segunda-feira, 1 de março de 2021

Celso Rocha de Barros Brasília foge, e Faria Lima vende, enquanto brasileiros morrem, FSP

 A semana passada deve ter sido a pior do século 21 brasileiro. Enquanto os primeiros países a se vacinarem já discutem a volta à normalidade, as mortes por Covid-19 crescem aceleradamente no Brasil.

As mortes já começaram a cair em países que também se saíram mal no combate à pandemia, como o México e os Estados Unidos, mas continuam a crescer no Brasil.

Em Manaus, pacientes intubados precisam ser amarrados para suportar a agonia porque a anestesia acabou, como antes havia acabado o oxigênio.

O governo Bolsonaro mandou as vacinas do Amazonas para o Amapá porque errou a sigla. Em várias regiões do Brasil a ocupação de UTIs se aproxima de 100%.

No célebre hospital Albert Einstein, o preferido do presidente, já está em 104%. Se Bolsonaro fosse esfaqueado por Adélio Bispo hoje, morreria sangrando na sala de espera.

Enquanto isso, o auxílio emergencial acabou, e a população brasileira mergulhou na mais profunda miséria.

Sem perspectiva de vacinação, não há cenário de crescimento econômico que empregue essa gente toda.
Passaremos a recuperação da economia mundial doentes, morrendo, pobres, deixados para trás pelas nações que não elegem Bolsonaros.

O que as elites política e econômica brasileiras estavam fazendo durante tudo isso? Em um país funcional, teriam apoiado e promovido impeachment e prisão dos responsáveis por tudo isso.

Um governo de união nacional estaria já implementando a nova política de sustentação de renda. Todos os esforços estariam focados em conseguir vacinas desde o impeachment de maio de 2020.

Ao invés disso, na pior semana do século, as pautas em Brasília eram as seguintes: o Congresso passou tempo precioso tentando tornar mais difícil que parlamentares sejam presos.

O governo inventou um pacote de medidas liberalizantes projetadas nas coxas para acalmar o mercado depois da intervenção na Petrobras (cujas ações voltaram a cair).

Bolsonaro conseguiu que o Superior Tribunal de Justiça aliviasse para seu filho Flávio, criando jurisprudência que será usada por todos os acusados de corrupção de agora em diante. Na quinta-feira, o presidente da República foi à internet para mentir que máscaras não funcionam para combater a Covid-19.

A Brasília que sustenta Bolsonaro resolveu deixar o resto do Brasil morrer enquanto eles todos, como o primeiro-filho Flávio, fogem da polícia.

O acordo é esse: Jair Bolsonaro, o responsável por muitas milhares de mortes durante a pandemia, mantém seu cargo e permanece impune pelas mortes que causou. Em troca, nenhum político será preso pelo dinheiro que roubou.

E os ricos? Até a semana passada, apoiavam isso tudo.

Desde a intervenção na Petrobras, estão em dúvida: discutem se Bolsonaro, que mudou de Palmeiras para Flamengo no dia seguinte à decisão do Campeonato Brasileiro, tem convicções liberais firmes. Se concluírem que tem, voltam a apoiar. Enquanto discutem, a bolsa cai.

Na pior semana do século brasileiro, Brasília fugiu da polícia, e a Faria Lima vendeu Petrobras. Se já houve mecanismo capaz de fazer as duas trabalharem pelo Brasil, parece ter parado de funcionar.​

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


domingo, 28 de fevereiro de 2021

Sem contracheque ou cargo de repórter, seu Frias foi funcionário exemplar, FSP

 Hélio Schwartsman

SÃO PAULO

Ele não recebia contracheque e odiava ser chamado de jornalista. Ainda assim, por mais de 40 anos, foi um funcionário exemplar da Folha: decisivo, assíduo, exigente —consigo mesmo e com os outros— e, embora não fosse propriamente um repórter, participou da apuração de alguns dos grandes furos do jornal.

Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), ou “seu” Frias, como ele preferia ser chamado, foi o publisher do jornal de 1962 até sua morte. No espírito de seu Frias de ser tão direto quanto possível, talvez seja bom esclarecer que publisher é só um termo pomposo para “dono”.

O então publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira, em viagem a Chicago (EUA), em 1969
Octavio Frias de Oliveira, então publisher da Folha, em viagem a Chicago (EUA) em 1969 - Folhapress

“Foi uma loucura” era uma das expressões que ele usava para descrever a compra, em agosto de 1962, poucos dias após seu aniversário de 50 anos, do Grupo Folha, com os sócios Carlos Caldeira Filho e Caio de Alcântara Machado —este saiu do negócio meses depois.

Frias era essencialmente um homem de negócios. Já havia atuado em vários ramos, como o financeiro e a construção civil. Foi ele quem trouxe o arquiteto Oscar Niemeyer para fazer projetos em São Paulo e foi responsável pela incorporação do edifício Copan, entre outros prédios icônicos da cidade. Um ano antes da aquisição da Folha, Frias e Caldeira inventaram e administravam a velha rodoviária de São Paulo, na zona central, aquela de teto colorido de que os mais velhos se lembrarão.

Folha, que pertencia a José Nabantino Ramos, estava em sérias dificuldades econômicas. Frias fez o que sabia. Deu um cheque, “bom para segunda-feira”, e depois foi corrigindo os muitos problemas empresariais que encontrou e tentando aprender alguma coisa sobre jornalismo. Aprendeu relativamente rápido.

Em meados dos anos 1970, em parceria com o jornalista Cláudio Abramo, que comandava a Redação, Frias decidiu reformular as páginas de opinião do jornal, abrindo-as para que personalidades de todas as tendências políticas se manifestassem.

Passou a ser comum encontrar nomes de opositores ao regime militar, como os de Fernando Henrique Cardoso e Marilena Chauí, assinando artigos. Também contratou intelectuais, como José Serra, para escrever os editoriais, que fazia questão de revisar pessoalmente, palavra a palavra.

Seu Frias com o filho, Otavio, em foto de 1960
Seu Frias com o filho, Otavio, em foto de 1960 - Folhapress

Frias era, no fundo de sua alma, um pluralista. Ouvia a todos com igual interesse. Ao longo dos mais de dez anos em que trabalhei a seu lado como editorialista, vi-o improvisar inúmeras sondagens, em que consultava todos os que estivessem ao alcance —isto é, repórteres especiais, editorialistas, secretárias, contínuos e garçom— acerca de um tema polêmico. Às vezes se dobrava à maioria, às vezes, não. Não é coincidência que tenha criado o Datafolha.

Se a esquerda se tornou presença constante nas páginas da Folha, nomes da direita, como Plinio Corrêa de Oliveira, nunca deixaram de aparecer.

A pluralidade foi um dos ingredientes que contribuíram para que a Folha, uma década mais tarde, com a Redação já sob comando de Otavio Frias Filho (1957-2018), se tornasse o jornal mais identificado com a redemocratização e, a partir daí, conquistasse a liderança de mercado.

Outra característica de seu Frias que se incorporou à cultura da empresa é a preocupação quase obsessiva com a independência financeira, que ele classificava como condição necessária para a independência editorial. Ele não se envergonhava de catar clipe no chão. Quando o provocávamos por tentar economizar com migalhas, ele dizia que era essa atitude que garantia que pudéssemos escrever o que quiséssemos.

Ao contrário do pai, Luiz Torres de Oliveira, e do filho Otavio, Frias não tinha preocupações nem ambições intelectuais. Respeitava muito a figura do especialista, mas seu negócio eram pessoas e ele sabia lidar muito bem com elas. Estabelecia ligações fortes e duradouras com muitas delas, desde funcionários humildes até figuras do poder.

Em off, jargão jornalístico para informações cuja fonte deve ser mantida em sigilo, figuras importantes de meios empresariais, políticos, médicos etc. lhe contavam tudo. E isso o transformou num repórter informal. É ao seu Frias que a Folha deve furos memoráveis, como a informação de que Tancredo Neves tinha um tumor e não uma diverticulite, como anunciavam os canais oficiais.

Essa extrema sociabilidade também tinha o seu reverso. A empresa costumava montar uma verdadeira operação de guerra para que os resultados das pesquisas eleitorais do Datafolha que seriam publicadas na edição impressa do dia seguinte não vazassem.

Mas, assim que os números chegavam ao seu Frias, ele não resistia e se punha a ligar para políticos com os quais tinha maior intimidade, contando tudo. Ele era o vazamento. A confiança é uma via de mão dupla —e Frias sabia disso.

A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA

  • 1912: Nasce em 5 de agosto, no Rio de Janeiro.
  • 1926: Deixa o colégio para trabalhar. Seu primeiro emprego foi como office-boy da Companhia de Gás.
  • 1948: Com um grupo de amigos, liderados por Orozimbo Roxo Loureiro, funda o Banco Nacional Imobiliário, que teria papel relevante na edificação de arranha-céus em São Paulo.
  • 1955: Perde a 1ª mulher, Zuleika, e o irmão José em desastre de carro. Pouco depois conhece Dagmar de Arruda Camargo, com quem viria a se casar e ter filhos, netos e bisnetos.
  • 1961: Torna-se sócio de Carlos Caldeira Filho na Estação Rodoviária de SP, a primeiro do gênero.
  • 1962: Com Caldeira e Alcântara Machado, compra a Folha de S.Paulo de Nabantino Ramos.
  • 1975: Após sanear as finanças da empresa, dá início às reformas editoriais que tornariam a Folha pluralista, cada vez mais influente no cenário nacional e líder de circulação diária.
  • 1983: Publisher da Folha se convence da necessidade de engajar o jornal no movimento das Diretas Já.
  • 1991: Frias e Caldeira dissolvem a sociedade. Coube ao primeiro a empresa de comunicações e, ao segundo, os negócios na área de imóveis.
  • 2007: Morre em 29 de abril, após quadro de insuficiência renal

Samuel Pessôa - Auxílio e recuperação econômica, FSP

 Foi divulgado na semana passada o texto substitutivo do senador Márcio Bittar (MDB-AC) à proposta de emenda à Constituição, PEC 186 de 2019, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

O texto permite que o Executivo envie uma medida provisória ao Congresso Nacional para abrir crédito extraordinário a fim de financiar, por meio de aumento de endividamento público, a extensão do auxílio emergencial (AE) em 2021. Evidentemente, o gasto seria além do teto dos gastos como definido pela emenda constitucional 95.

Como a Constituição permite esse tipo de gasto somente se for para “despesas imprevisíveis”, o que não é o caso da epidemia que está conosco há um ano, é necessário a aprovação da PEC para dar segurança jurídica à extensão do AE. Além disso, há que superar a vedação a endividamento adicional (regra de ouro) e excepcionalizar o impacto do gasto na meta de resultado primário.

Na mesma PEC há diversas contrapartidas para melhorar o equilíbrio fiscal.

Uma é muito polêmica: a desvinculação de receita de impostos e contribuições para a saúde e a educação. A desvinculação constitui mudança importante em nosso contrato social e precisa de um debate mais aprofundado e qualificado.

Por exemplo, me parece correta a manutenção da vinculação para saúde e educação, mas relativamente ao gasto primário total, e não à receita. Contudo, certamente trata-se de tema para ser discutido em outro momento —na sexta-feira (26), aliás, Bittar indicou que vai retirar o dispositivo da PEC.

As outras contrapartidas fiscais à extensão do AE, que estão no substitutivo de Bittar, são temas mais do que discutidos pela sociedade e pelo Congresso.

A contrapartida mais importante é melhorar a redação do trecho da emenda constitucional 95, que estabeleceu o teto para o gasto primário, para especificar melhor a condição de acionamento das medidas corretivas, sempre que o limite for excedido.

Outra medida importante é não tornar a União solidária no pagamento de dívidas dos estados. Assim, a PEC revoga a obrigação da União de conceder crédito aos estados para pagar dívida judicial estadual transitada em julgado, isto é, precatórios.

Também constitucionaliza artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que recentemente o STF decidiu que não poderia ser legislado por meio de lei complementar, que é o caso da LRF.

A medida faz com que os Poderes e órgãos autônomos —Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e Defensoria— sejam solidários com o Poder Executivo sempre que houver frustração de receita em relação ao orçamento.

Na situação atual, toda frustração de receita é arcada pelo Executivo dos estados e municípios, isto é, pela saúde, pela educação e pela segurança.

Estabelece que gasto com pensionista de servidor deve ser contabilizado como gasto com pessoal, como recomenda o manual do Tesouro Nacional. Trata-se de importante medida para harmonizar a contabilidade pública.

Também fornece relevante instrumento de gestão aos governadores e prefeitos: sempre que o gasto obrigatório atingir 95% da receita corrente líquida (RCL), o gestor (se quiser) poderá acionar as mesmas medidas de controle dos gastos obrigatórios que valem para a União.

Adicionalmente, exime a União de ser obrigada a avalizar dívida nova de estados e municípios que estejam com gasto corrente obrigatório acima de 95% da RCL. Como no caso dos precatórios, trata-se de relevante medida de reequilíbrio da Federação.

Essas medidas são importantes e não são polêmicas. Se aprovadas conjuntamente com a extensão do AE, contribuirão para que a recuperação econômica seja mais forte e a queda da taxa de desemprego, a partir do segundo semestre, seja mais rápida.

Lembremos que o cenário inflacionário tem se deteriorado rapidamente. Teremos IPCA a 7% ao ano em junho.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.