Ele não recebia contracheque e odiava ser chamado de jornalista. Ainda assim, por mais de 40 anos, foi um funcionário exemplar da Folha: decisivo, assíduo, exigente —consigo mesmo e com os outros— e, embora não fosse propriamente um repórter, participou da apuração de alguns dos grandes furos do jornal.
Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), ou “seu” Frias, como ele preferia ser chamado, foi o publisher do jornal de 1962 até sua morte. No espírito de seu Frias de ser tão direto quanto possível, talvez seja bom esclarecer que publisher é só um termo pomposo para “dono”.
“Foi uma loucura” era uma das expressões que ele usava para descrever a compra, em agosto de 1962, poucos dias após seu aniversário de 50 anos, do Grupo Folha, com os sócios Carlos Caldeira Filho e Caio de Alcântara Machado —este saiu do negócio meses depois.
Frias era essencialmente um homem de negócios. Já havia atuado em vários ramos, como o financeiro e a construção civil. Foi ele quem trouxe o arquiteto Oscar Niemeyer para fazer projetos em São Paulo e foi responsável pela incorporação do edifício Copan, entre outros prédios icônicos da cidade. Um ano antes da aquisição da Folha, Frias e Caldeira inventaram e administravam a velha rodoviária de São Paulo, na zona central, aquela de teto colorido de que os mais velhos se lembrarão.
A Folha, que pertencia a José Nabantino Ramos, estava em sérias dificuldades econômicas. Frias fez o que sabia. Deu um cheque, “bom para segunda-feira”, e depois foi corrigindo os muitos problemas empresariais que encontrou e tentando aprender alguma coisa sobre jornalismo. Aprendeu relativamente rápido.
Em meados dos anos 1970, em parceria com o jornalista Cláudio Abramo, que comandava a Redação, Frias decidiu reformular as páginas de opinião do jornal, abrindo-as para que personalidades de todas as tendências políticas se manifestassem.
Passou a ser comum encontrar nomes de opositores ao regime militar, como os de Fernando Henrique Cardoso e Marilena Chauí, assinando artigos. Também contratou intelectuais, como José Serra, para escrever os editoriais, que fazia questão de revisar pessoalmente, palavra a palavra.
Frias era, no fundo de sua alma, um pluralista. Ouvia a todos com igual interesse. Ao longo dos mais de dez anos em que trabalhei a seu lado como editorialista, vi-o improvisar inúmeras sondagens, em que consultava todos os que estivessem ao alcance —isto é, repórteres especiais, editorialistas, secretárias, contínuos e garçom— acerca de um tema polêmico. Às vezes se dobrava à maioria, às vezes, não. Não é coincidência que tenha criado o Datafolha.
Se a esquerda se tornou presença constante nas páginas da Folha, nomes da direita, como Plinio Corrêa de Oliveira, nunca deixaram de aparecer.
A pluralidade foi um dos ingredientes que contribuíram para que a Folha, uma década mais tarde, com a Redação já sob comando de Otavio Frias Filho (1957-2018), se tornasse o jornal mais identificado com a redemocratização e, a partir daí, conquistasse a liderança de mercado.
Outra característica de seu Frias que se incorporou à cultura da empresa é a preocupação quase obsessiva com a independência financeira, que ele classificava como condição necessária para a independência editorial. Ele não se envergonhava de catar clipe no chão. Quando o provocávamos por tentar economizar com migalhas, ele dizia que era essa atitude que garantia que pudéssemos escrever o que quiséssemos.
Ao contrário do pai, Luiz Torres de Oliveira, e do filho Otavio, Frias não tinha preocupações nem ambições intelectuais. Respeitava muito a figura do especialista, mas seu negócio eram pessoas e ele sabia lidar muito bem com elas. Estabelecia ligações fortes e duradouras com muitas delas, desde funcionários humildes até figuras do poder.
Em off, jargão jornalístico para informações cuja fonte deve ser mantida em sigilo, figuras importantes de meios empresariais, políticos, médicos etc. lhe contavam tudo. E isso o transformou num repórter informal. É ao seu Frias que a Folha deve furos memoráveis, como a informação de que Tancredo Neves tinha um tumor e não uma diverticulite, como anunciavam os canais oficiais.
Essa extrema sociabilidade também tinha o seu reverso. A empresa costumava montar uma verdadeira operação de guerra para que os resultados das pesquisas eleitorais do Datafolha que seriam publicadas na edição impressa do dia seguinte não vazassem.
Mas, assim que os números chegavam ao seu Frias, ele não resistia e se punha a ligar para políticos com os quais tinha maior intimidade, contando tudo. Ele era o vazamento. A confiança é uma via de mão dupla —e Frias sabia disso.
A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
- 1912: Nasce em 5 de agosto, no Rio de Janeiro.
- 1926: Deixa o colégio para trabalhar. Seu primeiro emprego foi como office-boy da Companhia de Gás.
- 1948: Com um grupo de amigos, liderados por Orozimbo Roxo Loureiro, funda o Banco Nacional Imobiliário, que teria papel relevante na edificação de arranha-céus em São Paulo.
- 1955: Perde a 1ª mulher, Zuleika, e o irmão José em desastre de carro. Pouco depois conhece Dagmar de Arruda Camargo, com quem viria a se casar e ter filhos, netos e bisnetos.
- 1961: Torna-se sócio de Carlos Caldeira Filho na Estação Rodoviária de SP, a primeiro do gênero.
- 1962: Com Caldeira e Alcântara Machado, compra a Folha de S.Paulo de Nabantino Ramos.
- 1975: Após sanear as finanças da empresa, dá início às reformas editoriais que tornariam a Folha pluralista, cada vez mais influente no cenário nacional e líder de circulação diária.
- 1983: Publisher da Folha se convence da necessidade de engajar o jornal no movimento das Diretas Já.
- 1991: Frias e Caldeira dissolvem a sociedade. Coube ao primeiro a empresa de comunicações e, ao segundo, os negócios na área de imóveis.
- 2007: Morre em 29 de abril, após quadro de insuficiência renal
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