METRÔ DE SP - TeleSíntese

 Texto foi aprovado pela Alesp em fevereiro e autoriza Metrô e CPTM a implantarem câmeras para reconhecimento facial até mesmo dentro dos vagões. Conselho de Transparência de São Paulo também sugeriu ao governador o veto integral.

Um grupo de 27 entidades que lutam por direitos digitais, como o direito à privacidade, emitiu carta aberta ao governador de.São Paulo, João Dória, na qual pede o veto integral ao projeto de lei 865/19. A proposição foi aprovada em fevereiro na.Assembleia Legislativa e autoriza o Metrô e a.Companhia de Trens.Metropolitanos a instalar câmeras de reconhecimento facial em todas as estações, bem como no interior dos vagões das composições.

A proposta é de autoria do deputado estadual Rodrigo Gambale (PSL) e recebeu modificações ao longo da tramitação. Inicialmente obrigava a instalação dos equipamentos. Agora, torna facultativa às empresas.

PUBLICIDADE 

Para as entidades que assinam a carta aberta divulgada nesta terça-feira, 9, o projeto é um desastre para a privacidade dos usuários. Também apontam que a tecnologia de reconhecimento facial é falha. E criticam a tramitação na Alesp, sem qualquer participação social ou consulta a especialistas no tema.

TECNOLOGIA FALHA

Para o grupo, o texto ameaça direitos fundamentais dos usuários do transporte público sobre trilhos paulista. Ressalta que o.PL ignora o fato de que a tecnologia de reconhecimento facial possui altos índices de erros com públicos específicos e tende a provocar discriminação, especialmente em relação a pessoas negras, transexuais e mulheres. “O resultado do uso indiscriminado da tecnologia leva a suspeições, prisões e constrangimentos equivocados, violações de.Direitos.Humanos e fortalecendo preconceitos e desigualdades estruturais”, afirma.

Alertam que a sanção do texto contraria recomendação de 2019 do Relator.Especial da.Organização das.Nações.Unidas (ONU) para Liberdade de.Opinião e Expressão, para que os países suspendam a venda, transferência e uso de tecnologias de vigilância – o que inclui o reconhecimento facial – até a criação de marcos regulatórios alinhados aos padrões internacionais de direitos humanos.

“É preciso impor limites ao uso de dados biométricos (como a imagem do rosto), devendo ocorrer quando for absolutamente necessário para atingir um objetivo legítimo”, afirmam as organizações, citando a.Alta Comissária para Direitos Humanos da.ONU.e o.Relator Especial da.ONU para o.Direito à.Privacidade.

SEM REFERÊNCIAS

Apontam ainda que o.PL aprovado ignora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018. Não há qualquer menção à LGPD nem a princípios de coleta e tratamento de dados. Também carece de referências ao.Código de Defesa do Usuário do Serviço Público e ao.Código de Defesa do Consumidor, e não observa qualquer aspecto legal quanto à proteção de imagem de crianças e adolescentes, como previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Há mais motivos. O grupo lembra que há pelo menos duas decisões  judiciais que invalidaram tentativas de coleta de dados biométricos por parte do Metrô em São Paulo. E que o projeto de lei vai confrontar tais decisões e gerar “insegurança jurídica”.

“Eventuais ações judiciais contra o uso de reconhecimento facial imposto por meio do.PL podem levar à suspensão de editais de licitação, gastos com custas processuais e, em casos mais extremos, ao pagamento de indenizações e multas por erros decorrentes de falsos positivos em reconhecimento facial ou vazamento de dados sensíveis”, diz a carta aberta.

CONSELHO DE TRANSPARÊNCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

O Conselho de Transparência do Estado de São Paulo também já se manifestou contrário ao tema, em reunião ocorrida no dia 24 de fevereiro. No dia 4, enviou a Dória carta na qual conclui: “a adoção e uso no estágio atual de maturidade de tais tecnologias trazem riscos a princípios caros à administração pública: transparência, eficiência do uso do recurso público e respeito aos direitos humanos e vai de encontro a.Lei Geral de Proteção de.Dados.
Por essas razões, recomendamos ao excelentíssimo senhor.Governador do Estado de São Paulo não sancionar o Projeto de Lei nº 865/2019″.

Assinam a carta aberta das organizações:

Access Now.
ARTIGO19 Brasil.
Articulação Interamericana de Mulheres Negras nas Ciências Criminais.
Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa.
Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo.
Cidades Afetivas.
Coding Rights.
Comunidade Cultural Quilombaque.
Dado Capital.
Derechos Digitales, América Latina.
Instituto Alana.
Instituto Brasileiro de Defesa do.Consumidor – IDEC.
Instituto de Referência em Internet e Sociedade – IRIS.
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Laboratório de Políticas Públicas e Internet – LAPIN.
Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São
Paulo.
Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo.
Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Ocupa Política.
Open Knowledge Brasil.
Rede latino-americana de estudos sobre vigilância, tecnologia e sociedade – LAVITS.
Rede pela Transparência e Participação Social – RETPS.
Transparência Brasil.
Uneafro Brasil.


Antonio Delfim Netto - Negacionismo fiscal, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

A tragicomédia da cena econômica brasileira continua de vento em popa, para o espanto da plateia e os aplausos dos que não demonstram nenhum compromisso com o país.

O relatório final da PEC Emergencial é uma sombra das propostas originais de ajuste e reorganização fiscal. Sumiram as medidas com efeitos de curto prazo e ficaram, principalmente, ajustes na estrutura de funcionamento da política fiscal e os gatilhos de contenção das despesas, sob a promessa renovada de sermos fiscalmente menos irresponsáveis no futuro.

Para resolver o problema do pagamento necessário e urgente do auxílio emergencial, tirou-se do teto de gastos deste ano um montante de R$ 44 bilhões.

O texto, aparentemente, foi o possível de ser construído politicamente, dada a nossa baixa propensão a resolver problemas concretos hoje, mas, ao mesmo tempo, garantir que a situação não desmorone de imediato.

No entanto, não contentes com o desfecho, os relatos são de que alguns senadores, apoiados e, pior, instruídos pelo próprio presidente da República, tentaram aproveitar as horas que antecederem a votação para desconstruir o trabalho da equipe econômica do próprio governo e finalmente furar o teto de gastos.

A manobra de retirar do teto as despesas com o Bolsa Família e sabe-se lá mais o que, numa conta que poderia chegar a R$ 150 bilhões em 2021/22, para abrir espaço no teto para gastos com investimentos e emendas parlamentares, é espantosa até para os padrões brasileiros.

O comportamento da taxa de câmbio, dos juros futuros e do risco país na semana passada são apenas termômetros momentâneos do estrago que virá do completo abandono da âncora fiscal brasileira, pois é disso que se trata. A crise que será produzida terá efeitos concretos mais adiante, todos eles velhos conhecidos do Brasil: inflação, recessão, desemprego e perda de renda. Todos eles decorrentes das políticas "bem intencionadas" de intervir nos mercados para controlar a subida inconveniente de alguns preços, dar uma "ajuda" aos mais pobres e concretizar projetos que, "agora mais do que nunca", se fazem indispensáveis.

Não há como um governo paralelo funcionar dentro do próprio governo, e é preciso que os que aconselham o presidente e os senadores tenham um pouco mais de compromisso com o Brasil. O convencimento não deveria ser difícil. Afinal, a recessão de 2015/2016 foi produto das mesmas "grandes" ideias, e os resultados, celebrados na pior década da história da economia brasileira. Para o nosso lamento, em Brasília, o pior instrumento de convencimento que existe é a lógica.

Antonio Delfim Netto

Economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.