terça-feira, 4 de agosto de 2020

Sou o direita raiz nas eleições de SP e não tenho dívida com Doria, diz Filipe Sabará, do Novo, FSP


SÃO PAULO

Conservador nos costumes, defensor da família, adepto de um Estado focado em serviços essenciais e, principalmente, o único “direita raiz” entre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo. É assim que Filipe Sabará (Novo), 36, quer conquistar os votos dos paulistanos, especialmente dos bolsonaristas.

Na opinião de Sabará, se o Estado não gastasse com Correios, por exemplo, teria mais verba para o SUS e para auxílios emergenciais na pandemia. Ele elogia o combate ao coronavírus feito pelo presidente de Jair Bolsonaro, mas critica o prefeito Bruno Covas (PSDB) e o governador João Doria (PSDB), de quem foi secretário de Assistência e Desenvolvimento Social na prefeitura e presidente do Fundo Social do estado.

“Os sociais-democratas são um socialismo pintado de cor-de-rosa”, afirma em entrevista à Folha. Sua artilharia também está voltada contra Guilherme Boulos (PSOL), a quem chama de “Madurominion”, em referência ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.

O empresário Filipe Sabará (Novo), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo - Mathilde Missioneiro - 19.fev.2020/Folhapress

Sabará dividiu com a primeira-dama paulista, Bia Doria, a condução do Fundo Social, mas discorda de sua fala sobre não dar comida a moradores de rua.

Empresário, Sabará é fundador de associação que insere moradores de rua no mercado de trabalho, ação que também desenvolveu na prefeitura, e de empresa de cosméticos naturais. Também idealizou um programa de produção de alimentos em terrenos baldios e se especializou em sustentabilidade.

“O xiitismo fez com que as leis fossem irreais. Você trava os negócios e não promove a responsabilidade ambiental”, afirma a respeito da esquerda e em defesa da política do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), que acabou expulso do Novo por discordância do partido com suas ações na pasta.

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A pandemia trouxe a visão de que o SUS e as transferências de renda do governo são importantes. Ainda cabe uma defesa de Estado mínimo? Como liberal, uma pessoa de direita, o que a gente acredita é que o Estado tem que focar nas áreas essenciais: segurança, educação e saúde. Se foi o Estado, seja por qual motivo, que obrigou a sociedade a ficar em casa e os estabelecimentos a serem fechados —talvez muitos dos estabelecimentos preferissem ficar abertos—, então o Estado tem que auxiliar essas pessoas. Se o Estado não gastasse mal com coisas que não são essenciais, como Correios, coisas que não tem que ser do Estado, em um momento como esse, haveria reservas para auxiliar as pessoas.

Se fosse prefeito, teria obrigado as pessoas a ficarem em casaA prevenção inclui conversas com os setores. Não dá para a Prefeitura de São Paulo, que não consegue nem resolver a questão de vagas em creche, que com um Orçamento de R$ 14 bilhões não consegue fazer o básico que é educar crianças, querer ditar como os comerciantes devem ou não fazer alguma coisa mais segura.

Quem vai se preocupar melhor com suas próprias vidas e com as vidas dos funcionários são os estabelecimentos. Essa conversa devia ter começado no começo. Agora no final, quando já estava a coisa fechada há 90 dias, a prefeitura chamou os comércios para ver como seria mais seguro reabrir, só que fez isso no pico da pandemia. Não tem lógica.

Os comerciantes priorizariam a vida ou seus estabelecimentos? As duas coisas. Ninguém quer ver seu funcionário contaminado, até porque o proprietário de um pequeno comércio seria contaminado junto.

E as escolas? Eu teria feito um período de fechamento e, agora, teria que fazer uma reabertura com protocolos. É direito dos pais, se eles quiserem, enviar as crianças para a escola. Os impostos não foram diminuídos, o prefeito não baixou o IPTU e o ISS. Se estou pagando por um serviço, ele tem que estar aberto.

O sr. diz que é liberal com responsabilidade social e ambiental. Isso não é o que prega o governador João Doria, numa ala à direita do PSDBUma pessoa filiada a um partido social-democrata é um social-democrata. Eu sou de direita convicta, eu defendo um Estado eficiente, pequeno, focado no essencial. Os tucanos defendem Estado grande, pai e mãe das pessoas, com algumas privatizações.

O Brasil gerou um Estado enorme, uma carga de tributos que afoga os mais pobres, que proporcionalmente pagam mais impostos. Quanto maior o Estado, mais corrupção. Os sociais-democratas são um socialismo pintado de cor-de-rosa.

Como avalia o combate à pandemia em São Paulo e no paísAté hoje, em São Paulo, há cinco cidades sem nenhum caso de Covid-19. Os municípios foram extremamente prejudicados na sua economia depois de todo esse tempo fechados sem nenhum caso. E agora [que a pandemia chegou ao interior] vão ter de seguir fechados. Faltou inteligência.

Na ponta do lápis, o governo federal foi o que mais fez para combater a pandemia. Fez o auxílio dos R$ 600, fez transferência para os estados e municípios e lançou linha de crédito para os micro e pequenos empreendedores, que são os maiores geradores de empregos.

Essas medidas ocorreram por causa do governo federal ou apesar dele? O governo federal fez por decisão própria. O STF deixou a responsabilidade para estados e municípios. Sem isso, a economia estaria muito pior.

O sr. tem criticado João Doria, mas foi ele que te colocou na vida pública. É ingratidão da sua parte? Não é ingratidão. Uma coisa foi ele ter me convidado pra trabalhar com uma série de atribuições e metas, eu cumpri todas. Não tenho nenhuma dívida com ele nem ele comigo. Outra coisa são críticas políticas e da pandemia. Fiquei menos de um ano no governo. Tenho total liberdade para fazer a crítica que eu quiser.

Analisando os protestos nos EUA, o sr. tuitou: “O mais triste de tudo é que, se formos escutar com profundidade os brasileiros, percebemos que quase todos somos antifascistas”. O que quis dizer? O brasileiro é uma pessoa de bem. Esse movimento antifascista é uma politização, uma coisa que surgiu nos EUA e teve aqui um pequeno resquício, nem foi pra frente. Porque o brasileiro não leva essas coisas pra frente. Não existe fascismo no Brasil. Nós somos antifascistas, porque senão a gente teria fascismo no Brasil. Onde está o fascismo no Brasil?

João Doria, a mulher Bia Doria e Filipe Sabará, quando foi nomeado presidente do Fundo Social São Paulo
João Doria, a mulher Bia Doria e Filipe Sabará, quando foi nomeado presidente do Fundo Social São Paulo - Reprodução/Twitter

Como se define em relação a costumes? Sou conservador. É conservar as conquistas da sociedade, como família, o direito da propriedade privada, a liberdade econômica.

Os pré-candidatos disputam o voto bolsonarista. O sr. quer esses votos e por que eles escolheriam o sr.?Defendo meus princípios liberais e de direita, conservadores. Se as pessoas de direita, vinculadas ao Bolsonaro ou não, queiram votar em mim, após a convenção [oficialização da candidatura], eu quero que as pessoas de direita votem em mim. Eu me considero, de todos os candidatos aí, o direita raiz.

O sr. trabalhou com Bia Doria, concorda com a fala dela de que a rua é um atrativo? Não. A rua é um terror. Tem muita gente que acaba se acostumando por falta de oportunidade de saída. Eu dediquei uns 20 anos a trabalhar provendo renda e emprego para as pessoas. A melhor forma de ajudar é ir para as ruas, conversar com essas pessoas, levar um prato de comida e uma roupa, mas principalmente como uma forma de se conectar. Fui criador da jornada da autonomia, que é entender as necessidades das pessoas e convidá-las para serem acolhidas e qualificadas. E oferecer oportunidade de renda. O que eles mais querem é trabalhar.

Fica uma crítica ao pré-candidato Boulos, que não entende nada disso. É uma pessoa vinculada a um movimento de moradia ilegal, de invasões, que exploram pessoas. O que há de pior na política é o Boulos, o grande risco nesta eleição é o risco Boulos. Ele nunca conquistou nada, nunca ajudou ninguém e vive de falar. E principalmente a proximidade dele com o condenado, o maior ladrão desse país, que é o Lula. Tenho escutado que o candidato do Lula é o Boulos, que o Jilmar Tatto (PT) é pro forma.

O sr. defende a regularização fundiária, que pessoas que vivem em ocupações tenham seu terreno regularizado. Isso não é o mesmo que Boulos prega? É diferente. O Boulos nunca realizou nada. Eu, desde a minha adolescência, invisto em gerar oportunidades factíveis para as pessoas. A regularização fundiária é necessária, mas tem um custo. O que precisa acontecer é um plano de pagamento para que as pessoas quitem seus lotes. O próprio setor financeiro ajuda essas pessoas com parcelas que caibam no bolso para que elas paguem pelo lugar que invadiram. E ganhem dignidade. O Boulos é ligado a movimentos terroristas, o MST e o MTST. É o Madurominion. Eu promovo renda, emprego e autonomia, e o Boulos prega uma dependência do Estado.

O sr. diz defender o meio ambiente, mas o Novo votou contra o Código Florestal, contra punições maiores para desastres ambientais e o partido abrigou por um tempo Ricardo Salles, considerado o pior ministro da pasta. Como vê isso? As políticas públicas precisam ser realistas. A economia se beneficia quando os empresários têm responsabilidade ambiental. E pra isso as leis precisam ser atualizadas. Sou adepto da economia circular. Defendemos uma integração e uma responsabilidade ambiental que seja viável, porque muitas leis foram feitas baseadas em questões ideológicas. A esquerda sequestrou essas pautas por muito tempo e isso deixou o país em frangalhos. O xiitismo fez com que as leis fossem irreais. Você trava os negócios e não promove a responsabilidade ambiental.

O mercado internacional pressiona o Brasil pela preservação, o governo preserva a floresta? Os governos que criticam são hipócritas, eles destruíram a biodiversidade deles e agora querem impor regras no Brasil.

O sr. não me respondeu se o governo federal preserva ou não a floresta. Os dados são confusos. Na época do Lula, a gente teve o maior desmatamento da história do Brasil.

Mas Bolsonaro bate recorde de desmatamento e não é comparável com oito anos de governo. Precisa ver quais são os dados para analisar criteriosamente. Em vez de criticar, prefiro me colocar à disposição do Brasil para ajudar.

RAIO-X

Filipe Sabará, 36

Foi secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social na gestão de João Doria (PSDB) na prefeitura de São Paulo e foi presidente do Fundo Social, entidade filantrópica, no governo do tucano no estado. É empresário nos ramos de sustentabilidade e inclusão social. Formado em marketing pela Faculdade de São Paulo e faz pós no Centro Universitário Belas Artes. Foi escolhido pré-candidato do Novo à Prefeitura de São Paulo em processo seletivo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Tentei viver sem as gigantes da tecnologia, e foi impossível, OESP

Kashmir Hill, The New York Times

03 de agosto de 2020 | 10h00

Os diretores executivos de AmazonFacebookGoogle e Apple foram convocados perante uma comissão parlamentar de combate ao truste essa semana, para responder a indagações quanto ao seu poder excessivo e se isso prejudica o consumidor.

As lideranças de tecnologia, que compareceram via videoconferência, evitaram as perguntas que os definiram como “barões cibernéticos", dizendo que enfrentam bastante concorrência e alegando que os consumidores têm alternativas para os serviços que suas empresas oferecem.

Mas será que isso é verdade? No ano passado, na tentativa de compreender o quanto somos dependentes em relação a essas empresas, fiz um experimento para o site de tecnologia Gizmodo para ver o quanto seria difícil removê-las da minha vida.

Não foi fácil. Em anos escrevendo a respeito da privacidade digital, aprendi que essas empresas estão por trás de muitas de nossas interações online. Trabalhei com um tecnólogo chamado Dhruv Mehrotra, que projetou para mim uma ferramenta personalizada, uma rede virtual privada que impedia meus dispositivos de enviar o receber dados das gigantes de tecnologia ao bloquear os milhões de endereços de internet controlados por elas.

A vida sem as grandes empresas de tecnologia
Experimento: a vida sem as grandes empresas de tecnologia Foto: Efi Chalikopoulou

Em seguida bloqueei Amazon, Facebook, Google, Apple e Microsoft, uma por uma - e então todas de uma vez - ao longo de seis semanas. De longe, Amazon e Google foram as empresas mais difíceis de evitar.

Para eliminar a Amazon da minha vida, tive que perder o acesso a qualquer site hospedado pela Amazon Web Services, maior provedora de espaço na nuvem da internet. Muitos aplicativos e boa parte da internet usam os servidores da Amazon para hospedar seu conteúdo digital, e uma grande fatia do mundo digital se tornou inacessível quando me despedi da Amazon, incluindo a Netflix, concorrente do Amazon Prime Video.

A Amazon também foi difícil de evitar no mundo real. Quando usei o eBay para encomendar um suporte de celular para o carro, o produto chegou em uma embalagem da Amazon, porque o vendedor usou a opção “Enviado pela Amazon", pagando à empresa pelo armazenamento e envio do seu produto.

Quando bloqueei o Google, a internet inteira ficou lenta para mim, pois quase todos os sites que eu visitava usavam o Google para o fornecimento de suas fontes, anúncios, rastreamento de usuários e identificação de humanos ou bots. Ao bloquear o Google, perdi acesso ao serviço de armazenamento de dados Dropbox porque o site pensou que eu não era uma pessoa de verdade. Uber e Lyft pararam de funcionar para mim porque ambos dependem do Google Maps para sua navegação. Descobri que, na prática, o Google Maps exerce um monopólio no segmento dos mapas on-line. Até a Yelp, que há muito critica o Google, usa os mapas da empresa para dizer aos usuários de computador onde se localizam os negócios.

Passei a encarar Amazon e Google como provedoras da própria infraestrutura da internet, tão misturadas às arquiteturas do mundo digital que até suas concorrentes acabavam dependendo dos serviços delas.

Facebook, Apple e Microsoft apresentaram seus próprios desafios. Ainda que a perda do acesso ao Facebook fosse menos debilitante, senti muita falta do Instagram (que pertence ao Facebook), e parei de receber notícias do meu círculo social, como o nascimento do bebê de uma grande amiga. “Apenas supus que, publicando a novidade no Facebook, todo mundo ficaria sabendo", disse-me ela quando telefonei semanas atrasado para dar os parabéns. Experimentei uma alternativa chamada Mastodon, mas uma rede social que não é frequentada pelos seus amigos não tem muita graça.

A Apple foi difícil de abandonar porque eu tinha dois computadores Apple e um iPhone, e acabei apostando em um novo hardware radical para manter o acesso à internet e fazer telefonemas.

A Apple e o software do Google, Android, dividem o monopólio do mercado de smartphones. Na tentativa de evitar ambas, acabei comprando um celular à moda antiga - um Nokia 3310, no qual tive que reaprender a arte de enviar mensagens de texto com as teclas numéricas - e um notebook com o sistema operacional Linux, modelo de uma empresa chamada Purism que tenta criar “um ambiente ético para a computação", basicamente ajudando seus usuários a evitarem as gigantes da tecnologia.

Sim, havia alternativas para os produtos e serviços oferecidos pelas gigantes da tecnologia, mas elas são mais difíceis de encontrar e de usar.

A Microsoft, que não enfrenta acusações de formação de truste no momento, mas sabe bem como funcionam esses casos, foi fácil de bloquear no nível do consumidor. Como aponta meu colega Steve Lohr, hoje a Microsoft é “principalmente uma fornecedora de tecnologia para o consumidor empresarial”.

Mas, como a Amazon, a Microsoft tem um serviço de nuvem, e com isso alguns sites ficaram inacessíveis para mim, bem como dois serviços que eu usava com frequência, LinkedIn e Skype, pertencentes à Microsoft. A impossibilidade de usar serviços que gosto pertencentes a essas gigantes foi um problema nesse experimento; como apontou o Wall Street Journal, as gigantes da tecnologia compraram mais de 400 empresas e startups nos dez anos mais recentes.

Com frequência, diz-se aos críticos das grandes empresas de tecnologia que “se não gostam das empresas, não usem seus produtos". Depois de realizar esse experimento, posso concluir que é impossível fazer isso. Não se trata apenas dos produtos e serviços que recebem diretamente as marcas dessas gigantes, mas também do fato dessas empresas serem donas de uma série de produtos e serviços mais obscuros dos quais é difícil desvencilhar, as ferramentas das quais dependemos para tudo que fazemos, seja no trabalho ou para chegar do ponto A ao ponto B.

Muitos descreveram o que fiz como “veganismo digital". Os veganos digitais são criteriosos quanto ao hardware e software que usam e os dados que consomem e compartilham porque informação é poder e, cada vez mais, um número cada vez menor de empresas parece ter todo o poder.

Recebi dois tipos diferentes de reação ao meu relato. Alguns disseram que provei o quanto essas empresas são essenciais para a economia americana e o quanto são úteis para o consumidor, e portanto os reguladores não deveriam interferir nelas. Outras, como o congressista democrata Jerrold Nadler, de Nova York, e integrante da comissão parlamentar de combate aos trustes, disseram que o experimento comprova o poder do monopólio que exercem.

Mas, quando o experimento chegou ao fim, voltei a usar os serviços dessas empresas, pois, como demonstrado, não havia muita escolha, afinal. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

 

Economia propõe acabar com todas as meias-entradas no cinema, OESP

Anne Warth, O Estado de S.Paulo

03 de agosto de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - O tema já foi alvo do grupo de humor Porta dos Fundos, para quem “a meia é a nova inteira, e a inteira é o novo dobro”. A piada, no entanto, não é mera impressão. Quase 80% de todos os ingressos de cinema vendidos no Brasil no ano passado tiveram preço de meia-entrada.

A participação do ingresso na categoria inteira nas receitas das redes cai há três anos, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine). Os dados levaram o órgão regulador a abrir uma consulta pública sobre a obrigatoriedade legal da meia-entrada e seus impactos no mercado exibidor. A discussão está aberta para contribuições até 13 de agosto, mas o Ministério da Economia já se manifestou e defendeu a extinção de todas as regras que garantem o benefício. 

Sala de cinema
Ministério da Economia já se manifestou e defendeu a extinção de todas as regras que garantem a meia-entrada. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Toda a análise tem como base as informações do Sistema de Controle de Bilheteria (SBC), por meio do qual a Ancine tem acesso às informações de mais de 3 mil salas em todo o País desde 2017. Os dados são fornecidos praticamente em tempo real e mostram os números de vendas de ingressos por categoria, dia, horário e filme. As meias são divididas em legais (permitidas por lei), promocionais – por meio de parcerias comerciais com operadoras de telecomunicações ou bancos, por exemplo – e cortesias, ou seja, bilhetes gratuitos.

Com base nas informações fornecidas pelas redes de cinema no Brasil, a Ancine descobriu que a venda de ingressos na categoria inteira, que era cerca de 30% em 2017, caiu para 21,6% no ano passado. Quase 60% das meias-entradas concedidas no ano passado estavam ligadas às diversas leis que existem no País sobre o tema. 

Há três leis federais sobre o assunto, que garantem o benefício a estudantes, jovens de baixa renda, pessoas com deficiência e adultos com mais de 60 anos. A estimativa da Ancine é que 96,6 milhões de brasileiros se enquadrem nos termos da legislação federal – quase metade da população medida pelo IBGE, de 211 milhões de habitantes.

Existem ainda leis de Estados e municípios que ampliam o alcance da meia-entrada. Na cidade do Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo, professores da rede estadual e municipal pagam menos. Dependendo da localidade, há benefícios para servidores públicos, doadores de sangue, portadores de câncer, doadores de medula e sindicatos de categorias profissionais.

Para o ex-secretário de Política Econômica e presidente do Insper, Marcos Lisboa, a meia-entrada nos cinemas é uma distorção que se repete em vários setores, como no crédito, que é subsidiado para alguns setores, e no transporte público, gratuito para alguns grupos. Na avaliação dele, em todos os casos, se o Estado quer dar benefícios, deve pagar pelo subsídio com recursos do orçamento. Segundo Lisboa, porém, há formas melhores de utilizar os recursos públicos do que custear entradas de cinema.

“O Brasil tem há muitos anos essa prática de criar distorções, em que se oferece preço diferente a um certo grupo. Esse custo tem de ser coberto, e o preço cheio acaba ficando muito maior. Se todo mundo paga meia, a meia vira entrada cheia”, diz Lisboa. “Isso expulsa quem paga o preço cheio do mercado, e o preço tem de subir mais ainda. É um ciclo vicioso.”

Para Antonio Carlos Caio Silva, diretor da Abraplex, associação que reúne oito redes de cinema, donas de 54% das salas do País, as leis de meia-entrada funcionam como um imposto extra. “É interferência em um negócio privado sem nenhum tipo de compensação” afirma ele. Para Silva, sem a meia-entrada, o preço do ingresso cheio poderia cair. Ele não arrisca, porém, um porcentual de redução.

UNE pede mais fiscalização para evitar fraudes

Até mesmo os estudantes defendem limites em relação à meia-entrada em cinemas. O presidente da União Nacional dos Estudantes, Iago Montalvão, considera que a análise da Ancine é “tendenciosa”, mas ressalta que as informações deixam claro que a legislação não tem sido devidamente cumprida, o que abre espaço para fraudes que desvirtuam o direito dos estudantes.

“A solução para qualquer problema que impacte nas receitas dos cinemas não deve ser atacar um direito conquistado e histórico da classe estudantil, mas justamente o de criar formas de garantir a verificação da validade das carteiras conforme padrão certificado pelo ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação). Infelizmente, na maioria das salas de cinema do Brasil, essa verificação ainda não é feita”, diz Montalvão. 

Para ele, a adoção da meia-entrada originalmente prevista, inclusive para idosos, e a ampliação da fiscalização para combater fraudes são ações concretas para a renovação de público.

O secretário de Defesa do Consumidor e diretor do Procon-SP, Fernando Capez, é contra o fim da meia-entrada e diz que é dever do Estado fomentar o acesso à cultura. “Isso é retirar um direito consolidado do consumidor. Não há nenhuma garantia de que isso vai resultar em ingressos mais baratos.”