segunda-feira, 1 de junho de 2020

OPINIÃO TAÍS GASPARIAN E FRANCISCO BRITO CRUZ Desinformados, FSP

Faltam debate e profundidade no caminho sinalizado pelo Congresso

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Taís GasparianFrancisco Brito Cruz

Estamos em uma época difícil para tentar regular a desinformação. O medo da pandemia e a crise política deixam a população vulnerável a qualquer tipo de solução mágica. O ideal seria o país discutir o assunto com profundidade e maturidade, ponderando entre ter ou não regulação e, uma vez decido a adotá-la, definir qual tipo de regulação é o mais adequado. Isso deveria ser feito em debate com a academia, a sociedade civil e os setores interessados.

Não é esse o caminho sinalizado pelo Congresso, que mostra urgência, agindo sob a crença de que uma lei acabará com as notícias falsas e apaziguará a crise política. Essa pressa é equivocada, porque desconsidera-se que uma das razões da existência da desinformação é a demanda das pessoas por informações com forte apelo emotivo, que confirmem suas visões.

A advogada Taís Gasparian, do Conselho Consultivo do InternetLab - Reinaldo Canato - 11.set.18/Folhapress

Se inevitável, qualquer proposta legislativa deveria conceituar do que se trata. Desinformação é um conteúdo comprovadamente falso, disseminado com o propósito e o potencial de causar danos. Desinformação não é a notícia que você não gosta de ouvir, ou que acredita ser ofensiva. Não é também a informação errada, veiculada sem o devido cuidado. Não é a informação incompleta, pois cada veículo é soberano na decisão de qual aspecto da notícia se ater com mais profundidade. Desinformação também não é opinião ou interpretação —nem a sátira ou a paródia. Para se chegar a um conceito, é necessário perquirir simultaneamente sobre a natureza do conteúdo e a motivação de quem o divulga.

Na proposta que circula com mais força no Congresso, as empresas de internet sofrerão bloqueios e serão multadas se não agirem contra conteúdos criados por seus usuários. Nessa proposta, delega-se às redes sociais e aos aplicativos de mensagens a ingrata e impraticável tarefa de banir informações, o que provavelmente trará restrições a expressões legítimas. Aposta-se ainda na ideia de tornar lei o que já vem sendo feito pelas empresas, o que engessa soluções futuras. A pressa despreza a solução europeia, em que as empresas se obrigam a códigos de conduta construídos por elas mesmas em conjunto com a sociedade civil e as instituições.

Ainda, se passa ao largo de enfrentar um verdadeiro comércio de fraudes, como disparos em massa e “curtidas” artificiais. Em busca de audiência, algumas empresas, sem nem mesmo se dar conta, anunciam em sites sensacionalistas e cheios de boatos. Uma abordagem democrática passa por conceituar o termo e distribuir diferentes responsabilidades para diferentes agentes, de acordo com o papel que cumprem, e não colocar as plataformas de internet para filtrarem conteúdo sem crivo claro e sob ameaça de bloqueio.

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Quem defende iniciativas imaturas de combate à desinformação, sob o argumento de proteger a democracia, precisa ser alertado que somente é possível proteger o que se tem, e que só se tem democracia com garantia à liberdade de expressão. Esforços para combater a desinformação não podem estar desinformados.

Nota dos autores: a expressão em inglês que corresponde à desinformação é deliberadamente omitida neste texto por ser utilizada por governantes para desacreditar a imprensa.

Taís Gasparian

Advogada e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian - Advogados, integra o Conselho Consultivo do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia

Francisco Brito Cruz

Doutor em direito pela USP e diretor do InternetLab

TENDÊNCIAS / DEBATES

Ruy Castro Ex-maior do que a vida, FSP

O mundo pós-pandemia será diferente —quantas vezes você não leu ou ouviu isso nos últimos dias? Mas a história do ser humano é a de sua eterna adaptação ao novo, seja ótimo ou horrível. O mundo pós-internet também é diferente e já há uma geração que não conhece outro. Nós mesmos, maiores de 200 anos, mal nos lembramos de quando ainda passávamos telegramas. Para isso tínhamos de ir ao correio e compor um texto "telegráfico" —curto, seco, terminando em "Abracos"—, que um funcionário, o telegrafista, "escrevia" numa maquininha que fazia tec-tec, tecs estes representando os pontos e traços que formavam cada letra da mensagem.

Todas as artes chegarão afetadas ao pós-vírus, em particular o cinema. Ele perderá sua condição de único veículo de fruição coletiva e de massa —justo o que o tornou, desde sempre, diferente. Em meados dos anos 40, por exemplo, com a 2ª Guerra e tudo, 100 milhões de pessoas por semana iam ao cinema nos EUA e outras tantas no planeta. Salas para 3.000 pessoas eram comuns, e nada como um cinema lotado para potencializar a apreciação de um drama, um filme de ação e, principalmente, uma comédia.

Se há tempos isso já era impossível, agora será impensável. As salas terão sua capacidade limitada a 25%, com os gatos pingados a dois metros um do outro. Os drive-ins, com só uma ou duas pessoas em cada carro, não serão solução. Ir ao cinema será pouco melhor do que assistir a um filme em casa, pela TV, pelo vídeo ou pelo streaming --o que, mesmo a dois, equivale a um esporte solitário.

Mas o ser humano se acostuma. Há muito que "West Side Story", "Lawrence da Arábia" e outros monumentos, feitos para telas maiores do que a vida, mudaram-se para telinhas de 20 polegadas. Seus heróis ficaram do tamanho de uma pulga, e nos adaptamos.

O cinema talvez fosse maior do que a vida. Mas a vida o encolheu às suas dimensões.

Camelos caminham no deserto em Cena do filme "Lawrence da Arábia", de 1962
Cena do filme "Lawrence da Arábia", de 1962 - Divulgação
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Carmita Abdo: as 5 ondas do self na pandemia, OESP

Primeira onda: morbi-mortalidade – o maior medo, de ficar doente e morrer.

Segunda onda: quando você percebe que não morreu, entra na onda da preocupação. Será que vai ter recurso para dar conta de tudo? Recursos de diferentes espécies. Recurso do governo para pagar todo o gasto com saúde. Recurso meu, que começo a ver meu trabalho e emprego não trazendo o mesmo retorno que antes. Medo de não poder pagar minhas contas.

Terceira onda: a questão de perceber que as coisas se avolumam e a incerteza – onde que isso vai parar? Será que isso vai ter uma saída ou não? Questão da dúvida, da incerteza, do desconforto. Já não morri, agora estou tentando sobreviver como posso.

Quarta onda: Saúde mental; quando começamos a perceber que estamos mais frágeis, quando nos damos conta que estamos desestabilizados, um maior nível de ansiedade começa a aparecer. Isso se nota de diferentes formas: concentração anulada, agitação psicomotora. Ou predisposição à depressão, quando a pessoa se sente fatigada, desanimada e desacredita de tudo.

Aqui afloram ou se exacerbam a predisposição ao álcool, às drogas, aos distúrbios alimentares.

Quinta onda: quando a pandemia terminar do ponto de vista da infecção e da contaminação, virá o stress pós-traumático daquilo que ficar. Muitos comprometidos na funcionalidade. Uma descarga da ansiedade acumulada. É o rastro da pandemia.

Estamos na quarta onda.
Houve um aumento na ordem de 20 a 30%, em termos de consumo de álcool, de drogas, de distúrbios alimentares. A notificação de casos de violência doméstica acompanha esta curva.
Entendendo que uma onda não exclui a outra; elas são sucessivas e concomitantes.