domingo, 28 de fevereiro de 2021

Samuel Pessôa - Auxílio e recuperação econômica, FSP

 Foi divulgado na semana passada o texto substitutivo do senador Márcio Bittar (MDB-AC) à proposta de emenda à Constituição, PEC 186 de 2019, de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).

O texto permite que o Executivo envie uma medida provisória ao Congresso Nacional para abrir crédito extraordinário a fim de financiar, por meio de aumento de endividamento público, a extensão do auxílio emergencial (AE) em 2021. Evidentemente, o gasto seria além do teto dos gastos como definido pela emenda constitucional 95.

Como a Constituição permite esse tipo de gasto somente se for para “despesas imprevisíveis”, o que não é o caso da epidemia que está conosco há um ano, é necessário a aprovação da PEC para dar segurança jurídica à extensão do AE. Além disso, há que superar a vedação a endividamento adicional (regra de ouro) e excepcionalizar o impacto do gasto na meta de resultado primário.

Na mesma PEC há diversas contrapartidas para melhorar o equilíbrio fiscal.

Uma é muito polêmica: a desvinculação de receita de impostos e contribuições para a saúde e a educação. A desvinculação constitui mudança importante em nosso contrato social e precisa de um debate mais aprofundado e qualificado.

Por exemplo, me parece correta a manutenção da vinculação para saúde e educação, mas relativamente ao gasto primário total, e não à receita. Contudo, certamente trata-se de tema para ser discutido em outro momento —na sexta-feira (26), aliás, Bittar indicou que vai retirar o dispositivo da PEC.

As outras contrapartidas fiscais à extensão do AE, que estão no substitutivo de Bittar, são temas mais do que discutidos pela sociedade e pelo Congresso.

A contrapartida mais importante é melhorar a redação do trecho da emenda constitucional 95, que estabeleceu o teto para o gasto primário, para especificar melhor a condição de acionamento das medidas corretivas, sempre que o limite for excedido.

Outra medida importante é não tornar a União solidária no pagamento de dívidas dos estados. Assim, a PEC revoga a obrigação da União de conceder crédito aos estados para pagar dívida judicial estadual transitada em julgado, isto é, precatórios.

Também constitucionaliza artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que recentemente o STF decidiu que não poderia ser legislado por meio de lei complementar, que é o caso da LRF.

A medida faz com que os Poderes e órgãos autônomos —Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e Defensoria— sejam solidários com o Poder Executivo sempre que houver frustração de receita em relação ao orçamento.

Na situação atual, toda frustração de receita é arcada pelo Executivo dos estados e municípios, isto é, pela saúde, pela educação e pela segurança.

Estabelece que gasto com pensionista de servidor deve ser contabilizado como gasto com pessoal, como recomenda o manual do Tesouro Nacional. Trata-se de importante medida para harmonizar a contabilidade pública.

Também fornece relevante instrumento de gestão aos governadores e prefeitos: sempre que o gasto obrigatório atingir 95% da receita corrente líquida (RCL), o gestor (se quiser) poderá acionar as mesmas medidas de controle dos gastos obrigatórios que valem para a União.

Adicionalmente, exime a União de ser obrigada a avalizar dívida nova de estados e municípios que estejam com gasto corrente obrigatório acima de 95% da RCL. Como no caso dos precatórios, trata-se de relevante medida de reequilíbrio da Federação.

Essas medidas são importantes e não são polêmicas. Se aprovadas conjuntamente com a extensão do AE, contribuirão para que a recuperação econômica seja mais forte e a queda da taxa de desemprego, a partir do segundo semestre, seja mais rápida.

Lembremos que o cenário inflacionário tem se deteriorado rapidamente. Teremos IPCA a 7% ao ano em junho.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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