03 de agosto de 2020 | 10h00
Os diretores executivos de Amazon, Facebook, Google e Apple foram convocados perante uma comissão parlamentar de combate ao truste essa semana, para responder a indagações quanto ao seu poder excessivo e se isso prejudica o consumidor.
As lideranças de tecnologia, que compareceram via videoconferência, evitaram as perguntas que os definiram como “barões cibernéticos", dizendo que enfrentam bastante concorrência e alegando que os consumidores têm alternativas para os serviços que suas empresas oferecem.
Mas será que isso é verdade? No ano passado, na tentativa de compreender o quanto somos dependentes em relação a essas empresas, fiz um experimento para o site de tecnologia Gizmodo para ver o quanto seria difícil removê-las da minha vida.
Não foi fácil. Em anos escrevendo a respeito da privacidade digital, aprendi que essas empresas estão por trás de muitas de nossas interações online. Trabalhei com um tecnólogo chamado Dhruv Mehrotra, que projetou para mim uma ferramenta personalizada, uma rede virtual privada que impedia meus dispositivos de enviar o receber dados das gigantes de tecnologia ao bloquear os milhões de endereços de internet controlados por elas.
Em seguida bloqueei Amazon, Facebook, Google, Apple e Microsoft, uma por uma - e então todas de uma vez - ao longo de seis semanas. De longe, Amazon e Google foram as empresas mais difíceis de evitar.
Para eliminar a Amazon da minha vida, tive que perder o acesso a qualquer site hospedado pela Amazon Web Services, maior provedora de espaço na nuvem da internet. Muitos aplicativos e boa parte da internet usam os servidores da Amazon para hospedar seu conteúdo digital, e uma grande fatia do mundo digital se tornou inacessível quando me despedi da Amazon, incluindo a Netflix, concorrente do Amazon Prime Video.
A Amazon também foi difícil de evitar no mundo real. Quando usei o eBay para encomendar um suporte de celular para o carro, o produto chegou em uma embalagem da Amazon, porque o vendedor usou a opção “Enviado pela Amazon", pagando à empresa pelo armazenamento e envio do seu produto.
Quando bloqueei o Google, a internet inteira ficou lenta para mim, pois quase todos os sites que eu visitava usavam o Google para o fornecimento de suas fontes, anúncios, rastreamento de usuários e identificação de humanos ou bots. Ao bloquear o Google, perdi acesso ao serviço de armazenamento de dados Dropbox porque o site pensou que eu não era uma pessoa de verdade. Uber e Lyft pararam de funcionar para mim porque ambos dependem do Google Maps para sua navegação. Descobri que, na prática, o Google Maps exerce um monopólio no segmento dos mapas on-line. Até a Yelp, que há muito critica o Google, usa os mapas da empresa para dizer aos usuários de computador onde se localizam os negócios.
Passei a encarar Amazon e Google como provedoras da própria infraestrutura da internet, tão misturadas às arquiteturas do mundo digital que até suas concorrentes acabavam dependendo dos serviços delas.
Facebook, Apple e Microsoft apresentaram seus próprios desafios. Ainda que a perda do acesso ao Facebook fosse menos debilitante, senti muita falta do Instagram (que pertence ao Facebook), e parei de receber notícias do meu círculo social, como o nascimento do bebê de uma grande amiga. “Apenas supus que, publicando a novidade no Facebook, todo mundo ficaria sabendo", disse-me ela quando telefonei semanas atrasado para dar os parabéns. Experimentei uma alternativa chamada Mastodon, mas uma rede social que não é frequentada pelos seus amigos não tem muita graça.
A Apple foi difícil de abandonar porque eu tinha dois computadores Apple e um iPhone, e acabei apostando em um novo hardware radical para manter o acesso à internet e fazer telefonemas.
A Apple e o software do Google, Android, dividem o monopólio do mercado de smartphones. Na tentativa de evitar ambas, acabei comprando um celular à moda antiga - um Nokia 3310, no qual tive que reaprender a arte de enviar mensagens de texto com as teclas numéricas - e um notebook com o sistema operacional Linux, modelo de uma empresa chamada Purism que tenta criar “um ambiente ético para a computação", basicamente ajudando seus usuários a evitarem as gigantes da tecnologia.
Sim, havia alternativas para os produtos e serviços oferecidos pelas gigantes da tecnologia, mas elas são mais difíceis de encontrar e de usar.
A Microsoft, que não enfrenta acusações de formação de truste no momento, mas sabe bem como funcionam esses casos, foi fácil de bloquear no nível do consumidor. Como aponta meu colega Steve Lohr, hoje a Microsoft é “principalmente uma fornecedora de tecnologia para o consumidor empresarial”.
Mas, como a Amazon, a Microsoft tem um serviço de nuvem, e com isso alguns sites ficaram inacessíveis para mim, bem como dois serviços que eu usava com frequência, LinkedIn e Skype, pertencentes à Microsoft. A impossibilidade de usar serviços que gosto pertencentes a essas gigantes foi um problema nesse experimento; como apontou o Wall Street Journal, as gigantes da tecnologia compraram mais de 400 empresas e startups nos dez anos mais recentes.
Com frequência, diz-se aos críticos das grandes empresas de tecnologia que “se não gostam das empresas, não usem seus produtos". Depois de realizar esse experimento, posso concluir que é impossível fazer isso. Não se trata apenas dos produtos e serviços que recebem diretamente as marcas dessas gigantes, mas também do fato dessas empresas serem donas de uma série de produtos e serviços mais obscuros dos quais é difícil desvencilhar, as ferramentas das quais dependemos para tudo que fazemos, seja no trabalho ou para chegar do ponto A ao ponto B.
Muitos descreveram o que fiz como “veganismo digital". Os veganos digitais são criteriosos quanto ao hardware e software que usam e os dados que consomem e compartilham porque informação é poder e, cada vez mais, um número cada vez menor de empresas parece ter todo o poder.
Recebi dois tipos diferentes de reação ao meu relato. Alguns disseram que provei o quanto essas empresas são essenciais para a economia americana e o quanto são úteis para o consumidor, e portanto os reguladores não deveriam interferir nelas. Outras, como o congressista democrata Jerrold Nadler, de Nova York, e integrante da comissão parlamentar de combate aos trustes, disseram que o experimento comprova o poder do monopólio que exercem.
Mas, quando o experimento chegou ao fim, voltei a usar os serviços dessas empresas, pois, como demonstrado, não havia muita escolha, afinal. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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