16 de setembro de 2020 | 03h00
Sem rodeios: com a transferência do eixo de poder para a comissão técnica da reeleição, o presidente Jair Bolsonaro completa a erosão política a que vinha submetendo o outrora superministro Paulo Guedes. Ao contrário dos processos de desgaste de outros colaboradores, o do ministro da Economia foge aos costumes. Ele não cai, obrigatoriamente. Sua permanência é facultativa. Por enquanto, a decisão é ficar.
As negociações políticas passaram a ser feitas por um grupo de que fazem parte o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), e os ministros Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Com a participação acidental de Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), Braga Netto (Casa Civil) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura).
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Alguns ministros continuarão atuando nos seus nichos temáticos: Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Faria (Comunicações) e André Mendonça (Justiça e Polícia). Resguardada a livre intervenção de Bolsonaro nessas áreas. Exemplos, o caso recente do etanol americano e as questões domésticas de Queiroz e companhia.
Os militares continuam avançando. Chegaram à Funarte e assumiram definitivamente a Saúde. Acampam, bivacam e conquistam o terreno. As reformas da Previdência e da administração, bem como outras restrições, não os alcançam.
Tudo guarda coerência com o deslocamento das preocupações do presidente para o vale-tudo da campanha.
O governo não adota uma lógica na administração da Economia. Se for preciso alguma solução orçamentária, faz-se o que a política julgar conveniente.
Já não se falam das teses acadêmicas de Paulo Guedes. Ele não é mais o anjo da guarda (aliás, arcanjo) de um capitão-presidente ignorante em economia e finanças.
Guedes foi tragado pelo confronto do projeto liberal com o projeto populista. Nada surpreendente. O nacionalismo dos militares sempre esteve no lado oposto ao seu e não fascina mais o presidente e seu grupo próximo.
Desautorizado por Bolsonaro, vítima de rasteiras de colegas ministros, Guedes perdeu também o apoio pessoal do Congresso, ao adotar a violência verbal e a soberba no diálogo com os parlamentares, o que lhe criou antipatias profundas. Ali, a cada investida ele perde todas.
Nenhuma das suas posições sofreu golpe maior do que o pedido do presidente para ser derrotado no veto à anistia às dívidas das igrejas. Nem a troca de interlocutores na cobrança ao preço abusivo do arroz. O caso do Big Bang, trunfo de Paulo Guedes para se recuperar do Pró-Brasil, lançado à sua revelia, morreu na praia. E o dilema de furar ou não o teto foi desfeito com o presidente admitindo estudos para romper limites do orçamento.
Guedes teve recusadas, por estapafúrdias, sugestões sobre de onde tirar recursos para o Renda Brasil, programa do qual o presidente parece ter temporariamente desistido. Todas as fórmulas sugeridas avançavam no bolso ralo dos pobres. Ainda anteontem, surgiu mais uma: o congelamento das aposentadorias por dois anos. Ideia que ainda mantém sob reserva a informação fundamental, se vai ou não atingir e em que proporções os militares e os funcionários civis. E o que ocorrerá quando terminar os dois anos de prazo fixado.
Dificuldades que sugerem ser a proposta mais um bode de anedota na sala da CPMF. Todas soluções sem imaginação que não conferem com os celebrados títulos de Chicago que ornam a biografia do ministro.
Se Guedes decidir mesmo ficar, será como chefe de uma equipe técnica que trabalhará sob demanda.
Se sair, sua substituição é o que melhor explicará a natureza da segunda metade do mandato.
O populismo desbragado do momento dispensará explicações, como já aconteceu nas substituições da Educação, Saúde e Cultura. O ministro da Economia também poderá ser qualquer um. É infindável a reserva de anônimos do presidente.
* REPÓRTER E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS DO ‘ESTADÃO’