Com este texto, encerro minha colaboração como colunista da Folha
A ideia era escrever um artigo de encerramento no qual anunciaria o término de minha colaboração como colunista desta Folha. Mas eu só conseguia me lembrar de uma passagem de "Minima Moralia", de Adorno, na qual ele disserta sobre como seria atualmente impossível fechar portas.
Segundo Adorno, as pessoas teriam perdido a capacidade de fechar sem bater, de fazer os gestos curvos de quem leva uma porta a seu, digamos, lugar natural. As portas seriam feitas hoje de forma tal a convidarem os sujeitos a soltá-las com força, como quem está muito apressado, mesmo que não tenha nada realmente para fazer. Nessa mutação dos gestos de fechar uma porta, seria possível ler toda a sutil disciplina dos corpos a que nós estaríamos submetidos.
Bem, Teddie, depois de certo tempo, as ilusões sobre si vão embora. É verdade, acho que nunca aprendi a fechar uma porta. Todos os términos foram feitos como quem, meio sem querer, deixa a porta escapar, ouve o barulho produzido involuntariamente e diz: "Droga, não era nada disso".
É, fechar uma porta é arte que poucos têm. De toda forma, escrever um artigo que deveria ser o último também não é nada simples. Talvez isso sempre será mesmo algo da ordem do impossível.
Afinal, se ele fosse possível, eu escreveria, inicialmente, que agradeço a todos os leitores que, nesses praticamente dez anos (comecei em meados de 2010), acompanharam meus escritos semanais com comentários, sugestões e apoio.
Escreveria também que agradeceria inclusive aos leitores que esperavam minha coluna para sempre criticá-la, pois várias dessas críticas me foram úteis e preciosas.
Por fim, agradeceria ao jornal que me deu uma rara liberdade total de escolha de temas e de escrita durante um longo prazo de tempo, mesmo em situações nas quais eu discordava de maneira explícita de editoriais e opiniões expressas por seu corpo editorial.
Mas, como vocês podem ver, o problema é que se foi aí apenas um parágrafo e, bem, de um artigo se espera um pouco mais. E, nesta hora, pensei nos artigos que gostaria de ter escrito: um sobre a poesia de Óssip Mandelstam, outro sobre a poesia de Paul Celan, sobre Jacques Tati e a arte de tropeçar no cenário, sobre Nick Cave (é, eu deveria ter aproveitado o momento de seu show e escrito algo), sobre Gerhard Richter, sobre os que não sabem fechar portas, sobre o pensamento motívico em Pierre Boulez (mas esse ninguém ia ler mesmo).
O problema é que sempre havia uma sucessão impressionante de fatos de um país em decomposição. Como este último, que seria meu tema desta coluna, ligado à revelação de uma das histórias mais sórdidas de um país repleto de histórias sórdidas.
A história de um juiz que se associa à Promotoria de forma criminosa, retirando todo o direito do acusado em ser julgado por alguém isento e equidistante ("Nada de mais", não é mesmo Sergio?), prendendo-o ao final para retirá-lo de um pleito presidencial no qual ele estava à frente, para depois ser nomeado ministro da Justiça por aquele que ajudou a eleger e pavimentar suas próprias pretensões presidenciais para 2022.
A história do juiz que teria se tornado presidente prendendo seu próprio maior opositor. É difícil pensar em algo mais escandaloso.
Quando reeditou seu "História da Loucura", Michel Foucault se viu diante da necessidade de escrever um novo prefácio. Sem saber muito como fazê-lo, ele suprimiu o prefácio antigo e tentou justificar a impossibilidade de fazer um novo prefácio. Ao final, só lhe restou escrever duas frases: "Mas você acabou de escrever um prefácio" e "ao menos, ele foi curto".